"Mais vale sermos filhas da quota do que filhas de coisa nenhuma"
E afinal, o que mudou com o crescente aumento de mulheres no parlamento? Elza Pais, deputada, presidente das Mulheres Socialistas, secretária de Estado da Igualdade entre 2009 e 2011, considera que "mesmo que não tivesse mudado a política, mas mudou, houve uma conquista de maior justiça social com a presença progressiva de mais mulheres na política, é uma conquista da democracia". E houve, garante, "avanços muito significativos em matéria de igualdade nestes últimos seis anos". Há, no entanto, uma realidade que persiste: "O mundo da política é muito misógino. Quando uma mulher não entra nos lobbies de poder, que são masculinos, dificilmente chega às lideranças de topo."
Alma Rivera, deputada, membro do comité central do PCP, reconhece que "há preocupações que, se calhar, têm outra evidência e outra dimensão que não teriam se não houvesse uma participação cada vez maior das mulheres", mas deixa um aviso: "Nem todas as mulheres representam a larga maioria das mulheres". "A questão", sublinha, "não é apenas uma questão de ser mulher ou ser homem, é uma questão também de proveniência, de experiências de vida, de preocupações... de objetivos". Dito de outra forma: "As mulheres não têm hoje mais direitos porque há mais mulheres no parlamento."
Margarida Balseiro Lopes, deputada, e que foi a primeira mulher a liderar a JSD, diz que "desde logo, mudou a composição de vários órgãos, em particular a Assembleia da República. A democracia é suposto ser representativa. E o parlamento é por excelência o órgão de soberania que deve ter essa preocupação, de representar a sociedade portuguesa e não representava quando tinha 10, 15, 20% de mulheres. O mesmo argumento utilizaria se fosse ao contrário, se fossem só 10, 15% de homens. Esse equilíbrio torna mais verdadeira a democracia". Porém, "as mentalidades não se mudam por decreto. É importante que os partidos respeitem e apliquem a lei da paridade, mas também façam isso na composição dos seus órgãos internos".
Para Helena Roseta, eleita deputada pelo PSD na Assembleia Constituinte, em 1975, "não basta a questão quantitativa. Quando as mulheres estão lá mudam a agenda política ou não? Essa é que é a questão. E na verdade, uma maior presença de mulheres vai mudando a agenda, abriu-se a agenda àquilo que é a vida das pessoas".
A antiga deputada recorda os tempos em que "éramos poucas, e eles queriam sempre ter uma mulher na mesa, a tal ponto que eu gozava e dizia: "bom... vocês já têm a mesa feita, têm já cinco homens, uma mulher, só falta um cão." A mulher tinha que lá estar, era um ornamento. Mas como havia poucas mulheres éramos mais solicitadas. Agora, quando começa a disputa por lugares com algum poder... aí sim, até mesmo nas listas, aí sim é muito difícil". Isso mudou com o tempo? Helena Roseta é rápida na resposta. "Não mudou, nem muda naturalmente. Ou há revoluções e invertem-se os paradigmas ou tem que haver avanços legislativos, não há outra solução."
"Havia até", sublinha Helena Roseta, lembrando os tempos de resistência à elaboração da lei, "mulheres que usavam o argumento falacioso de que queriam ser eleitas pelo seu mérito e não por pertencerem a uma quota. Não queriam ser filhas da quota. E eu dizia: "mas que estupidez, que importância é que isso tem?" O que é preciso é chegar lá, que seja um caminho legítimo e que se chegue lá: mais vale sermos filhas da quota do que filhas de coisa nenhuma".
Carmelinda Pereira, eleita deputada socialista nas eleições da Constituinte, diz que "ainda hoje isso [a paridade] me dá vontade de rir. Porque isso para mim, e não quer dizer que não seja importante as mulheres terem papéis de chefia e serem reconhecidas com os mesmos direitos em toda a parte, mas sinceramente aquilo que para mim continua ser extraordinariamente importante são os direitos das mães trabalhadoras, das mães que lutam para sobreviver".
"Isto da paridade diz respeito, em grande medida, às mulheres que têm um nível de vida médio, às deputadas. Porque as que trabalham para sobreviver, 8 horas por dia, que saem de casa cedo, muitas vezes de madrugada, que chegam a casa tarde e que têm ainda que cuidar do jantar e dos filhos e fazer contas à vida, essas não têm paridade nenhuma", afirma.
Maria Helena Santos, investigadora auxiliar no Centro de Investigação e Intervenção Social (CIS-ISCTE), explica que "já foram realizados diversos estudos sobre a representação descritiva das mulheres na política (ou seja, sobre a evolução do número de mulheres na política), mas só agora, que já há mais mulheres no contexto, começaram também a ser realizados estudos sobre a representação substantiva das mulheres, questionando se, e quando, a representação nos números conduz à representação real dos diferentes interesses. De facto, a investigação tem analisado se um aumento do número de mulheres eleitas através das quotas ou da Lei da Paridade tem levado a uma maior atenção aos "interesses" ou "preocupações das mulheres" no processo de decisão política".
A investigadora diz ser ainda cedo para tirar conclusões sobre a representação substantiva, mas refere um estudo que realizou recentemente, em conjunto com Ana Espírito-Santo, do ISCTE, centrado no PS a níveis europeu, nacional e local", análise que já permitiu verificar mudanças. "Efetivamente, em 2017, pessoas chave do PS admitiram ver mudanças de género ao nível da agenda política. Referiram, por exemplo, que as mulheres têm levado outras preocupações para a agenda política, como é o caso de algumas das causas ditas "fraturantes" como a despenalização do aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a possibilidade de adoção, ou a procriação medicamente assistida (PMA). Causas que, como foi referido por alguns homens, sem a coragem de algumas mulheres, nunca teriam chegado ao Parlamento."
No entanto, salienta, "o facto de ainda ser precisa uma lei que obrigue os partidos políticos a integrar mulheres nas listas de candidaturas a deputados/as mostra bem a existência das fortes resistências à mudança que a Lei da Paridade obrigou no mundo da política, que, apesar de tudo, continua marcadamente masculino. Ser mulher continua a ser uma desvantagem no contexto político, em particular quando se trata do acesso às lideranças políticas. Quanto mais para cima na hierarquia, mais difícil é para as mulheres."
Para Elza Pais, "a presença das mulheres, independentemente de participarem em todos os dossiers e participam, colocou na agenda as áreas mais relacionadas com a promoção da igualdade. Nós temos uma sub-comissão da igualdade onde participam muito poucos homens, é basicamente constituída por mulheres, que tem feito avançar muitas matérias relacionadas com a igualdade e a não discriminação". Quais? A antiga secretária de Estado identifica o que considera serem "avanços significativos". "Desde logo, por exemplo, as leis da paridade, o reforço do quadro legislativo para prevenir o assédio no trabalho, a regulação das responsabilidades parentais em situação de violência doméstica..." E sem as mulheres seria diferente? "As questões da igualdade e não discriminação não são temas apenas de mulheres, mas o impulso para que estejam muito na agenda política, eu associo muito a uma maior presença das mulheres na política", explica.
"A verdade é que existem muitas matérias, que têm sido objeto de maior atenção e que até são tratadas, por exemplo, na sub-comissão da igualdade, que tiveram sempre uma participação especial de mulheres... que deveriam ser uma prioridade de mulheres", admite Alma Rivera. A deputada comunista sublinha a despenalização do aborto que "é, se calhar, aquela [lei] em que as mulheres tiveram um papel absolutamente fundamental". Consequência de haver mais deputadas? Alma Rivera, aqui, torna abrangente a resposta e elenca medidas que de "forma direta e indireta" ultrapassam as "desigualdades" existentes. "Às vezes, há matérias que não sendo diretamente relacionadas com as mulheres, não tem mulheres no título, têm um grande alcance e que pesam muito sobre as mulheres. Se falarmos de cuidados informais, de salários, até mesmo matérias relacionadas com áreas da saúde, como trabalhadores da área da saúde, que são na esmagadora maioria mulheres, conseguindo melhores condições estamos a elevar as condições de vida das mulheres."
Margarida Balseiro Lopes diz não conseguir "ser taxativa, mas acho que há um contributo inestimável, por exemplo, na recente aprovação do luto de 20 dias pela perda de um filho. Lá está, tem a ver com as diferenças entre homens e mulheres. Eu não tenho dúvida nenhuma que as mulheres trazem aqui um contributo importante". E também, aponta, "um conjunto de medidas de conciliação entre a vida pessoal, profissional e familiar, sobretudo da dificuldade que as mulheres têm em compatibilizar e na sobrecarga de trabalho que têm". O objetivo é o de que "exista uma assunção equilibrada entre pais e de mães, mas é impensável fazer um pacote de medidas nestas áreas sem ouvir as mães... e, portanto, há um conjunto de diplomas que caminham no sentido certo".
Elza Pais não tem dúvidas: "Somos uma sociedade paritária, 52% até são mulheres, não faz sentido que sendo as mulheres altamente qualificadas, 60% dos licenciados são mulheres, 60% dos doutorados são mulheres, não haja o equivalente nos órgãos de representação política. Enquanto não atingirmos a proporção absoluta de 50/50 e a alternância de género nos dois primeiros lugares nas listas, a justiça ainda está por cumprir."
A atual deputada está certa de que o seu partido irá propor essa alteração. "Não vou ser deputada, mas vou participar muito nas discussões e vou levar propostas ao meu grupo parlamentar para que os deputados façam seguir novos avanços nesta matéria... eles vão propor." Mudanças que diz serem importantes como a "alternância de género" que "vai marcar a posição dos homens e das mulheres nas listas, introduz logo ali nos dois primeiros lugares uma marca de paridade absoluta".
A investigadora Maria Helena Santos defende que esta alteração deve ser colocada na lei. "A paridade 50/50 e a alternância de género nos dois primeiros lugares nas listas seria, sem dúvida, uma excelente forma de combater a situação prevalecente, em que a primeira mulher aparece sistematicamente em 3.º lugar, ou não aparece de todo nos casos dos círculos que só elegem dois deputados".
Alma Rivera diz que "as quotas não fazem sentido" e que não a descansa "minimamente haver uma paridade de representação parlamentar, se depois na vida não existe paridade nenhuma". "A questão", justifica, "não é o objetivo da lei que é justo e básico. A questão é: porque é que uma coisa que é tão justa e é tão básica, haver uma representação equilibrada de homens de mulheres, é objeto de uma lei? " E não é, defende a deputada, um parlamento com mais mulheres que resolve o problema. "Se as mulheres do PSD estivessem todas dentro do parlamento, ficávamos melhor? Não. É preciso ver que mulheres e que interesses representam", explica.
Margarida Balseiro Lopes gostaria que "daqui a uns anos não precisássemos de Lei da Paridade, que a sociedade estivesse equilibrada, e que as coisas fossem naturais. Mas ainda nos falta bastante para lá chegar. E, portanto, enquanto assim for a lei faz todo o sentido. A lei da paridade é uma distorção, mas que só existe porque as coisas pela sua ordem natural não foram resolvidas".
Helena Roseta não tem dúvidas de que são precisas alterações porque continuar a "ter uma minoria sistemática de mulheres quando elas são a maioria, isto não é normal, não é razoável. Isto confirma que são necessários avanços legislativos. Paridade é igualdade de oportunidades, possibilidades de fazer as coisas".
E questiona: "Se o mundo está a mudar, porque é que a política há de continuar a ser, como dizia a Simone Veil [a primeira mulher a presidir ao Parlamento Europeu], o clube privado deles?"
DestaquedestaqueForam precisos trinta anos e uma lei para que os partidos integrassem mulheres nas listas em lugares elegíveis. Para superar o número das eleitas deputadas em 1975 foi preciso esperar vinte anos.
O que parecia um bom sinal, olhando ao passado e porque, afinal, até eram as primeiras eleições democráticas [abril de 1975], não passou disso mesmo: um bom sinal. Foram eleitas 21 mulheres (8%) nas eleições para a Assembleia Constituinte, mas esse número só seria ultrapassado vinte anos mais tarde, a 1 de outubro de 1995. Nas eleições seguintes às de 1975 - as legislativas de 1976, também a 25 de abril - a presença de mulheres deputadas (5,7%) caiu para 15 eleitas.
Madeira e Açores, nas primeiras eleições regionais, em 1976, elegeram percentualmente mais mulheres para as respetivas assembleias legislativas do que as eleitas no continente: 11,6% nos Açores, 9,8% na Madeira. Ana Luís, em 2012, torna-se na primeira mulher a ser presidente da assembleia açoriana. Na Madeira nunca aconteceu.
Na Assembleia da República, a primeira subida substancial acontece nas eleições de 1999 [o número de deputadas passa de 28 para 40]; a subida seguinte acontece dez anos depois, em 2009 [o número de deputadas passa de 49 para 63]; em 2015 há um novo salto, que é de resto o maior de todos [o número de deputadas passa de 61 para 76]; e por fim, em 2019, são eleitas 89 mulheres - o que representa 38,7% da representação parlamentar, quase perto dos 40% de limiar mínimo exigido nas listas.
Foram precisos 44 anos, e a imposição de quotas [a lei da paridade] para que, para além das 21 iniciais, mais 68 mulheres fossem eleitas deputadas.
Ana Catarina Mendes e Maria de Belém - interina em 2011 (PS) -, Maria José Nogueira Pinto e Cecília Meireles (CDS), Manuela Ferreira Leite (PSD), Heloísa Apolónia e Isabel de Castro (PEV), Inês Sousa Real e Bebiana Cunha (PAN) constituem o reduzido grupo de mulheres que chefiaram a bancada parlamentar dos seus partidos - Ana Catarina Mendes e Bebiana Cunha ainda o fazem.
Assunção Esteves foi a primeira mulher, e única até agora, a presidir à Assembleia da República. Sophia de Mello Breyner foi a primeira a ser presidente de uma comissão parlamentar.
Nos governos, excluindo os provisórios, foi preciso esperar três anos para que uma mulher entrasse pela primeira vez. A novidade no V governo nunca mais se repetiu: Maria de Lurdes Pintasilgo assume o cargo de primeira-ministra entre 1979 e 1980, mas era a única - não havia mais nenhuma mulher como ministra.
No governo liderado por Mário Soares, o I governo constitucional, havia somente duas mulheres: Manuela Silva, secretária de estado do Planeamento e Manuela Morgado, secretária de Estado do Tesouro e das Finanças. E tal como no parlamento [de 1975 para 1976], no governo seguinte, em 1978, o número de mulheres diminui: de duas passou a zero.
DestaquedestaqueAté às eleições de 1995, a percentagem de mulheres eleitas manteve-se sempre abaixo dos dois dígitos. As 28 eleitas nessas legislativas representaram 12,2% dos deputados. Agora são 38,7%.
Lourdes Belchior e Maria de Lourdes Pintasilgo ficam para a história como as primeiras secretárias de Estado [I governo provisório]; Lurdes Pintasilgo é a primeira mulher a assumir um ministério [Assuntos Sociais, durante o II e III governo provisório. Foi, aliás, a única ministra nos seis governos provisórios ]; antes do 25 de Abril, Maria Teresa Lobo torna-se na primeira mulher membro de um governo: foi "subsecretário de estado da saúde e assistência" entre 1970 e 1973, no primeiro executivo de Marcello Caetano. O ministério era liderado por Baltazar Rebelo de Sousa, pai de Marcelo Rebelo de Sousa.
Só no primeiro governo de Cavaco Silva, em 1985, uma década depois, surge a segunda mulher ministra, a primeira de um governo constitucional. Leonor Beleza é escolhida para ministra da Saúde. No último governo de Cavaco [1991-1995] há duas mulheres: Manuela Ferreira Leite [que em 2008 se tornaria na primeira, e até agora única, mulher a liderar o PSD] e Teresa Patrício Gouveia, mas nenhuma delas foi primeira escolha. Manuela Ferreira Leite entra em 1993 para ministra da Educação - após as quedas de Diamantino Durão e Couto dos Santos -; Teresa Patrício Gouveia vai para ministra do Ambiente, em 1993, depois da demissão de Carlos Borrego. Com Durão Barroso, anos depois, as duas assumiriam pastas "masculinas": Finanças e Negócios Estrangeiros.
Nos governos seguintes - os dois de Guterres, o de Durão Barroso, o de Santana Lopes, o primeiro de Sócrates - até 2009, o número de ministras oscila entre três a quatro. A barreira só é quebrada no segundo governo de Sócrates [cinco ministras] regressando ao habitual com os executivos de Pedro Passos Coelho. Uma das ministras dos governos de Passos e Portas, Assunção Cristas, tornar-se-ia, em 2016, na primeira mulher a liderar o CDS e também a primeira a ser mãe [foi em 2013] enquanto era ministra. É também nesse ano, em 2016, que Catarina Martins assume a coordenação formal do BE, embora já o fizesse desde 2014, como porta-voz, após João Semedo ter abandonado a liderança bicéfala do partido.
A grande mudança acontece com António Costa, em 2015, com seis ministras - Maria Manuel Leitão Marques que seria substituída por Mariana Vieira da Silva, Constança Urbano de Sousa, Francisca Van Dunem, Graça Fonseca que entra no último ano, Marta Temido e Ana Paula Vitorino -, e em 2019 quando são nomeadas Mariana Vieira da Silva, Francisca Van Dunem, Alexandra Leitão, Graça Fonseca, Ana Mendes Godinho, Marta Temido, Ana Abrunhosa e Maria do Céu Antunes: oito mulheres num governo com 19 ministérios.
O aumento de mulheres nos governos [somando ministras e secretárias de estado] só acontece a partir dos executivos de José Sócrates [18,5% em 2009 e 16,7% em 2011], mas é nos governos de António Costa que a subida é significativa [35,6% em 2015 e 37.1% em 2019]. Até lá, a subida foi lenta e gradual passando dos 1,9% de 1975 aos 11,3% de 2005.
Desde 1975 até hoje só 37 mulheres foram ministras. Só uma foi primeira-ministra: Maria de Lurdes Pintasilgo. E só uma foi número dois de um governo: Manuela Ferreira Leite, no governo de Durão Barroso, a par com Paulo Portas.
Em marco de 1999, a proposta do governo "de maior igualdade" caiu logo na votação na generalidade. Só votaram a favor os deputados do PS e Manuela Aguiar do PSD. Todos os outros rejeitaram a proposta de impedir que as listas à Assembleia da República e ao Parlamento Europeu, o poder regional e local ficariam para mais tarde, tivessem mais de 75% de candidatos efetivos do mesmo sexo (leia-se homens) nas primeiras eleições onde seria aplicada a lei e mais de 66,7% nas seguintes.
Dois anos depois, em abril de 2001, é aprovada, com os votos do PS e do BE, uma lei da paridade, proposta de lei do governo que "estabelece que as listas para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as autarquias locais são compostas de modo a assegurar a representação mínima de 33% de cada um dos sexos". As listas, era o previsto, "não poderiam conter, sucessivamente, mais de dois candidatos do mesmo sexo colocados, consecutivamente, na ordenação da lista, sob pena de rejeição da mesma".
O que parecia ir acontecer, não acontece. Na noite de 16 de dezembro de 2001 tudo muda. A derrota eleitoral nas autárquicas [PSD conquista 142 câmaras contra 113 do PS] , depois de duas remodelações no governo em quatro meses, a saída de Jorge Coelho após a queda da ponte de Entre-os-Rios, leva António Guterres a tomar a decisão de se demitir, contra a vontade do seu núcleo mais próximo de dirigentes do PS, e a telefonar a Jorge Sampaio. Na comunicação ao país fica célebre a explicação: evitar que Portugal "caia num pântano político".
Com a dissolução da Assembleia da República, a lei caduca. Volta tudo à estaca zero.
Em 2003, socialistas e bloquistas voltam à carga, mas os projetos, em tudo semelhantes aos de 2001, não são sequer discutidos. Durão Barroso tinha abandonado o governo para ir para a Comissão Europeia; Santana Lopes tomaria posse como primeiro-ministro, mas cairia quatro meses depois. Jorge Sampaio dissolve o parlamento e convoca eleições. "Fartei-me do Santana como primeiro-ministro, estava a deixar o país à deriva", diria mais tarde na sua biografia política, da autoria de José Pedro Castanheira.
A dissolução da Assembleia da República, por coincidência novamente em dezembro, adia mais uma vez a paridade imposta por lei.
Na legislatura seguinte, no governo de José Sócrates, o BE apresenta três projetos de lei de alteração das leis eleitorais para a Assembleia da República, para os órgãos das Autarquias Locais e para o Parlamento Europeu, introduzindo o requisito da paridade. O PS, no seu projeto, insiste "na representação mínima de 33%" de cada um dos sexos. Tudo é debatido e aprovado, só que é vetado por Cavaco Silva.
O então Presidente da República não aceita que se possam rejeitar listas de candidaturas que não cumpram a lei. Cavaco Silva alega que se está perante um regime sancionador "excessivo e desproporcionado."
De regresso ao parlamento, o texto é reapreciado e votado com alterações. A lei é aprovada a 6 de julho de 2006 [mantêm-se os votos contra de PSD, PEV, PCP e CDS]e entra em vigor a 21 de agosto. O castigo pelo incumprimento fica reduzido a uma redução das subvenções públicas para as campanhas eleitorais.
Em 2017, há alterações: é revogada a exceção sobre freguesias com 750 ou menos eleitores e aos municípios com 7500 ou menos eleitores.
Em 2019, após discussões em comissão parlamentar que eliminam a ideia de alternância de género nos dois primeiros lugares das listas, entre outras propostas, é aprovado a subida do limiar representação de cada sexo para os 40%, determinando que não podem ser colocados mais de dois candidatos do mesmo sexo, consecutivamente, na ordenação da lista.
E o que Cavaco Silva vetou é retomado: a rejeição da lista que não cumpra o critério da paridade. Fica também na nova versão que "em caso de substituição de titular de mandato eletivo, o mandato é conferido a um candidato do mesmo sexo da respetiva lista." Está na lei, mas a exigência, sem sanção, raramente tem sido aplicada.