"O mal está feito. Agora é preciso mudar de vida. Em Mação e em todo o interior", disse hoje ao DN o investigador Paulo Pimenta de Castro, presidente da Acréscimo (Associação de Promoção ao Investimento Florestal), co-autor do livro "Portugal em chamas", publicado depois dos fogos de 2017, em parceria com João Camargo..O silvicultor que mais tem denunciado os malefícios da monocultura do eucalipto em Portugal acredita que é possível evitar que o interior continue a arder ciclicamente, mas "para isso é preciso intervir rapidamente na floresta, é preciso que o Governo se convença que tem de gastar alguns milhares de milhões de euros". Pimenta de Castro tem passado os últimos dias nas diversas televisões do país a explicar como é que o eucalipto se tornou na espécie dominante por todo o país, suplantando já espécies como o pinheiro bravo e o sobreiro.."O que temos de fazer agora é convencer a autarquia de Mação - e outras - a mudar de vida, através de um modelo de adaptação ecológica das diferentes espécies. Mas para isso é preciso levar os técnicos para o terreno", disse esta terça-feira ao DN, numa altura em que parece dominado o incêndio que deflagrou no sábado à noite em Vila de Rei, e se estendeu rapidamente aos concelhos da Sertã e Mação. O presidente da Acréscimo pensa reunir nos próximos tempos um grupo de trabalho ligado à arquitetura paisagística, no Instituto Superior de Agronomia, e desenvolver um modelo que possa ser adaptado a vários territórios nacionais, com soluções específicas para cada um". Depois é preciso avançar para essa fase, que requer investimento municipal e nacional.."É uma questão de perceber o que queremos: se continuamos a ter esta produção lenhosa intensiva e extensiva, ou se avançamos para outra modalidade agro-florestal", sublinha o engenheiro silvicultor, advertindo que, se não quebrarmos aqui esta corrente de fogo que deflagra ciclicamente no interior do país, dentro de pouco tempo "isto será um deserto sub-tropical". Quer dizer com isto que, dentro de poucos anos, quando desaparecerem os habitantes idosos que ainda se mantêm nas casas, o interior não terá condições de atrair moradores. De resto, Pimenta de Castro lembra que até os habitantes estrangeiros que vieram povoar muitas das aldeias desabitadas vão começar progressivamente a abandonar esses territórios. "Ou são apanhados pelo fogo ou começam a fugir dele, antecipadamente"..Quando o eucalipto substituiu o pinheiro bravo.Quando no sábado à noite soube do incêndio em Vila de Rei e Mação, o silvicultor antecipou que o pior estaria por vir, que o cenário de terra queimada e devastação acabaria por repetir-se. Ele que tem com Mação uma ligação especial, pois que morou no Sardoal, foi professor no extinto curso de agricultura na escola profissional, em Mouriscas, e que quando chegou ao território, em 1991, "mal tinha acabado de fazer a mudança já andava de mangueira na mão, a apagar fogo. Foi a minha estreia", conta ao DN. Mais tarde, haveria de viver com intensidade o primeiro grande fogo de Mação, em 1995, quando o pinheiro bravo ainda era a espécie predominante..Foi depois desse grande incêndio - que consumiu a maior parte da floresta - que os proprietários trocaram a espécie pelo eucalipto: crescimento mais rápido e por isso mais rentável, sem necessitar de grandes cuidados. De modo que, quando voltou a arder com intensidade em 2003, já era mais eucaliptal que pinhal.."Os proprietários resolveram um problema criando outro", recorda Pimenta de Castro, que em 2015 andou pelo território com o vereador António Louro, atual vice-presidente da Câmara. Foi quando percebeu que "Mação tinha aquilo que a maioria não tem: o cadastro feito". Não apenas da floresta como da população que supostamente toma conta dela, mas cujo retrato é revelador do abandono - 80% está fora do concelho, volta apenas ao fim de semana ou em férias, e dos 20% que restam pelo menos dois terços tem mais de 65 anos..Mas além desse cadastro, o concelho de Mação é, ironicamente, um dos que são considerados exemplo na prevenção de fogos: estradões que permitem o acesso e combate e limpeza das matas, mesmo antes de serem decretadas por lei. Ao final do dia de hoje as estimativas apontavam para 95% de território queimado. Dos 40 mil hectares de floresta restam cerca de dois mil, nesta altura..O país recordista em reacendimentos.Na tarde desta terça-feira, quarto dia do incêndio, o fogo estava dado como dominado mas não extinto. O IPMA continuava a registar temperaturas muito altas, entre os 37 e os 40 graus, naquela zona do distrito de Castelo Branco. Mais de 1000 bombeiros continuavam no terreno, apoiados por mais de 300 viaturas e oito meios aéreos, que atuavam sobretudo na prevenção de reacendimentos. E esse foi, de resto, o maior problema desde domingo..Também a este propósito, Pimenta de Castro lembra que "somos o país recordista", pois que além da área ardida, é o que nos distingue do resto da europa, nomeadamente da vizinha Espanha..No incêndio de 2017, que se seguiu a Pedrógão Grande, Mação viu arder cerca de 27 mil hectares. Desta vez, contabilizam-se mais de seis mil, até ao momento.."Não há nenhum concelho que se possa comparar. Naquilo que ardeu em 2017 em Mação cabem três vezes o concelho de Pedrógão Grande e mais do que ardeu em Monchique, Portimão e Silves, tudo junto, no incêndio de 2018", disse esta manhã o vice-presidente António Louro, em declarações à TSF. E sublinhava aquilo que já ontem o presidente da Câmara, Vasco Estrela, dissera ao DN: nenhum sistema municipal de proteção civil tem "qualquer capacidade para responder a frentes de fogo, vindas de outros concelhos, com três a quatro quilómetros"..De resto, ambos os autarcas estão convencidos da mesma ideia defendida por Pimenta de Castro: mais do que apostar nos meios de combate ao fogo, é preciso "mudar a paisagem e apostar o regresso da agricultura", no que era o retrato do país rural, em que os agricultores zelavam pelos campos, roçavam mato nos pinhais e ainda mantinham o equilíbrio com a pastorícia.