Michael Garrett é diretor do Observatório Jodrel Bank, no Reino Unido - a primeira deteção do satélite Sputnik foi ali feita, e foi ali também que decorreu uma das monitorizações da primeira alunagem, há 50 anos -, cientista sénior do projeto SETI, para a procura de vida inteligente extraterrestre, no qual trabalha há 12 anos, e um dos promotores do SKA (Square Kilometre Array), que será o maior radiotelescópio do mundo, com antenas na Austrália e Áfricas do Sul, e começará as observações científicas em 2024. O astrofísico britânico esteve em Lisboa para participar no encontro Ciência 2019, que contou com mais de quatro mil investigadores e teve o Reino Unido como país convidado. Ao DN, Michael Garrett falou de como o SKA vai mudar a busca da vida no universo..O que vai procurar nas observações do SKA? Estou interessado numa série de coisas, mas o principal tema, o mais fascinante, é a procura da origem da vida..Como poderá ele dar novas respostas a essa pergunta? O SKA vai recolher mais dados do que qualquer outro radiotelescópio, tanto nas baixas frequências, a partir das antenas na Austrália, como nas altas frequências, com as antenas na África do Sul. Teremos dez vezes mais dados do que agora, e vai ser possível detetar sinais muito fracos, que hoje são indetetáveis pelos outros telescópios. Outra questão crucial, já na fase 2 do SKA [a partir de 2027, com a instalação de antenas noutros países africanos, incluindo Moçambique], é que ele poderá observar uma grande área do céu de forma instantânea. Neste momento, os maiores radiotelescópios só conseguem observar de cada vez uma área idêntica à da Lua, uma fração muito pequena do céu. No caso de eventuais sinais muito fracos de outras civilizações, e não sabendo nós de onde podem vir, aumentar a área do céu a observar em cada momento pode ser uma grande vantagem neste tipo de investigação..Quanto maior será essa fração do céu observável num dado momento, em relação a hoje? Dependerá da capacidade de processamento, mas será pelo menos cem vezes a dimensão da Lua cheia, o que aumentará cerca de cem vezes a probabilidade de detetarmos algo que só ocorra raramente..Porque diz que esses sinais poderão ser raros? É uma boa questão. Os físicos têm um olhar que poderia dizer-se simples. Se as condições para a existência de vida existirem noutro lugar qualquer, assumimos que a vida há de surgir aí também. E se existir vida, então a certa altura poderá haver vida inteligente. É uma visão algo simplista, mas pode ser a visão correta. Alguns biólogos pensam que há muitos eventos aleatórios que têm de acontecer para a vida surgir. E depois, no processo evolutivo, há outra vez inúmeros eventos que têm de ocorrer. Foram os que nos trouxeram até onde estamos hoje, com a nossa civilização tecnológica. Em relação à vida, não sabemos ainda como ocorre a passagem da química para a biologia. Nenhum químico ou biólogo consegue explicar como isso acontece. Há muito trabalho nesse sentido, há grupos que estão a tentar produzir vida no laboratório e tenho ideia de que não andarão longe, mas enquanto não compreendermos o processo não tenho a certeza de que consigamos dizer, por exemplo, com que frequência ele ocorre, ou quanto tempo é preciso esperar para que aconteça. Em relação à vida inteligente e a uma civilização tecnológica, vemos muita vida inteligente à nossa volta, na Terra. Golfinhos, cães, gatos. Há muita vida inteligente no nosso planeta, mas só uma das espécies produziu uma civilização tecnológica, que por sua vez só existe desde há 150, 200 anos. A própria humanidade emergiu há cerca de dois milhões de anos, e todo o processo até chegar aqui levou muito tempo. Se se comparar estas poucas centenas de anos com os 4500 milhões de anos do sistema solar, parece que uma civilização tecnológica é uma coisa relativamente rara. Mas pode não ser. Na verdade não sabemos, porque só conhecemos uma, que é esta, e é perigoso fazer extrapolações com base num único exemplo..Que sinais é preciso procurar para tentar encontrar uma eventual civilização noutro planeta? Assinaturas tecnológicas, um excesso de infravermelhos resultante da utilização de muita energia. É de esperar que uma civilização avançada use muita energia e muita computação e faça viagens interestelares. Quando isso acontece, há muito desperdício energético que se dissipa como calor. Mas não vemos nada disto, nem ondas de rádio artificiais, embora precisemos de procurar muito mais. Não vemos excesso de infravermelhos, o que seria de esperar numa civilização avançada, com grande consumo de energia, talvez mil ou dez mil anos mais avançada do que a nossa. Seria muito difícil uma civilização assim, no meio da Via Láctea, ou noutra galáxia, não dar sinais da sua presença..Pode ser o facto de não haver ainda radiotelescópios capazes de detetar esses sinais? É possível, sim. Gosto de dar o exemplo de Antoni van Leevwenhoek [holandês,1632-1723], que fez os primeiros microscópios, e com isso abriu a a porta ao estudo da biologia do mundo microscópico. Antes disso não havia a mínima ideia sobre esse universo da biologia microscópica. Portanto, pode ser um avanço tecnológico o que é necessário. E pode ser que esse avanço tecnológico requeira também algum avanço no próprio comportamento social humano. Penso nisso muitas vezes, que não seja apenas uma questão de um salto tecnológico, mas também um salto no comportamento social, um avanço na forma como nos tratamos uns aos outros..Em que sentido? Um salto tecnológico pode não estar desligado de um salto na forma como nos comportamos, de como nos tratamos uns aos outros e aos animais. De algum modo somos ainda uma espécie muito primitiva, e talvez isso nos impeça de ver as coisas, de as reconhecermos, e de reconhecer outra vida inteligente. Talvez a espécie humana não possa compreender tudo no universo. Temos preconceitos muitos fortes sobre aquilo que procuramos [a vida inteligente fora da terra]. Mas pode ser que as máquinas que estamos a construir com a inteligência artificial, o machine learning e a robótica possam dentro de cem anos ajudar-nos a responder a estas questões..Pensa que haverá vida noutros planetas? Deve haver algum tipo de vida simples noutros planetas. Tenho um feeling de que sim, em parte porque a vida surgiu tão rapidamente no nosso próprio planeta, e as condições nem sequer eram muito boas. Suspeito de que as formas simples de vida existem por todo o universo. Hoje há mais pessoas que se inclinam para a velha ideia da panspermia, segundo a qual a vida transita entre os planetas, e não apenas no interior de um sistema planetário. Pode haver transferência da vida entre diferentes sistemas solares na galáxia. Neste momento sabemos, com a descoberta recente do Oumuamua [astro em forma de charuto oriundo do espaço exterior detetado no sistema solar em 2017], que há astros que se movimentam entre diferentes sistemas estelares. Portanto, não é apenas a vida que surge com as condições certas, ela também pode ser transportada de um objeto cósmico para outro. O meu feeling é que a vida está por todo o lado na nossa galáxia, e também nas outras. Já a vida inteligente e uma civilização tecnológica são um grande passo para lá das formas simples de vida. Mesmo a vida multicelular não evoluiu na Terra antes de mil milhões de anos, e a superfície do planeta era inabitável [para a vida mais complexa] até há 2,4 mil milhões de anos, porque não havia oxigénio na atmosfera. A vida inteligente pode ser menos comum do que as formas de vida mais simples. E não sabemos se a evolução para uma sociedade tecnológica é algo que acontece com frequência ou só raramente..É possível que nunca se detetem esses sinais? O projeto SETI começou há 60 anos e os instrumentos que hoje usamos são milhões de vezes melhores do que os de então. Não apenas na observação, mas também na análise de dados, e a tecnologia continua ainda a ser desenvolvida, por isso temos de ser otimistas. Com o SETI não detetámos ainda nenhum sinal, mas fizemos grandes progressos a nível tecnológico e hoje sabemos melhor o que procurar..O que seria um sinal definitivo de que teríamos encontrado uma civilização avançada noutro planeta? Um sinal persistente, numa banda muito estreita, que cubra muito poucas frequências. A natureza não produz esse tipo de sinais. Isso seria um sinal claro de origem tecnológica. Mas ainda não detetámos até hoje nenhum sinal desse tipo..Quando vai o SKA começar a fazer este tipo de observações? A data que temos neste momento é 2027. Nessa altura, em princípio, já estarei reformado, mas os astrónomos nunca se reformam... [ri-se]..O radiotelescópio para o futuro.Com a construção a iniciar-se em 2021, o radiotelescópio SKA, que começará a fazer observações em 2024, foi um dos temas em foco no encontro Ciência 2019, nesta semana em Lisboa. Portugal é um dos parceiros do projeto e "esta foi uma oportunidade para um ponto de situação entre Portugal e o Reino Unido, país convidado do encontro, e de promover a interação entre os dois países no âmbito do projeto, para procurar novas oportunidade de colaboração estratégica, nomeadamente na indústria", afirmou ao DN Domingos Barbosa, responsável do consórcio português do SKA e investigador do Instituto de Telecomunicações, na Universidade de Aveiro. O SKA vai ter para já 197 grandes antenas na Austrália e 130 mil pequenas na África do Sul e espera-se que revolucione o conhecimento sobre o universo.