Menos restritivo, mais prolongado: estado de emergência em versão "suave"

O Governo propôs, o Presidente aceita, o maior partido da oposição aprova: o novo estado de emergência está a caminho.
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"Está a ser ponderada uma coisa diferente porque a situação é diferente. Será um estado de emergência muito limitado, de efeitos preventivos." Marcelo Rebelo de Sousa antecipou ontem, em entrevista à RTP, os contornos do novo estado de emergência pedido pelo Governo, apontando para um regime com medidas "não muito extensas".

O Presidente da República entende que não há espaço para mais: porque a sociedade está "fatigada" da pandemia, preocupada com as consequências económicas, num contexto em que também o consenso político em torno desta medida se perdeu pelo caminho. Ainda assim, sublinhou Marcelo, a declaração de um novo estado de emergência deverá recolher "uma maioria clara, de revisão constitucional" - cerca de dois terços dos votos no Parlamento - com a anunciada aprovação do PSD e do CDS, além do PS.

Falando num dia em que se cumpriu luto nacional pelas vítimas da covid-19 - e que coincidiu com o registo de óbitos (46) mais alto de sempre -, Marcelo fez questão de afirmar que os modelos matemáticos apontam para uma progressão dos contágios que poderiam levar aos "oito, nove, dez mil casos diários no final do mês". É certo que a progressão matemática dos contágios não tem batido certo, assinalou, mas advertindo que números daquela grandeza deixariam o sistema de saúde numa situação muito séria.

A entrevista decorreu no final de um dia totalmente dominado pela resposta a dar à atual situação da covid-19. Logo pela manhã, o primeiro-ministro foi a Belém pedir ao Presidente da República que decrete um novo estado de emergência, um pedido que António Costa fundamentou com a necessidade de dar sustentação jurídica a medidas como a limitação à liberdade de circulação, a imposição do controlo de medição de temperatura em locais públicos e nos locais de trabalho, a eventual requisição de privados e setor social para a prestação de cuidados de saúde. Costa admitiu também que os funcionários públicos, de outras áreas que não as da saúde, poderão ser chamados, por exemplo, a fazer o rastreio das novas infeções por covid-19, caso das Forças Armadas.

O primeiro-ministro apontou para um estado de emergência "prolongado", mas, tal como aconteceu em março, essa declaração terá de ser renovada de 15 em 15 dias. Na manhã de ontem, o líder do PSD, Rui Rio, defendia que o estado de emergência poderia ser declarado por um prazo superior a duas semanas, para evitar que os deputados tenham de se pronunciar a cada quinzena. Mas a ideia defendida pelo líder social-democrata esbarra na Constituição, que estipula, no artigo 19.º, que a "declaração do estado de sítio ou do estado de emergência é adequadamente fundamentada e contém a especificação dos direitos, liberdades e garantias cujo exercício fica suspenso, não podendo o estado declarado ter duração superior a quinze dias, ou à duração fixada por lei quando em consequência de declaração de guerra, sem prejuízo de eventuais renovações, com salvaguarda dos mesmos limites".

Ao DN, o constitucionalista Jorge Miranda confirma isso mesmo: "O estado de emergência é declarado por 15 dias. Pode ser prolongado, mas tem de haver nova declaração. Não há estado de emergência sem limite de tempo."

Rui Rio já disse que dará o aval à nova declaração do estado de emergência, em nome do "interesse nacional", e também o CDS admitiu ontem, à saída do Palácio de Belém, que votará favoravelmente, apesar das muitas críticas ao Governo. O que significa que, com os votos do PS, a declaração será aprovada por larga maioria.

À esquerda, a posição é de grande reserva. O PCP já avisou que é contra. "Se alguém pensa que criando o estado de emergência os problemas vão ser resolvidos, estão enganados, a questão não se resolve pela repressão, é pela proteção", afirmou o secretário-geral do partido, à saída da audiência em Belém. Referindo-se à última sexta-feira, quando entrou em vigor a proibição de circulação entre concelhos, o secretário-geral comunista defendeu que "não são precisas mais barreiras automóveis, são precisas mais camas, mais meios por parte do Serviço Nacional de Saúde. Aí é que está a resposta, e não em medidas que não têm sentido nem aplicabilidade". Também "Os Verdes" manifestaram "fundadas dúvidas" sobre a necessidade de uma nova declaração do estado de emergência.

O Bloco de Esquerda, pela voz de Catarina Martins, também levantou reservas a nova declaração do estado de emergência, embora aguarde pelo decreto presidencial que chegará ao Parlamento - e que, obrigatoriamente, tem de definir que direitos é que podem ser limitados. A líder bloquista fez, no entanto, questão de sublinhar a hipótese deixada em aberto por António Costa, de requisição de meios privados para o combate à pandemia.

Já o PAN disse acompanhar "genericamente" as preocupações expressas pelo Governo, pedindo que se clarifique que "não se pode coartar ou restringir" a campanha para as eleições presidenciais.

À direita, o deputado da Iniciativa Liberal João Cotrim Figueiredo pôs o acento na mesma medida, mas em sentido contrário: "Vamos esperar o decreto. Não gostamos de estados de emergência", nem que estes "tenham um cheque em branco sobre o recurso a privados". Pelo Chega, André Ventura rejeitou um novo confinamento local, sob pena de o país viver "uma verdadeira tragédia, com falência atrás de falências e com os principais setores da atividade económica a entrarem em derrocada".

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