Quando as pessoas começam a falar cada vez mais sobre uma nova Guerra Fria, isto faz sentido visto da Finlândia, sendo um país vizinho da Rússia e com uma complexa relação com esta? Sente que há uma nova Guerra Fria? Eu diria que os finlandeses têm pelo menos 200 anos de história a viver em grande proximidade com a Rússia e por isso estamos habituados a mudanças. E não, não sentimos uma mudança radical neste momento..A relação com a Rússia neste momento é a mesma do que a iniciada após a queda da União Soviética, não há verdadeira mudança? Claro que há a mudança com a liderança atual na Rússia. Existem, por exemplo, menos negócios com a Rússia do que havia nos anos 1990. Mas não é uma mudança radical. E sobretudo não falamos de uma nova Guerra Fria. Essa expressão não é usada..Há debate sobre o serviço militar obrigatório, sobre gastar mais em Defesa? Na Suécia, outro país escandinavo com tradição de neutralidade, há atualmente esse tipo de debate. Não há esse tipo de debate na Finlândia, de todo. Mas há um debate sobre a pertença ou não à NATO, que continua a ser feito..Sobre o país vir a ser membro da NATO? Ser membro ou não. Mas mesmo esse tópico não está muito em cima da mesa..E há partidos a apoiar a adesão à NATO? Sim. Mas sobretudo existem políticos, individuais, que apoiam essa adesão à NATO e que fazem campanha por isso. Mas de momento não são a maioria..Quando pensamos na relação da Finlândia com a Rússia, vem-me à mente a Guerra de Inverno de 1939-1940, quando a Finlândia consegue resistir à invasão soviética. É algo muito importante na mentalidade nacional? Sim. Nós temos duas memórias nacionais na história finlandesa do século XX. Uma é a Guerra de Inverno, em que conseguimos evitar a ocupação soviética, este é o grande momento nacional, claro. A outra é quando a Finlândia bateu a Suécia no hóquei no gelo em 1995 [risos]..Alguns historiadores dizem que a vossa habilidade para resistir durante a Guerra de Inverno foi principalmente porque Estaline tinha quase matado ou afastado todos os generais brilhantes do Exército soviético. Mas outros dizem que a resistência dos finlandeses como nação foi realmente incrível. Foi um conflito também importante em termos de reconstrução da unidade nacional depois da Guerra Civil nos primeiros anos da república? Sim, foi imensamente importante. A Guerra Civil dividiu completamente o país entre Vermelhos e Brancos e foi combatida logo diretamente após a independência em 1918, que tinha sido declarada um ano antes. Todo o período entre as duas guerras mundiais foi um tempo de sentimentos nacionais forçados, que nunca funcionaram realmente, e a Finlândia foi um país quase fascista nos anos 1930. Nunca foi mesmo fascista, mas é uma questão de debate sobre se se pode chamar à Finlândia da época um país fascista. Portanto, uniu-se como nação apenas após a Segunda Guerra Mundial e todo o período pós-guerra foi muito diferente na Finlândia, o que deu, claro, um grande impulso à recuperação económica que quase todos os países europeus testemunharam..A finlandização, ou seja, uma espécie de compromisso de neutralidade com Moscovo adotado após a Segunda Guerra Mundial, foi uma opção ou era obrigatória, estando o país tão perto da União Soviética? Bem, finlandização tem dois significados depois da Segunda Guerra Mundial. Primeiro, um pouco de história, houve alguns anos que foram bastante decisivos, imediatamente a seguir à Segunda Guerra Mundial, pois entre 1945 e 1948 a esquerda radical tinha uma posição de grande poder na política finlandesa. E estes são chamados de "anos do perigo", portanto a questão era se a Finlândia seguiria o caminho da Checoslováquia e ficaria sob a tutela do Kremlin. Conseguimos evitar isso e voltámos a esse modo do século XIX de ser leal aos russos, o que nos permitiu, como antes, grande espaço de manobra internamente. E finlandização é um termo que é usado de duas maneiras. Uma é esta maneira, "manténs-te amigável com os russos e podes ter rédea solta em relação ao Ocidente e à Europa". O outro sentido é menos lisonjeador e isso tem que ver com políticos proeminentes, especialmente Urho Kekkonen, que foi presidente finlandês durante um quarto de século, sempre a usar a carta russa, por assim dizer, para influenciar a política nacional. Portanto, relações pessoais com Moscovo, e todos os momentos em que ele não levava a sua avante na política finlandesa então podia dizer que "agora temos relações tensas com a União Soviética, por isso precisam de fazer como eu digo porque apenas eu posso tirar-nos disto"..Pensa que esta finlandização no primeiro significado, o de boas relações com a União Soviética mas mantendo a independência e o sistema democrático, foi apenas possível porque havia uma memória positiva do controlo czarista durante o século XIX? Bem, eu sou um historiador que normalmente não acredita nestas explicações de longo prazo, mas neste é tão óbvio, creio eu. A nação finlandesa e o Estado finlandês nasceram dentro do Império Russo e através desta posição privilegiada que a Finlândia tinha, ao gerir muito cuidadosamente as suas relações com o czar russo. Portanto, o nacionalismo finlandês, a língua finlandesa, as escolas finlandesas, a moeda finlandesa, foi tudo feito com o apoio do Império Russo, que tinha interesse em impulsionar uma identidade finlandesa à parte, evitando assim que os finlandeses ficassem demasiado interessados na Suécia, que antes dominava. Por isso, isto é uma tradição que se desenvolveu ao longo de 110 anos, entre 1808 e 1918 com a independência, após a revolução russa. E isto é uma matriz, uma forma de estar com o vizinho, que se manteve durante a Guerra Fria. Portanto, neste caso, penso que seja muito importante essa memória. E os políticos mais importantes também se baseiam neste legado histórico, que afeta a sua maneira de pensar..Pensa que a Rússia olha para a Finlândia com uma simpatia especial ou apenas estão a ser pragmáticos, tendo uma espécie de parceiro privilegiado na Escandinávia? Sim, penso que seja muito pragmatismo, que tem alguns propósitos diferentes em períodos diferentes. Obviamente que no século XIX a Finlândia era um espécie de janela para a Europa, em que se podia experimentar muito nesta parte diferente do Império Russo. Era um grão-ducado nesse período com ideias políticas para as quais a própria Rússia não estava ainda preparada. Por isso, experimentou a liberalização, quando ainda se tinha um sistema político primitivo no império. Também economicamente tivemos durante a Guerra Fria um acordo de amizade e cooperação com a União Soviética de 1948 até ao início dos anos 1990, quando esta foi dissolvida. E esta parceria, basicamente, era no interesse das duas partes. A Rússia queria alguns contactos com o Ocidente e para isso a Finlândia era uma área especial..Com todas estas especificidades, quão forte é o sentimento europeu na Finlândia hoje? É muito forte, e aqui há outra continuação desta história de ser leal ao império ou ao soberano. Portanto o primeiro alvo de lealdade foi o czar russo, és o mais leal ao teu soberano e dessa maneira podes ter um grande espaço de manobra dentro do teu país. A segunda fase foi a União Soviética durante o século XX a fazer a mesma coisa. A terceira fase é a União Europeia. Com a adesão europeia, em 1995, transferiste esta lealdade para outro soberano, para outro império. Logo consegue ver-se um modo contínuo de pensamento em que nós somos leais aos soberanos desde que nos deem liberdade..Este é um modo de sobrevivência para uma pequena nação? Sim, absolutamente. A realpolitik dos pequenos países na Europa, especialmente da Finlândia devido à geografia..O professor pertence à comunidade de língua sueca na Finlândia. Durante o século XIX, quando a Rússia apoiava a ascensão do nacionalismo finlandês, a minoria sueca estava sob ameaça ou sempre soube integrar-se? É muito complicado em vários aspetos porque o que é sueco e o que é finlandês não é tão fácil de separar. O nacionalismo foi claro dentro de um círculo de elite e a maioria dos primeiros nacionalistas, obviamente, falavam sueco. E as novelas nacionalistas, novelas filosóficas, eram todas escritas em sueco..A elite finlandesa do século XIX era capaz de falar sueco? Sim e apenas sueco!.Mesmo finlandeses étnicos? Sim. Depende, não todos eles. Por exemplo, Elias Lönnrot, o autor da famosa obra nacional chamada Kanteletar e também do épico Kalevala, falava finlandês e sueco. Foi o primeiro a ir às florestas da Finlândia oriental recolher as histórias e as narrativas das pessoas que ele ouviu, obviamente a falar finlandês. Mas o famoso filósofo nacional Johan Vilhelm Snellman, que se vê sentado à frente do Banco da Finlândia, era completamente um falante sueco. Ele escreveu todos os seus livros em alemão ou sueco e fez apenas um discurso em toda a sua vida em finlandês. E foi horrível, finlandês impossível de compreender. Zachris Topelius é outro novelista, todos os seus livros são escritos em sueco e isso é algo nem sempre reconhecido entre os nacionalistas finlandeses hoje em dia, é conveniente de se esquecer..Está a dizer que a minoria sueca foi desde o princípio parte desta construção da nação? A elite sueca estava dividida nesta questão. Alguns deles acabaram por mudar de língua no final do século XIX, muitos deles que falavam sueco mudaram o primeiro nome, ou os apelidos, ambos algumas vezes ou só um. E alguns argumentavam uma posição intermédia de que podia ter-se nacionalismo finlandês na língua sueca. E uma terceira parte achava que não se devia ter nacionalismo finlandês de todos. A elite dentro dela própria estava, obviamente, dividida..Hoje em dia existe uma integração completa entre ambas as comunidades, com o Estado a ser justo com ambas as comunidades? Sim. Existe algum ressentimento, mas a minoria sueca é tão pequena, 5% da população, portanto é insignificante o suficiente para já não ser tão sensível. Há algumas comunidades onde não se fala muito finlandês, sobretudo ao longo da costa oeste em frente à Suécia. Mas são muito pequenas essas comunidades de língua sueca mais isoladas, a maioria dos suecos são mesmo bilingues e conseguem trabalhar em finlandês..Mas diria que as maneiras de viver, as mentalidades, são muito parecidas? Sim, eu diria isso. Claro que há algumas diferenças que têm que ver mais com a cultura do que com a etnicidade..E casamentos mistos são algo muito comum? Completamente, completamente. E por causa de casamentos mistos a população sueca está a diminuir lentamente, por isso o que costumava ser 10% há uma geração, um pouco mais de uma geração, agora é 5%..Temos de olhar para a Finlândia como uma nação em que o idioma, um dos raros caso de língua não indo-europeia na Europa, funciona como a grande base identitária? Nacionalismo linguístico é a característica mais definidora..O luteranismo também é importante? Sim, de certa forma. O luteranismo foi importante em construir o nacionalismo, em difundir a ideia de nação, absolutamente..Em termos de oposição à Rússia Ortodoxa? Sim, e também em termos de integrar a nação. O lar, o povo e a religião foram os ingredientes do nacionalismo..Diria que a posição da Finlândia no mundo é um compromisso entre este pragmatismo com a Rússia e a lealdade à União Europeia? Sim, e tentar reinventar-se a si mesma economicamente depois de ter sido muito próxima da União Soviética e da Rússia antes..Em termos de prosperidade, esta reinvenção está a funcionar? Tudo é um pouco difícil hoje em dia, mas está a funcionar bem.