Chamam-se férias judiciais mas, diz o presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, Fernando Jorge, são mais "as férias dos processos do que propriamente dos tribunais". Entre 16 de julho e 31 de agosto, as diligências como audiências de julgamento estão suspensas, com apenas os processos urgentes a terem resposta imediata nos tribunais, além do que está definido por lei e que abrange os casos de violência doméstica, processos de família e menores e de insolvência. Para os principais agentes da justiça, este período de férias judiciais, definido na Lei da Organização do Sistema Judiciário, até pode acabar. Como aconteceu em muitos países europeus, onde a atividade dos tribunais decorre sem um período longo de férias judiciais e sem obrigar os magistrados e os funcionários a gozar férias nesse período como acontece em Portugal.."Verdadeiramente não são necessárias", responde a Associação Sindical de Juízes Portugueses, presidida pelo juiz Manuel Soares. "O modelo existe há muitos anos por razões históricas, que hoje não têm o mesmo sentido. Para os juízes, é quase indiferente", diz o responsável da estrutura representativa dos juízes. Os procuradores do MP admitem igualmente o fim deste período, embora compreendam a razão da sua existência. António Ventinhas, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), diz que se houvesse o número ideal de magistrados e funcionários poderia existir uma outra solução que dispensasse as férias judiciais. Mas entende que "numa lógica de produção" fazem sentido, "são aplicadas em muitos países", e são "uma forma de conseguir organizar o serviço". Os funcionários defendem que as férias judiciais "são dispensáveis e devia haver um regime de férias igual ao do setor público"..Na Europa há vários países onde não há férias judiciais, como é o caso da Alemanha ou da Holanda, com o sul da Europa a ser a região em que o sistema de férias judiciais mais é praticado (ver quadro no final do texto). Em Portugal, além deste período do verão, o calendário judicial contempla ainda paragens de uma semana no Natal e na Páscoa, o que também acontece na maioria dos países europeus..Nas férias judiciais, quem trabalha nos tribunais ou em serviços do MP e não esteja de férias assegura os atos urgentes e também pode recuperar parte do trabalho que ficou pendente. Um dos motivos que também servem de justificação a uma paragem, sobretudo em agosto, relaciona-se com o facto de arguidos, advogados e testemunhas estarem muitas vezes ausentes nesta época, o que poderia proporcionar muitas faltas a diligências marcadas..Se estiverem em gozo de férias, juízes, procuradores e funcionários têm de deixar os contactos e a localização ao tribunal ou ao serviço em que trabalham para serem contactados e chamados de urgência. .Cada vez mais trabalho.Quando se fala em férias judiciais pode haver a ideia errada de que os magistrados e funcionários estão de facto em férias em todo esse período e que nada se faz nos tribunais. "A ideia não corresponde à realidade. Cada vez há mais processos a correr durante as férias judiciais. São os casos de violência doméstica, insolvência, família e menores, os processos com detidos e, neste ano, há mais um com os processos do maior acompanhado", disse ao DN António Ventinhas. Além disso, as investigações não ficam suspensas, são emitidos mandados de busca e apreensão e validadas escutas telefónicas, que necessitam de um juiz para o efeito..Os juízes, através de Manuel Soares, dizem que "não se pode confundir férias judiciais, que correspondem à redução do serviço nos tribunais aos atos urgentes, com férias pessoais dos juízes". Cada juiz tem direito aos mesmos 22 dias de férias como qualquer pessoa que trabalha no Estado. Portanto, durante o próximo mês e meio, "os juízes que não estão escalonados para atos urgentes e que não estão de férias pessoais trabalham nos seus processos"..Sem audiências de julgamentos e outras diligências, os trabalhos são obviamente menores, mas para quem fica a trabalhar a carga mantém-se ou até aumenta. É necessário assegurar todo o serviço urgente e os processos sumários incluem-se nesse trabalho. "No Algarve, que conheço melhor, há um grande número de casos que surgem nos tribunais em agosto. Basta a GNR fazer uma operação STOP junto a uma discoteca que no dia seguinte estão 20 ou 30 pessoas para ser ouvidas. No verão há muitas detenções", afirma António Ventinhas, realçando que "quem assegura o funcionamento dos tribunais tem trabalho árduo"..Fernando Jorge, presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, concorda. "Naqueles tribunais em zonas com maiores concentrações turísticas - e hoje Portugal tem turistas por todo o lado - há muito mais conflitualidade a requerer a intervenção do tribunal. Torna-se penoso já que onde deviam estar 15 funcionários estão apenas oito habitualmente e, com as férias, ficam só três ou quatro. Mesmo com as audiências paradas, todo o trabalho cai sobre eles", diz..As operações policiais sobre os crimes violentos ou graves não param e quando há arguidos detidos têm de ser ouvidos por um juiz de instrução, serviço sempre assegurado, se necessário, por juiz de turno. "Acontece durante todo o ano mas ainda é mais frequente ver funcionários e magistrados a terem de ficar até altas horas da madrugada nos tribunais. E não há um tostão em horas extraordinárias, o funcionário ganha o mesmo", aponta Fernando Jorge..Obrigados a gozar férias neste período.No caso dos procuradores que trabalham nos inquéritos, fora dos tribunais, os processos nunca param e há procuradores que durante o verão têm de concluir acusações. O dirigente do SMMP dá o exemplo da Operação Marquês. "Houve procuradores do DCIAP que não têm tido férias devido aos processos que têm de concluir. Foi o caso da Operação Marquês e de outras que obrigaram a trabalho intenso durante as férias. Quando as acusações têm de estar concluídas em setembro/outubro isso obriga a um esforço dos magistrados", refere António Ventinhas..Para magistrados e funcionários, uma das razões apontadas para o fim das férias judiciais é a obrigatoriedade de gozarem as férias durante esse período. "Basta um dia de férias fora dos períodos definidos e têm de justificar para ter autorização", aponta António Ventinhas. Quem autoriza as férias são os presidentes ou administradores de comarca e os conselhos superiores. Por isso, os funcionários judiciais consideram que é dispensável a existência deste período de férias judiciais. "É penalizador, limitador. Há quem prefira ter férias em junho ou em setembro e não pode", diz Fernando Jorge. "Mais uma limitação que os outros cidadãos não têm", critica o juiz que preside à ASJP..Por isso, a associação dos juízes "vê o atual modelo de férias judiciais como uma opção política que lhe é indiferente. Aliás, no plano do interesse pessoal, noutro modelo os juízes poderiam ter férias pessoais em qualquer período do ano, como todas as pessoas"..A discussão sobre as férias judiciais teve um ponto quente em 2007. O governo de José Sócrates teve como medida emblemática na justiça a redução das férias judiciais. Foi um momento de confronto do então primeiro-ministro com os magistrados. Sócrates prometia acabar com os dois meses de férias que vigoravam na altura (15 de julho a 15 de setembro) e fornecer assim "um contributo decisivo para uma maior celeridade processual". Três anos depois, aconteceu uma alteração que alargou o período de suspensão dos processos, fixando no atual modelo entre 16 de julho e 31 de agosto..As diferenças na Europa.Na Europa, as férias judiciais foram abolidas em vários países, sobretudo no centro e no norte, onde os magistrados e funcionários podem marcar férias pessoais em qualquer altura do ano. Há países onde os tribunais definem quais os períodos de suspensão das audiências sem que haja um período oficial. Semelhante ao sistema português, o Tribunal de Justiça da União Europeia tem o mesmo período de férias judiciais - um mês e meio entre julho e agosto..Através da MEDEL, associação de magistrados europeus, presidida pelo juiz português Filipe César Marques, o DN recolheu um conjunto de exemplos de países e da forma como as férias dos tribunais e de quem lá trabalha são concretizadas..ESPANHA.Há férias judiciais em agosto, mês em que os processos urgentes prosseguem, tanto na área criminal como cível. Os magistrados têm 22 dias de férias e, apesar de agosto ser o mês recomendado para o seu gozo, podem marcar para outra altura do ano..ALEMANHA.Desde 1996 que não existem férias judiciais na Alemanha. Até esse ano, decorriam de 15 de julho a 15 de setembro. Atualmente, a nível criminal não há paragens, mas na prática os tribunais organizam-se de modo a que a maioria dos magistrados tenham férias no período de verão, com natural diminuição de diligências nesse período. Os magistrados têm direito a 30 dias de férias, em qualquer altura do ano..FRANÇA.São os tribunais que fixam o seu período de férias judiciais, com a maioria a concentrar-se nas datas entre 15 de julho e 26 de agosto e os processos urgentes a prosseguirem normalmente. Os juízes e os procuradores franceses têm direito a 45 dias de férias, que podem gozar em qualquer período do ano..BÉLGICA.A maioria dos tribunais tem um sistema próprio, com as audiências a serem suspensas durante seis semanas, em média. Existem as exceções para os casos considerados urgentes, como os que envolvem detidos e processos de família e menores..CHIPRE.Só na área cível é que existem férias judiciais, entre 9 de julho e 9 de setembro. Os processos criminais prosseguem no verão, embora os juízes possam marcar férias para esse período. De resto, no Chipre é a altura em que um magistrado pode sair do país sem obstáculos: no resto do ano, um juiz só pode ausentar-se do país com autorização excecional do presidente do Supremo Tribunal, mesmo que seja para participar numa conferência.ROMÉNIA.Os magistrados têm férias de 35 dias úteis, que são normalmente realizadas durante a paragem de verão - entre 1 de julho e 31 de agosto. Apesar de a lei não obrigar ao gozo de férias somente durante o verão, existe uma espécie de regra "não escrita" para o fazer..POLÓNIA.As férias judiciais não constam do calendário polaco, com os juízes de cada tribunal, tal como os procuradores, a organizarem-se para a marcação de férias. A nível criminal não há interrupções. Os magistrados têm 26 dias de férias, mas se tiverem dez anos de serviço ganham mais seis dias e se tiverem 15 anos passam a ter mais 15 dias de férias. Um juiz com 20 anos de carreira tem direito a 38 dias de férias..REPÚBLICA CHECA.Não existe um período de férias judiciais e os magistrados gozam cinco semanas de férias, com a aprovação de datas a pertencer aos dirigentes dos tribunais..BULGÁRIA.De 15 de julho a 15 de setembro, os tribunais entram em férias, com os casos urgentes a serem sempre atendidos com muitas semelhanças ao sistema português, já que inclui os processos de insolvências, violência doméstica e família e menores..SÉRVIA.As férias judiciais - que vigoravam de 15 de julho a 1 setembro - foram extintas em 2014. Os juízes têm direito a 30/35 dias de férias que podem gozar em qualquer altura do ano, mas sujeitas a aprovação pelo presidente do respetivo tribunal.