Um presidente "não convencional" capaz de se ligar ao cidadão comum, de se misturar nas multidões e que tira selfies com toda a gente que lhe pede, características que lhe deram um estatuto de Presidente bem-amado. É a apresentação de Marcelo Rebelo de Sousa no canal público indiano Doordarshan News (conhecida como DD News), que entrevistou o Chefe do Estado português em vésperas da visita de Estado à Índia que começa oficialmente nesta sexta-feira..Na entrevista, realizada nos jardins do Palácio de Belém, Marcelo sublinha o momento alto das relações entre os dois países, fruto de uma aproximação crescente que aconteceu "em três, quatro anos".."De repente, houve uma mudança em muitos campos. "No campo político, Portugal está muito empenhado em apoiar a ideia de a Índia se tornar um membro permanente do Conselho de Segurança. É um ponto-chave na nossa política externa. Segundo, a cooperação económica - infraestruturas, água, saneamento, comunicações, telecomunicações. Mas também, vindo da Índia, a indústria automóvel, cooperação na Defesa, mas também científica, tecnológica", refere o Presidente da República..Marcelo diz que as relações entre Portugal e a Índia são uma parceria win-win (em que todos ganham) e sublinha o apoio de Portugal ao estabelecimento de um acordo de livre comércio entre a União Europeia e o gigante asiático. "Precisamos também de um acordo bilateral", diz Marcelo, sublinhando igualmente como a CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa pode ser outra plataforma de cooperação entre os dois países..Questionado sobre se as raízes indianas do primeiro-ministro português, António Costa, funcionam como um catalisador na relação entre os dois países, o Presidente da República não hesita: "É fundamental." E acrescenta Marcelo Rebelo de Sousa: "Sabe que eu conheço o primeiro-ministro desde que ele foi meu aluno - um bom aluno -, tinha 19 anos. Ele tem raízes indianas, mas, mais do que isso, adora a Índia. E criou uma relação empática com o primeiro-ministro [Narendra] Modi, sabe que a política são as pessoas, e esta empatia... se a tem é uma coisa, se não a tem é diferente.".Durante a conversa, Marcelo confessa que nunca esteve na Índia - "um sonho nunca realizado"..Em entrevista ao mesmo canal televisivo, a embaixadora da Índia em Portugal, Nandini Singla, adiantou que estão a ser concluídos "oito novos acordos" entre os dois países. "Estamos a construir uma parceira moderna, do século XXI", afirmou a diplomata, referindo que os acordos se reportam a áreas como a ciência e a tecnologia..A vista de Marcelo segue-se à de António Costa, que em janeiro de 2017 fez uma visita de seis dias à Índia. Seis meses depois, o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, também visitou Portugal. Em dezembro do ano passado, António Costa marcou presença nas cerimónias do 150.º aniversário de Mahatma Gandhi..Relações económicas em crescendo.De acordo com números do Instituto Nacional de Estatística (INE) disponibilizados pela AICEP - Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal - entre janeiro e novembro do ano passado Portugal exportou para a Índia bens no valor de 109,6 milhões de euros, um aumento de 7,2% relativamente ao ano anterior. No mesmo período, as importações daquele país aumentaram 24,7%, para os 777,9 milhões de euros, o que representa um saldo negativo na balança comercial de cerca de 668 milhões de euros. .No ano passado, considerados os dados até novembro, a Índia ocupou a 16.ª posição na lista de fornecedores de bens a Portugal (no ano anterior estava na 19.ª posição), com uma quota de 1,05%. Em sentido inverso, está em 43.º lugar nas exportações portuguesas (45.º em 2018), representando uma quota de 0,20%..Portugal exporta para a Índia máquinas e aparelhos (que representaram 24,9% do total de exportações para o território indiano em 2018), químicos (24,9%), minerais e minérios, metais comuns e plásticos e borracha. Em sentido contrário, Portugal importou da Índia sobretudo materiais têxteis - em 2018 representaram uma fatia de 30,9% das importações provenientes do gigante asiático, deixando a grande distância os metais comuns, que representaram 11,1% das importações..Em 2018 houve 706 empresas portuguesas a exportar para a Índia..Depois de Soares e Cavaco, Marcelo.Marcelo Rebelo de Sousa chega a Nova Deli, capital da Índia, ao final da tarde desta quinta-feira, iniciando o programa oficial na sexta-feira de manhã, com uma cerimónia oficial de boas-vindas no palácio presidencial Rashtrapati Bhavan, a que se seguirá uma homenagem no Memorial Mahatma Gandhi, Rajghat. Marcelo Rebelo de Sousa terá depois um encontro de trabalho, seguido de um almoço, com o primeiro-ministro Narendra Modi..A meio da tarde, o presidente inaugura a instalação de Joana Vasconcelos Cha-Chai (O Bule) no Museu Nacional, seguindo-se uma audiência com o vice-presidente da República da Índia e presidente do Senado indiano, Venkaiah Naidu, e, mais tarde, com o Presidente da República da Índia, Ram Nath Kovind..O primeiro dia de visita termina com um banquete oferecido pelo Chefe de Estado indiano, após o qual Marcelo parte para Mumbai (antiga Bombaim). Na capital financeira da Índia, o Chefe de Estado português toma o pequeno-almoço com empresários indianos e participa numa cerimónia de homenagem às vítimas do atentado terrorista de 26 de novembro de 2008 no The Taj Mahal Palace..Marcelo almoça com o governador do Estado e a meio da tarde de sábado parte para Goa - ponto de passagem obrigatória para os líderes políticos portugueses -, onde participa na cerimónia de assinatura de acordos bilaterais, depois na sessão de abertura de um seminário sobre Design Urbano Contemporâneo Português no Palácio do Idalcão. E fecha o dia com um jantar oficial com o governador do estado de Goa, Satya Pal Malik..No domingo, Marcelo visita a Igreja de Santa Mónica e o Museum of Christian Art (MoCA)..Marcelo Rebelo de Sousa é o terceiro chefe de Estado português a fazer uma visita de Estado à Índia. Em 1992, Mário Soares inaugurou as visitas presidenciais àquele país, numa viagem de dez dias que teve ampla repercussão em Portugal. É dessa visita a famosa fotografia de Soares e de Maria Barroso sentados no dorso de um elefante, que se tornaria imagem icónica da visita..Essa foto acaba por simbolizar o novo relacionamento entre os dois países, interrompido nos anos 1950 e até ao 25 de abril de 1974, devido à anexação de Goa, Damão e Diu, em 1960-61. À chegada, Soares - que já tinha estado na Índia duas vezes como ministro dos Negócios Estrangeiros e primeiro-ministro - plantou uma árvore em memória de Mahatma Gandhi e procurou o apoio da Índia para a questão de Timor-Leste, então sob domínio indonésio - sem grande sucesso..Em 2007 foi a vez de Cavaco Silva fazer também uma visita de Estado à Índia, durante sete dias repartidos entre Nova Deli, Mumbai, Goa e Bangalore, capital tecnológica do país. Uma viagem com o assumido propósito de potenciar as relações económicas entre os dois países - Cavaco dizia então que aquele era "o tempo certo" para o país ganhar projeção na Índia e se afirmar como um parceiro económico do gigante asiático..A Índia é o segundo país mais populoso do mundo (só batido pela China), com uma população de mais de 1,3 mil milhões de pessoas. Foi a sexta maior economia do mundo em 2018, representando 3,2% do PIB mundial, mas estima-se que em 2019 se tenha tornado a quinta maior a nível mundial. De acordo com as últimas estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), deverá crescer neste ano a uma taxa de 5,8%.."Para a Índia, Portugal é manifestamente um país simpático".O antigo embaixador Francisco Seixas da Costa sublinha que a Índia "tem estado na atenção de Portugal há muitos anos". "Mas a sensação que tenho é de que tem sido difícil dar consistência a essa vontade política. Há uma recorrente tentativa de tentar mobilizar os operadores económicos indianos para o nosso país, mas isto depois defronta-se com as regras do mercado. Estes impulsos de natureza política são apenas uma forma de mostrar boa vontade, depois são as empresas que tomam as suas decisões", acrescenta..Sobre a Índia, Seixas da Costa lembra que, sendo "um país economicamente muito poderoso, tem uma ação externa menos visível". É neste capítulo que Portugal - "com a modéstia que a posição portuguesa sempre tem" - pode entrar. O diplomata, retirado há sete anos, lembra o papel de Portugal na parceria estratégica firmada entre a União Europeia e a Índia e que tem vindo a ser considerada pela parte indiana "como um elemento referencial". "Para a Índia, Portugal é manifestamente um país simpático", diz o antigo diplomata.."A circunstância de o primeiro-ministro ter origem indiana, num país que é muito ligado a essa simbologia", também assume relevância, acrescenta Seixas da Costa..Portugal e a Índia têm relações históricas que levam mais de 500 anos, iniciadas com a chegada de Vasco da Gama ao subcontinente, em 1498. As relações diplomáticas estiveram cortadas durante perto de vinte anos, no período do Estado Novo, e foram restabelecidas após o 25 de Abril, quando Portugal reconheceu a plena soberania da Índia sobre os antigos territórios portugueses de Goa, Damão, Diu, Dadrá e Nagar Aveli..De acordo com dados consulares fornecidos pela Presidência da República e citados pela agência Lusa, a comunidade indiana em Portugal é composta por cerca de 11 mil pessoas.