Em francês, remanie é uma das formas do presente do indicativo do verbo remodelar, mas é também um anagrama de "Arménie", isto é, Arménia. Uma coincidência que não passou despercebida nas redes sociais, visto ter sido neste país que o presidente francês, Emmanuel Macron, esteve nos últimos dias, para a cimeira da francofonia, pondo em pausa o projeto de remodelação governamental que era praticamente dado como certo na última terça-feira..Desacordos com o primeiro-ministro Édouard Philippe e até recusas de alguns dos escolhidos em ocupar cargos ministeriais estarão na origem do atraso na remodelação, segundo os jornais franceses. Mas uma coisa é certa, depois da saída de três ministros no espaço de pouco mais de um mês, entre os quais dois de peso, de escândalos como o caso Benalla e de protestos em defesa do modelo social e contra uma política que consideram favorecer os mais ricos, Macron precisa de uma mudança para tentar recuperar o controlo do mandato, menos de um ano e meio depois de ter chegado ao poder..O primeiro-ministro a sair foi Nicolas Hulot, que, graças aos programas de televisão, se tornou um dos grandes nomes da conservação da natureza em França. Era não só ministro da Transição Ecológica e Solidária mas também ministro de Estado, tendo saído no final de agosto com o argumento de que a ecologia não era uma prioridade do governo. Foi substituído pelo presidente da Assembleia Nacional, François de Rugy, a 4 de setembro..Na mesma data, a nadadora de origem romena Roxana Maracineanu substituiu a popular esgrimista Laura Flessel-Colovic como ministra dos Desportos. Esta alegou "motivos pessoais" para sair, mas a agência AFP disse que ela decidiu partir por causa de problemas fiscais - com uma empresa de direitos de imagem, através do qual teria alegadamente evitado pagar dezenas de milhares de euros em impostos..O último golpe para Macron foi a saída do ministro do Interior, Gérard Collomb - que tinha ficado também afetado pelo caso Benalla, que envolveu o antigo chefe de segurança do presidente apanhado a agredir manifestantes num protesto. Collomb alegou agora querer voltar à câmara de Lyon. O presidente ainda rejeitou o primeiro pedido de demissão, a 1 de outubro, mas o ministro insistiu no dia seguinte e até agora não foi nomeado um substituto. O primeiro-ministro Philippe assumiu interinamente a função, até à remodelação governamental..Um falso alarme.Os jornais franceses davam como certa que esta remodelação aconteceria na terça-feira, depois de o primeiro-ministro ter passado a manhã no Eliseu. Mas, surpresa das surpresas, Philippe saiu sem apresentar a demissão, como é habitual nestes casos para fazer cair o executivo, antes de o primeiro-ministro voltar a ser convidado a formar governo..Em causa pode estar o próprio formato da remodelação. Segundo um editorial do Nouvel Observateur, o primeiro-ministro não queria apresentar a demissão do seu governo, acreditando que isso o faria parecer culpado ou o responsabilizaria pela atual crise..Numa remodelação mais pequena, não será preciso a demissão de Philippe e não haverá um discurso de política geral, prévio a um voto de confiança no Parlamento. Assim, o primeiro-ministro não corre o risco de ver cair o seu apoio (teve 370 votos a favor e 67 contra após as eleições de julho de 2017, em 577 deputados). Algo que Macron também apoia, querendo reiterar que apesar das mudanças no governo não haverá uma alteração política no executivo..Os media franceses falam num desacordo entre ambos na escolha de nomes. Mas o Eliseu desmentiu qualquer "braço-de-ferro" com o primeiro-ministro, admitindo apenas "uma discussão" sobre os perfis mais adequados. Philippe propôs alguns nomes a Macron, que aceitou uns e recusou outros. "Decidiram evitar impor pessoas que um ou outro não querem e fazer as coisas com tempo", indicou o Eliseu..Segundo as fontes do site 20minutes.fr, o primeiro-ministro (vindo d'Os Republicanos) quer colocar no governo alguns dos seus próximos, mais à direita. "Acho que Macron não se opõe totalmente, mas quer manter um equilíbrio e não pode pôr no governo ou promover apenas personalidade de direita, também tem de se preocupar com a esquerda", indicou a fonte próxima de Macron..Recusas de candidatos.Outro problema, segundo a RTL, é que pelo menos cinco candidatos ao cargo de ministro do Interior, mas também da Cultura, já terão recusado entrar no governo. Uma das recusas veio de Mathieu Klein, ex-porta-voz de Manuel Valls nas primárias, que disse no Twitter querer continuar o seu trabalho ao nível da política local e anunciou que não fará parte do próximo governo..Aqui, terá um impacto o facto de Macron ser um "hiper-omni-presidente", como o apelida o Nouvel Observateur, que não muda o seu modo de governar, alegando que ele tem de perceber que não pode dirigir sozinho o país e tem de delegar um pouco do seu poder, nomeadamente em temas que não são chave. Mas também as falhas dentro do "universo macroniano", com um partido - o La République en Marche! (LREM) criado à volta da figura do presidente e sem bases suficientes. Em resumo, Macron tem pouca escolha entre os seus apoiantes mais leais.."As coisas avançam com calma", disse nesta sexta-feira Macron, esperando-se que a remodelação possa ser anunciada ainda este fim de semana ou até no começo da próxima semana. Uma mudança deste género "é importante", reiterou em Erevan, lembrando que o governo atual está a trabalhar. "Nenhum cargo está vago", afirmou..Quem sai e quem entra?.Segundo o Le Monde, há pelo menos três ministros e uma secretária de Estado que devem deixar o governo: Françoise Nyssen (Cultura), Jacques Mézard (Coesão do Território), Stéphane Travert (Agricultura e Alimentação) e Delphine Gény-Stéphann (secretária de Estado junto do ministro da Economia e Finanças). Além disso, é preciso ainda arranjar substituto para Collomb, no Interior..O Le Parisien revelou que o Eliseu enviou uma lista de sete nomes ao organismo responsável por verificar a situação fiscal dos potenciais novos ministros. Nessa lista estará Juliette Méadel, ex-porta-voz dos socialistas franceses, e o senador Didier Guillaume, ambos próximos do ex-primeiro-ministro Manuel Valls. Está também o deputado Franck Riester, ex-Republicanos e atual presidente do partido Agir, e Gabriel Attal, porta-voz parlamentar do LREM..Marc Fesneau, ex-secretário-geral do Movimento Democrático e atual presidente do grupo parlamentar do partido; Christophe Castaner, líder do LREM, ex-porta-voz do governo e atual secretário de Estado responsável pelas relações com o Parlamento; e Frédéric Péchenard, ex-diretor da polícia nacional são outros nomes na lista..Outros media falam dos nomes de Christope Béchu, presidente da câmara de Angers, François Molins, procurador de Paris, e Jean Castex, autarca de Prades..Fala-se ainda na hipótese de haver vários ministros que vão apenas mudar de pasta - uma possibilidade é Bruno Le Maire, ministro da Economia e das Finanças, ir para o Interior..Macron em queda.Um barómetro da Kantar TNS deu em outubro, e pela primeira vez desde o início do mandato, em junho de 2017, Philippe com mais popularidade do que Macron. Mesmo se ambos continuam no vermelho: o primeiro-ministro com 31% de pessoas que dizem confiar nele, face aos 30% do presidente. Quando chegou ao Eliseu, a popularidade de Macron chegava aos 57%..O único momento em que houve uma inversão da tendência negativa foi em novembro do ano passado, após a reforma da fiscalidade local. O caso Benalla voltou a puxar para baixo a popularidade de ambos.