Magistrados jubilados podem regressar, desde que não ganhem mais

Juízes que queiram voltar a trabalhar não recebem por isso. Médicos reformados acumulam a pensão com ordenado
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Os magistrados judiciais e do Ministério Público já jubilados que pretendam voltar ao serviço nos tribunais podem fazê-lo, mas desde que isso não implique uma despesa extra para o Estado. A medida está prevista no Orçamento do Estado, mas não está a suscitar um grande entusiasmo por parte das maguistraturas, já que não são dados aos juízes e aos procuradores nenhum incentivo, ao contrário, por exemplo, do que acontece com os médicos reformados.

"É caricato, mais um exemplo de como as coisas nos tribunais têm sido aguentadas apenas e só com a boa vontade dos magistrados", disse ao DN Manuela Paupério, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), considerando que os magistrados judiciais e do Ministério Público já jubilados até poderiam receber um incentivo para regressar ao trabalho nos tribunais, tal como os médicos. "Como princípio, é de facto uma forma de tratamento diferente, porque no caso dos magistrados a norma do Orçamento apenas diz que podem voltar a trabalhar, como se precisassem de uma autorização para o fazer", comentou, por sua, António Ventinhas, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), acrescentando que "os magistrados até poderiam ter um incentivo para regressarem ao trabalho temporariamente".

Os magistrados jubilados - que podem ser juízes desembargadores e conselheiros e procuradores da República e procuradores-gerais adjuntos - poderiam, por exemplo, dar apoio aos seus colegas nos tribunais superiores nos recursos. Nesta situação encontra-se um procurador-geral adjunto no Tribunal da Relação do Porto já jubilado. Nos últimos anos, segundo o DN apurou, alguns juízes conselheiros do Supremo mantiveram-se em funções já depois da jubilação.

Só que para um problema semelhante, o executivo optou por duas soluções: segundo o Orçamento do Estado para 2017, os médicos reformados podem receber 75% da remuneração auferida antes da reforma. Os magistrados, por sua vez, até podem voltar aos tribunais, desde que isso "não importe qualquer alteração do regime remuneratório atribuído por força da jubilação", refere o documento orientador das finanças públicas para este ano.

Nos últimos dias, o DN tentou esclarecer esta diferença de tratamento estabelecida no Orçamento do Estado. O Ministério da Justiça assume a discriminação, dizendo que "no caso dos médicos aposentados, o regime especial aplicado visa dar resposta imediata à escassez destes profissionais dos quais depende a prestação de cuidados de saúde à população". Quanto aos magistrados, "pese embora as limitações reconhecidas ao nível dos recursos humanos nos tribunais, o Governo entendeu não se adequar o recurso às mesmas medidas de exceção".

O gabinete da ministra Francisca Van Dunnen disse ao DN que o ministério prefere "retomar a regularidade no recrutamento de magistrados", recordando o anúncio já este mês de mais um curso de formação no Centro de Estudos Judiciários. E, em recente entrevista ao DN (ver edição de 8 de janeiro), a própria ministra admitiu diminuir o tempo de formação de um magistrado, que atualmente é de três anos.

Fonte judicial, porém, admitiu como possível que a diferença feita no Orçamento do Estado tenha a ver com o estatuto da jubilação dos magistrados. Isto é, um magistrado - juiz ou do Ministério Público - jubilado mantém como valor da reforma o último ordenado. O mesmo não sucede com um médico, cuja reforma é calculada tendo em conta a sua carreira contributiva.

Por isso, os valores pagos a ambas as profissões aquando das reformas diverge: um juiz conselheiro e um procurador-geral adjunto podem auferir uma pensão entre quatro a cinco mil euros. Já um médico no topo da carreira, "assistente graduado sénior" poderá levar para casa entre 3500 e um pouco mais de quatro mil euros.

"Há um tratamento diferente entre as profissões, é verdade, um juiz até podia receber algum incentivo para voltar a trabalhar, mas se quem trabalha não tem incentivos, dificilmente um jubilado terá", ironizou Manuela Paupério, dizendo que a reabertura dos tribunais "obrigou os juízes a deslocarem-se entre tribunais, nas suas viaturas, sem qualquer ajuda de custo".

O recurso a médicos reformados foi a forma encontrada pelo governo para tentar ultrapassar a falta de clínicos no Serviço Nacional de Saúde. Quando a medida foi conhecida através da divulgação do Orçamento do Estado para 2017, O Bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, declarou: "Temos um défice de 600 médicos no imediato, que poderá ser preenchido largamente pelo regresso de médicos reformados, que é uma medida transitória, de implementação temporal, porque neste momento há dois mil jovens a fazer formação de medicina geral e familiar. São suficientes para colmatar o défice existente e as reformas anuais", que até 2016, segundo números revelados pelo DN, atingiu os 1299 clínicos. Nos tribunais, assiste-se a um problema semelhante, sobretudo na magistratura do Ministério Público.

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