A chanceler alemã, Angela Merkel, foi obrigada a pôr um travão nas novas restrições para lutar contra a pandemia de covid-19 no país, depois de não ter conseguido chegar a acordo com os líderes das 16 estados que formam a República Federal da Alemanha. Em vez de vinculativas, as restrições aos contactos sociais são por enquanto apenas um apelo.."Eu tinha imaginado impor novas restrições aos contactos, mas não houve maioria para isso", disse Merkel após a reunião, na segunda-feira, apelando aos alemães para manterem os contactos sociais no mínimo. "Restringir os contactos é a fórmula para o sucesso. Precisamos de restringir mais para alcançar o nosso objetivo", acrescentou..A reunião terminou não só com o apelo, mas também com um aviso. Na quarta-feira da próxima semana, 25 de novembro, haverá um novo encontro entre Merkel e os líderes estaduais, e se os números de infeções não começarem a baixar, então as restrições que não são ainda vinculativas podem vir a ser. A Alemanha é um estado federal, mas, apesar da indicação da chanceler, as medidas são aplicadas e têm de ser aprovadas pelos 16 estados. Não é claro quais os que se opuseram a novas restrições..Apesar de admitir que o número de casos de covid-19 tem vindo a estabilizar na Alemanha e que as medidas do confinamento light ajudaram a parar "o crescimento exponencial do vírus", Merkel lembrou que isso tem acontecido "muito devagar" e que não deverá ser possível levantar as restrições que existem tão cedo. "Ainda nos resta um longo caminho a percorrer", disse..Segundo o último balanço do Instituto Robert Koch (RKI), foram registados mais 14.419 casos de covid-19 nesta terça-feira, assim como mais 267 mortes em apenas 24 horas. Desde o início da pandemia, já foram contabilizados 815.746 casos (530.200 já recuperaram) e 12.814 mortes, pelo que existem atualmente cerca de 272.700 casos ativos..O número de novos casos diários está abaixo dos 15.332 registados na terça-feira da semana passada e das 23.542 novas infeções de sexta-feira (o pico desta segunda vaga), mas ligeiramente acima das 10.824 que tinham sido contabilizados na segunda-feira (a tendência é fazer menos testes ao fim de semana, o que pode justificar esses números)..No conjunto da Alemanha, a incidência cumulativa nos últimos sete dias é de 141,4 casos por cem mil habitantes - Merkel quer chegar a 50 -, com o fator de reprodução que considera as infeções num intervalo de sete dias em relação aos sete anteriores, de 0,97. A média de casos por cem mil habitantes a 14 dias (a métrica utilizada pelo Centro Europeu para o Controlo de Doenças) é de 307,6. Em comparação, em Portugal a média a 14 dias é de 767 por cada cem mil habitantes..O número de pacientes com covid-19 nos cuidados intensivos subiu para 3436 na segunda-feira, dos quais 1971 estão a receber respiração assistida, de acordo com dados da Associação Interdisciplinar Alemã de Cuidados Intensivos e Medicina de Emergência (DIVI)..Diante da segunda vaga da pandemia, a Alemanha aprovou a 20 de outubro uma espécie de "confinamento light", com medidas que deviam começar a ser implementadas a 2 de novembro e durar quatro semanas. Ao final de duas, as medidas seriam reavaliadas (foi essa a razão da reunião de segunda-feira)..As regras iniciais previam que, durante o confinamento, um agregado familiar só se podia encontrar com um outro, no máximo de dez pessoas, em público. A violação desta medida podia ser sancionada pelas autoridades..As escolas e creches continuam abertas, com eventuais fechos como uma medida de último recurso. Pelo contrário, cafés, bares e restaurantes e outros locais semelhantes tiveram de fechar, só podendo servir comida para entregas ou takeaway. Esta medida não reuniu então o consenso de todos os estados..Salões de beleza, de massagens ou lojas de tatuagens foram fechados, mas os cabeleireiros puderam ficar abertos, sempre mantendo as regras de higiene. Centros de fisioterapia também não fecharam. As lojas puderam ficar abertas, mas foram aumentadas as restrições de acesso: um cliente por cada dez metros quadrados..Teatros, óperas, salas de concertos, feiras, museus, cinemas, parques de diversão, casinos, bordéis, piscinas, saunas, spas e ginásios foram fechados. Os desportos amadores foram proibidos, exceto os desportos individuais, a pares ou com alguém do agregado familiar. Os desportos profissionais, incluindo a Bundesliga, puderam continuar, mas sem espectadores..O turismo interno foi proibido, com os hotéis apenas abertos para viagens de negócios consideradas essenciais, mas não para turistas. As fronteiras alemãs estão abertas, mas foram feitos apelos para que os estrangeiros limitem ao máximo entrar no país..Os lares não fecharam para visitas, mas incentivou-se o uso de testes rápidos à covid-19, para evitar o isolamento dos mais idosos..Apesar de não ter ido tão longe como queria, Merkel lançou alguns apelos na segunda-feira para uma maior restrição de contactos..Os encontros privados devem limitar-se a um outro agregado familiar, com o Governo a pedir que os alemães evitem festas, além de "viagens desnecessárias e viagens turísticas de um dia", ainda para mais em zonas populares..Foi ainda pedido aos alemães que evitem deslocações a espaços fechados e o uso de transportes públicos, exceto em caso de necessidade..Quem esteja com sintomas de constipação ou gripe deve ficar em casa e pedir atestado médico por telefone, questionando se é necessário ou não fazer um teste à covid-19. Nas visitas, especialmente a lares, os alemães devem garantir que ninguém no agregado familiar tem sintomas ou esteve em contacto com um caso suspeito..Os grupos de risco vão ter direito a uma máscara FFP2 (que oferecem proteção extra) por semana a custos reduzidos ou até mesmo grátis, com as autoridades a prometerem mais pormenores para mais tarde..Sendo cada vez mais difícil fazer o seguimento dos contactos de pessoas infetadas, reforça-se a necessidade de usar a aplicação que existe na Alemanha para esse efeito, e se houver um caso suspeito numa escola, empresa ou comunidade religiosa, a ordem é para ordenar uma quarentena..A necessidade de um novo confinamento em novembro levou o Governo alemão a preparar um pacote de 14 mil milhões de euros de ajuda financeira às empresas que passa, por exemplo, por dar um máximo de 200 mil euros para fazerem face a custos fixos, como renda..Inicialmente, estava previsto gastar dez mil milhões de euros, mas a necessidade de ajudar os empregados por conta própria levou o Governo alemão a abrir mais os cordões à bolsa: estes podem ter acesso a uma ajuda de cinco mil euros..Num evento do jornal Sueddeutsche Zeitung, o ministro das Finanças alemão, Olaf Scholz, disse que o Governo tem margem de manobra para aprovar mais medidas para ajudar a economia. A Alemanha prevê pedir de empréstimo mais de 300 mil milhões de euros neste ano e no próximo. Estima-se que o país tenha já dado em apoios não reembolsáveis cerca de 8,3% do seu produto económico..A maior economia da zona euro apresentou um crescimento de 8,2% do PIB no terceiro trimestre de 2020, comparado com o mesmo trimestre no ano passado, ultrapassando as previsões de um crescimento de 7,3%. As previsões para 2020 apontam agora para uma queda de 5,5% do PIB, em vez da queda de 5,8% que estava prevista. Mas resta saber qual o impacto do novo confinamento, nomeadamente se este se prolongar para lá de novembro..Merkel é chanceler desde 2005 e já anunciou que não será candidata dos conservadores da CDU nas eleições que estão previstas para o outono de 2021. Logo, não tem nada a perder no último ano de mandato, ao contrário de muitos líderes regionais, que também têm de pensar no futuro. As novas medidas de restrição estão a ser contestadas nas ruas, tendo havido vários protestos que terminaram em violência..As autoridades proibiram várias manifestações previstas para esta quarta-feira em redor do Parlamento alemão, de forma a evitar novos confrontos e até uma nova tentativa de invadir o edifício (como aconteceu em agosto). Nesta quarta-feira, os deputados devem discutir novas leis para dar base legal ao fecho de lojas ou à obrigatoriedade do uso de máscara em público..A chanceler, que é formada em Física e sabe a importância da ciência, tem defendido as medidas de restrição, atacando aqueles que consideram que o novo coronavírus não é tão grave como se alega e os defensores das teorias da conspiração. Merkel, logo no final de outubro, alertou para a "situação dramática" em que a Alemanha se encontrava e para os "quatro longos meses" que vêm aí..Merkel pode estar de saída, mas a CDU enfrenta o desafio de se conseguir manter à frente do Governo. E não ajuda o facto de estar teoricamente sem líder. Annegret Kramp-Karrenbauer foi eleita para suceder a Merkel à frente dos conservadores em outubro de 2018, mas anunciou a sua demissão em fevereiro deste ano..AKK, como é conhecida a atual ministra da Defesa alemã, nunca foi popular à frente do partido e a pressão para sair intensificou-se depois das eleições regionais no estado da Turíngia, quando a CDU acabou por votar ao lado da extrema-direita para levar os liberais ao poder. O sismo político que isso provocou, desencadeando até novas eleições que colocaram a esquerda novamente no poder no estado, levou à demissão de AKK..A pandemia dificultou as eleições internas dentro da CDU. Inicialmente previstas para abril, foram sendo adiadas sucessivamente até dezembro, mas em finais de outubro foi decidido que o congresso não acontecerá antes de 2021. Há três candidatos à liderança: Armin Laschet, líder do governo da Renânia do Norte-Vestefália, Friedrich Merz, ex-deputado e eurodeputado, e Norbert Röttgen, ex-ministro do Ambiente.