Na passada sexta-feira, num hotel do Porto, Marcelo Rebelo de Sousa manteve um encontro de cerca de uma hora com Rui Rio, presidente do PSD. Nesta segunda-feira, no Palácio de Belém, o Presidente da República (PR) recebeu o ex-líder parlamentar do partido, que desafia a liderança de Rui Rio, Luís Montenegro. A audiência foi mais rápida, mas deixou o partido dividido..Se, por um lado, Marcelo Rebelo de Sousa pode invocar que não tomou qualquer iniciativa para que estes encontros se realizassem, por outro lado permite que a sua intervenção seja vista como uma "interferência" na vida interna do partido, segundo os críticos.."Compreendo a dificuldade do PR, até porque havia um pedido expresso de Luís Montenegro para uma audiência, mas o resultado não é o mais feliz", avalia Miguel Poiares Maduro. Para o ex-ministro do PSD, a atitude do Presidente corre um risco: "Passa a perceção de que é uma interferência.".Por uma razão fundamental - não haver eleições à vista. "O que fará o PR se receber pedidos de audiência de outros candidatos, como Miguel Morgado, Pedro Duarte, Miguel Pinto Luz? O PR vai recebê-los a todos?".Isso faz que, na opinião de Poiares Maduro, "a audiência a Luís Montenegro tenha uma leitura, embora não saibamos o que é dito na conversa, que é o desafio que faz à liderança de Rui Rio". E isso faz que Marcelo pareça caucionar os argumentos de Montenegro, com os quais Poiares Maduro discorda. "Eu não concordo com a análise de que é um golpe de Estado. Legítimo, é. Não concordo é que seja correto.".Por isso, mesmo sem atribuir nenhum "objetivo de parcialidade" à atuação do PR, Poiares Maduro critica-a. "Essa leitura - de parcialidade - pode ser feita, se não receber outros pré-candidatos.".Um desses possíveis candidatos é o deputado Miguel Morgado, que apresentou a sua disponibilidade para ponderar uma candidatura - caso seja aberto um processo eleitoral - à liderança do partido. Morgado considera "injustificado" que Marcelo Rebelo de Sousa participe nesta fase do debate interno. Isso pode até representar, conclui, "uma intromissão do PR nos assuntos internos do partido". Por muito que veja, na atitude do PR, um conjunto de "boas intenções", Miguel Morgado considera que Marcelo tem um "peso institucional, pessoal, que desequilibra". Por isso critica estas audiências a Rio e a Montenegro: "É uma interferência."."Agora não há eleições, nem candidatos", aponta Morgado. Rio e Montenegro "são tão candidatos como eu", acrescenta. E é precisamente por não haver eleições que Miguel Morgado não apresentou uma candidatura: "Não sou candidato porque não há eleições. Se houver, ponderarei, porque acho que tenho um contributo a dar e responsabilidades.".Até lá, "na vida interna do PSD mandam os seus militantes e órgãos próprios", sublinha. E não cabe ao PR, na sua perspetiva, intervir nesta fase. "Nós não estamos num jardim-de-infância. O PSD é o maior partido com representação parlamentar. Tem relevância por inerência, não é o PR que lhe atribui mais relevância.".Esse é precisamente o principal argumento de quem defende a ação de Marcelo. O PSD, como grande partido, vive uma crise interna e o Presidente quer mostrar o seu interesse pelo debate que se instalou..O deputado Carlos Abreu Amorim é um dos vários defensores, no PSD, da atitude de Marcelo. "Demonstra que o PR está atento e considera que o PSD é um partido fundamental para o sistema político. Uma crise no PSD é uma matéria que preocupa o PR. Acho natural que fale com os protagonistas, que aliás conhece bem. Este é o estilo de Marcelo Rebelo de Sousa.".Para este deputado, as audiências a Rio e a Montenegro estão em linha com a "atitude genérica de grande intervenção" do Presidente. "Não acredito mesmo que tenha a intenção de ter a mínima influência no resultado da crise", garante. "Acredito que faria o mesmo se o debate acontecesse noutro partido.".Uma das justificações para a intervenção de Marcelo é a sua preocupação com os efeitos de um debate polarizado no PSD, que de alguma forma desagregue o partido. Por várias vezes, o Presidente revelou temer as consequências disso, nomeadamente por criar condições para o surgimento de um movimento populista nesta área política..Miguel Morgado concorda com a preocupação, mas não com a forma da intervenção: "Compreendo todos esses argumentos de preocupação com o sistema político. Mas o ponto não é esse: há funções próprias de cada cargo e de cada instituição pública." Já Carlos Abreu Amorim aceita que essa é uma justificação para Marcelo: "Tenho a certeza de que tem esses temores democráticos."