Imagine uma casa que gira em função do sol, produzindo energia para as suas próprias necessidades, para carregar um carro elétrico e ainda para alimentar as necessidades energéticas dos edifícios à sua volta. Agora, imagine que os candeeiros da rua só se acendem quando passam peões e que, sempre que optar por utilizar a bicicleta ou o metro em vez do carro, lhe são dados créditos que pode usar para entrar em eventos públicos. Estas são algumas das soluções que integram o laboratório vivo que está a ser implementado em Matosinhos com vista à descarbonização do território. Um modelo do que poderá ser uma cidade no futuro, que irá representar Portugal na grande final dos Prémios Europeus de Promoção Empresarial (EEPA), a 20 de novembro, em Graz, na Áustria..Estamos no número 1825 da Avenida Afonso Henriques, nas instalações do Centro de Engenharia e Desenvolvimento de Produto (CEiiA), que está a desenvolver o Living Lab Matosinhos, em parceria com a Câmara Municipal de Matosinhos. À entrada, foi instalada uma estação de bike-sharing e bike-parking, criada à imagem daquelas que em breve serão colocadas na autarquia e no Terminal de Cruzeiros do Porto de Leixões - espaços onde os cidadãos poderão levantar bicicletas elétricas (20, no total) ou estacionar as suas..Dentro de pouco tempo, quem optar, por exemplo, por viajar do CEiiA ao aeroporto usando uma bicicleta elétrica e o metro, ao invés do carro, receberá créditos que pode usar em bens e serviços, correspondentes à poupança de emissões de gases com efeitos de estufa. Tudo feito com base numa aplicação para smartphones. "Queremos implementar um sistema de recompensas que permita que a adoção de comportamentos sustentáveis possa dar créditos, que podem ser usados em serviços municipais, ou na própria utilização das bicicletas elétricas", explica ao DN José Pedro Rodrigues, vereador responsável pelos transportes e mobilidade, destacando que não está excluída a hipótese de fazerem parcerias com privados para a conversão dos créditos. Usar meios de transporte suaves pode, por exemplo, vir a valer cafés..Financiado em 50 por cento (500 mil euros) por uma candidatura ao Fundo Ambiental (promovido pelo Ministério do Ambiente), o Living Lab de Matosinhos venceu a categoria "Apoio ao desenvolvimento de mercados ecológicos e à eficiência de recursos" na fase nacional dos Prémios Europeus de Promoção Empresarial, iniciativa da Comissão Europeia. Foi escolhido para representar Portugal na grande final europeia, e, após reunião do júri, integra a shortlist da categoria..Começou por ser projetado para dez meses (tal como os outros living labs financiados no país), mas os responsáveis resolveram estendê-lo por 24, de forma a poderem avaliar melhor as soluções. A ideia central é criar um laboratório vivo, neutro em carbono, no centro cívico da cidade - ao redor da Câmara Municipal -, onde possam ser testadas soluções com vista à redução das emissões de dióxido de carbono. "Queremos construir um conceito de bairro urbano, que agregue um conjunto de tecnologias que viabilizem a descarbonização do território, com base na experiência do CEiiA na mobilidade, mas também trazendo outros parceiros nacionais e internacionais [18, no total]. É um espaço de teste para validação de conceitos, tecnologias e modelos de negócio, que, em função dos resultados, podem ser escalados ao restante território", refere Vladimiro Feliz, responsável pela área de cidades do CEiiA..Iluminação inteligente.A iluminação pública inteligente foi, segundo José Pedro Rodrigues, a primeira solução a ser implementada. Trata-se de um sistema com telegestão, que deteta a presença humana na via, capaz de medir gases com efeitos de estufa e que adequa a intensidade à luz natural. "Falamos de poupança na casa das 18 toneladas de CO2 por ano. Só na Rua de Brito Capelo, no troço em que foi implementada, poupa-se uma tonelada de emissões", sublinha o vereador. Nesses cem metros, são poupados 12 mil Kw/ano, o equivalente a 1600 euros..Outra das medidas que já está implementada é a plataforma de gestão de mobilidade do CEiiA - o mobi.me - que permite a monitorização, em tempo real, do trânsito e das emissões de carbono. Na sala de controlo, vemos o número de carros que entraram em Matosinhos entre a meia-noite e o meio- dia desta quarta-feira: 6662. É possível perceber, por exemplo, quais as rotas preferenciais, o que permite ao poder local intervir de forma a melhorar a fluidez do tráfego. E, com o mesmo sistema, é feita uma monitorização de 20 viaturas da frota da autarquia, o que, diz Vladimiro Feliz, deverá fornecer elementos importantes "para a transição do fóssil para energias limpas - mobilidade elétrica". Segundo o responsável, é "um interface único para cidadãos, operadores, decisores públicos"..Neste bairro inteligente, há também um projeto de habitação futurista - A Casa em Movimento Matosinhos -, onde somos recebidos pelo arquiteto Manuel Vieira Lopes, que começa por abrir a porta de vidro através do smartphone, equipamento através do qual consegue controlar toda a habitação. Esta é uma casa, explica, que roda em função da exposição solar, numa velocidade semelhante à da rotação da terra, mas pode fazê-lo em 12 minutos, com apenas um clique, se o utilizador quiser acelerar o processo..No centro há um módulo fixo, onde se situam a cama, a casa de banho e a cozinha. O que roda à sua volta permite criar diferentes ambientes, de acordo com a exposição solar. São possíveis dois movimentos: rotação de todo o edifício até 180 graus ou rotação da cobertura fotovoltaica, para seguir o sol, o que permite gerir a temperatura no interior e produzir energia superior aos consumos. "Produz cinco vezes mais energia do que precisa", assegura o arquiteto, destacando que o excedente pode ser usado, por exemplo, para alimentar viaturas elétricas..Este protótipo já existe desde o ano passado, mas a ideia é que sirva para testar outras soluções. "É um espaço que inspira transformações, daí a sua incorporação no laboratório. Dá sinais para a incorporação de tecnologias, por exemplo, e permite testar sistemas de climatização", exemplifica José Pedro Rodrigues..Existem, ainda, outras tecnologias que vão ser testadas, nomeadamente um carregador rápido de veículos elétricos, uma rede de cacifos eletrónicos para bicicletas, uma solução de pagamento de estacionamento de suporte ao comércio local, ecrã digital com informação sobre os autocarros nos abrigos, ou um robô autónomo para aspirar as folhas nos jardins. Já nas próximas semanas, deverá ser implementado um pavimento tecnológico, no qual a energia da passagem dos carros é transformada em energia elétrica.."A ideia é criar um novo paradigma de mobilidade", refere Vladimiro Feliz. No entanto, frisa, o Living Lab Matosinhos "não é uma solução para o utilizador final, mas um espaço de teste" nas áreas da mobilidade, energia, ambiente, edifícios e conectividade..Na opinião de José Pedro Rodrigues, este permitirá "tirar lições muito relevantes sobre que cidade queremos daqui a 20 anos". Ao DN, diz acreditar que "muitas destas tecnologias farão parte do quotidiano. Estamos a procurar antecipar o futuro". Se o projeto ganhar a final do EEPA, o vereador realça que será considerado "a iniciativa de empreendedorismo mais criativa da Europa".