Esquizofrenia e afetos familiares. Os laços entre dois gémeos ao longo de uma vida. I Know This Much is True, baseado no livro homónimo de Wally Lamb, publicado em 1998, propõe uma saga familiar dos irmãos Birdsey, netos de um siciliano que emigrou para o Connecticut à procura de fortuna. Mas os Birdsey parecem viver de uma maldição: cresceram sem pai, Thomas foi ganhando uma condição de esquizofrenia e a mãe acabou de morrer, enquanto Dominic perdeu a sua bebé e, logo a seguir, viu o seu casamento acabar..São seis episódios de uma minissérie que trata a noção de tragédia como um vulto operático. Derek Cianfrance, o criador e realizador da série, conhecido de filmes como Blue Valentine - Só Tu e Eu (2010) e Como um Trovão (2012), filma esta história de miséria moral com um sentido melancólico único. Subjetiva e subterraneamente, ensaia-se quase um novo modelo de drama televisivo, porventura mais perto de uma ideia de sensibilidade melodramática do cinema americano dos anos 70 do que qualquer outra experiência televisiva contemporânea..Talvez seja lícito dizer-se que estas quase seis horas de ficção enquadrar-se-iam melhor num formato cinematográfico, embora a liberdade formal que a melhor televisão americana produzida nestes dias já tenha esbatido em muito as tais fronteiras entre televisão e cinema..Mas I Know This Much is True vai ser notado (e quase de certeza premiado) pela presença de um nos maiores atores do cinema americano, Mark Ruffalo. Ruffalo a contracenar com Ruffalo oferece ao espetador uma sensação de espanto rara. Os gémeos Dominic e Thomas, nas suas diferenças, permitem ao ator explorar todas os seus trunfos como "ator de composição"..Como Thomas, vemos um Ruffalo mais anafado e de cabelo curto, logo no primeiro episódio a chocar quando num episódio psiquiátrico corta a sua mão numa biblioteca pública. Do outro lado, o gémeo Dominic, o irmão "normal", alguém cuja vida parece sempre ameaçada pelo problema do irmão. E aí é um outro Ruffalo, mais magro, com barba e com uma dor tão invisível como dilacerante. Sim, em I Know this Much is True, a quantidade de dor e perturbação psicológica, não é um passeio no parque: ficamos a respirar fundo quando os efeitos visuais permitem que acreditemos na interação perfeita dos dois gémeos e há um efeito comovente ao qual se torna impossível deixar o espetador imune às grandes emoções..Ao longo da série, vamos também desvendando os traumas de culpa dos gémeos. Culpa por terem deixado a mãe casada com um padrasto abusador e culpa também por nunca terem descoberto a identidade do pai..Para além do show Mark Ruffalo, a série permite aos atores secundários desempenhos fortíssimos. O que dizer da mãe coragem e sofredora de Melissa Leo? Ou da subtileza da dor de Kathryn Hahn? E há ainda o enorme Marcello Fonte (o protagonista de Dogman), que aparece em flashbacks como o avô cruel dos gémeos, um pouco à medida do Robert De Niro de O Padrinho 2, de Francis Ford Coppola, e uma Rosie O'Donnell irreconhecível na pele da assistente social que tenta retirar Thomas de um tenebroso hospital psiquiátrico..Pelo meio de segredos familiares e de um olhar por uma América de subúrbio triste e cinzenta, Derek Cianfrance narra a maldição dos dois irmãos com um timing muito singular. As cenas têm uma montagem dramática em crescendo e demoram um tempo maior do que é costume. Por outras palavras, têm o tempo do cinema. Por isso, não se estranha a insistência do realizador em focar-se nos grandes planos do rosto dos atores. É lá que está toda a amargura deste conto de vidas e sonhos desfeitos. O close-up não como figura de estilo mas como intenção de cinema. Afinal, I Know this Much is True deveria ter sido um épico íntimo para ser visto numa sala, o problema é que em Hollywood já não há coragem para isso. Sendo assim, de coração ao pé da boca, é justo poder acreditar que está aqui a melhor série para se ver em streaming este ano.