A existência do Conselho da Revolução entre 1975 e 1982 é um dos episódios da Revolução dos Cravos que tem sido marginalizada na produção de livros de investigação histórica desde que os profissionais da área se dedicaram a explorar o universo de Portugal pós-25 de Abril. A medo, têm saído vários ensaios sobre alguns dos momentos protagonizados pelos capitães de Abril, mesmo que poucas sejam as suas biografias imparciais e que acrescentem o devido ao escrutínio político, bem como radiografias dos acontecimentos que não sejam breves relatos em vez da dimensão que merecem. E a desculpa de que se estava demasiado perto dos factos só serve para justifica a ausência de interesse em recolher no devido tempo testemunhos que a morte irá proibir..Os autores de Conselho da Revolução 1975-1982 - Uma Biografia deram-se conta de muitas dificuldades, mas nem David Castaño nem Maria Inácia Rezola se furtaram às surpresas do que poderia ser uma investigação mais ou menos rápida a troco do encontro com um manancial de documentação que lhes demorou o trabalho a que se tinham proposto. Ou seja, retratar a Revolução de Abril não é para qualquer bem-intencionado, nem falta a este propósito muita e suficiente matéria-prima para se dar início ao seu esclarecimento..Logo na Introdução, os atores revelam a dimensão do que investigaram: "Tornou-se necessário revisitar algumas das fontes primárias anteriormente consultadas" e o que daí resultou foi "a consulta do vasto Arquivo do Conselho da Revolução depositado na Torre do Tombo num total de 400 caixas". Entre "a correspondência recebida e emitida; os "assuntos tratados nas reuniões", as "Resoluções" e "Comunicados" e outros relatórios, nasceu a necessidade de "proceder a uma atualização bibliográfica", designadamente de testemunhos e fontes, de que resultou a exigência de "racionalizar" esta biografia e a tomar "opções metodológicas" que dessem coerência ao trabalho..A narrativa desta instituição de cariz militar criado para controlar a Revolução e o papel dos militares, bem como sobre a ação da sociedade civil e dos governos da época, necessitou de uma compreensão de fenómenos mais amplos, como apontam os autores: "a luta pelo poder/pela condução do processo político" e da sua contextualização para que os atuais leitores compreendam a conjuntura daquela época..Em poucas palavras, Castaño e Rezola definem o Conselho da Revolução: "organismo político militar constituído na sequência do 11 de Março de 1975", cuja história "é incompreensível se não se tiver em conta o trajeto do Movimento das Forças Armadas (MFA)" e traduz a "institucionalização do poder dos capitães de Abril". A necessidade de criar esta instituição durante os meses mais quentes do pós-Revolução deve-se a ser precisa uma "vanguarda que seja o papel de motor da Revolução" num momento em que durante 1975 se fazem as primeiras eleições livres e nas quais a sociedade civil designa estruturas partidárias para a governarem que não têm o mesmo perfil que a deriva esquerdista pretende impor..Para os autores, a missão do Conselho da Revolução é "particularmente difícil" e incapaz de "impedir a divisão" do MFA, de que irá resultar a perda de "capacidade de direção num processo de grande complexidade e cujos contornos estão longe de ser pacíficos". Com o 25 de Novembro de 1975, o cenário altera-se e o "período áureo" de poucos meses do Conselho da Revolução desliza para a incompreensão que a instituição tenta manter num país que quer deixar para trás a importância dos militares na condução da vida nacional. Mesmo com o seu protagonismo impresso na Constituição, o Conselho da Revolução nunca mais terá o papel político anterior e a forma como é aceite ou recusado pela sociedade portuguesa irá conduzir a instituição ao pântano de onde só a sua extinção evitará o pior..Apesar de toda a informação recolhida e examinada, os autores consideram que os primeiros sete meses (março a novembro de 1975) será o período mais interessante e ao mesmo tempo difíceis de reconstituir. A explicação é simples: "a sua história confunde-se com a história política da Revolução". Acrescentam que o Conselho da Revolução tanto "funciona como uma válvula de escape e de segurança do processo em curso" como pretende ser o "gestor supremo dos conflitos que percorrem o país", além de querer ser o "palco privilegiado do debate político no seio das Forças Armadas". A principal intenção é fazer com que os militares não se integrem nos partidos e que resguardem o Programa do MFA na "obra de reconstrução nacional" de que desejam ser os guardiões..Entre os muitos capítulos interessantes está o subcapítulo o CR, o motor da revolução (p.70), que reflete sob a criação do Conselho na denominada "Assembleia Selvagem" realizada na própria noite do 11 de Março. Nessa reunião, surge a proposta de institucionalizar o MFA, e entre as várias figuras que a contestam pela rapidez está Varela Gomes por considerar que o assunto "já vinha preparado", mas Rosa Coutinho, Ramiro Correia e Vasco Lourenço, entre outros, anseiam pela "precipitação do processo". Daí advêm os seus múltiplos poderes, como o de exercer poderes legislativos e constituintes, sancionar diplomas dos governos, o exercício da liberdade de pensamento e outras áreas da sociedade, definição das linhas gerais da política económica, social e financeira... uma amplitude de poderes que entravaram e condicionaram por momentos muito dos desejos que as urnas expressavam..Ao ler-se a lista dos membros do Conselho da Revolução, quem tiver memória desse período e das décadas seguintes, entenderá o (des)valor que tais nomes representam: Costa Gomes, Vasco Gonçalves, Carlos Fabião, Rosa Coutinho, Otelo Saraiva de Carvalho, Canto e Castro, Pezarat Correia ou Vasco Lourenço; ficam de fora várias figuras, no total eram 25 elementos, que não vale a pena referir. De fora do Conselho ficam também várias outras figuras, como Melo Antunes, Vítor Crespo e Vítor Alves. O processo é rápido e a 17 de março já tomam posse, sendo que Vasco Gonçalves realça o facto de ser "um grupo restrito sob pena de reduzir a sua eficácia". Sobre esta fundação, Freitas do Amaral dirá que faz parte de um amplo processo de esquerdização ideológica dos órgãos de soberania. Com o andar das coisas, Mário Soares expressa a sua preocupação, referindo que a ala mais radical emergia "à luz do dia e dominava tudo, de mão dada com os partidos de esquerda, sobretudo com o PCP"..O Processo Revolucionário Em Curso está bem delineado nas páginas seguintes e compreendem-se todas as tentativas de manipulação do país pelo Conselho da Revolução, como é o caso do pacto MFA/Partidos, em seguida das divergências refletidas com o Documento dos Nove, bem como do papel radical e de repressão de uma emergente democracia partidária efetuado, por exemplo, pela 5ª Divisão e pelo COPCON. A conclusão, mais de quatrocentas páginas à frente explica a verdade: "O Conselho só foi verdadeiramente revolucionário durante um curto período da sua existência. Essencialmente, a partir do verão de 1976, o Conselho da Revolução passou não a garantir o avanço da revolução mas a manutenção do status quo"..Outra das conclusões de David Castaño e Maria Inácia Rezola é de que o Conselho de Revolução "acabou por desempenhar um papel relevante para o sucesso da transição democrática". Justificam essa opinião no antepenúltimo parágrafo da investigação (p.455), mas tais linhas serão as mais difíceis de compreender ou aceitar após uma explicação do processo político que tanto dividiu os portugueses livres do eterno consulado de Salazar..Em Presos Por Um Fio - Portugal e as FP-25 de Abril, o advogado Nuno Gonçalves Poças dedica-se a um tema amplamente propalado quase sempre por via de histórias simplificadas e próprias para excitar leitores, só que desta vez reúnem-se numa narrativa em mais de duzentas e cinquenta páginas, como documentos muito interessantes em anexo, dando uma história com princípio, meio e fim das famosas FP-25 de Abril. Começa com um facto: "Na madrugada de 20 de abril e 1980, várias cidades acordaram sobressaltadas com o rebentamento de dezenas de petardos. (...) Os portugueses tomavam, dessa forma, conhecimento da chegada ao campo da violência política armada das Forças Populares 25 de Abril." Segue-se a contabilidade: "a organização terrorista assassinou quase duas dezenas de pessoas, feriu dezenas de outras, destruiu propriedades, assaltou bancos e empresas de onde roubou milhões de escudos, e atentou contra o estado de direito e a democracia..." Em três palavras, conclui: "condicionou os portugueses"..O autor pretendia escrever um artigo sobre as FP-25, mas ao ver que a informação existia sem nunca ter sido tratada e relacionada de forma a dar uma visão global do que foi a organização, decidiu que só num livro caberia o aprofundamento do assunto. Revela que durante a sua investigação se confrontou com "uma ausência generalizada de memória", ou seja, "um desconhecimento inexplicável por parte de diversos quadrantes políticos, de várias gerações, origens e classes sociais". Em poucas palavras, considera, "já não identificam as razões do medo sentido naqueles anos"..Este é um livro que exige leitura apesar de o próprio autor acreditar que muitos queiram "passar uma esponja sobre as coisas más", no entanto garante que "só com a memória coletiva se aprende a respeitar as formas de escape que as comunidades encontraram para seguir em frente". Poças faz um enquadramento histórico de outras organizações focadas no terror, explica as diferenças entre os cabecilhas portugueses e os de grupos estrangeiros com o mesmo objetivo, retrata o terrorismo m Portugal, tudo numa exaustiva descrição das FP-25. Estranhamente, esta investigação traz à memória muitos nomes conhecidos e vivos, e quando chega a hora do balanço final, o autor faz questão de afirmar: "Dirigentes e operacionais das FP-25 são hoje, uns mais e outros menos, gente comum.".Aos olhos do presente, o que ambos os livros mostram bem são desvios flagrantes de um golpe militar transformado em Revolução pelo povo no mesmo dia em que os capitães saíram dos quartéis para derrubar Marcelo Caetano. Os ensaios de David Castaño e Maria Inácia Rezola e o de Nuno Gonçalves Poças contam duas histórias que têm sido postas de lado pelos que foram personagens nelas e que a atualidade mais faz parecer obra de ficcionistas do que o desejo de coortar a liberdade conquistada em Abril de 1974 - que ontem fez mais um ano. A ler, mesmo que custe regressar a certas derivas..David Castaño e Maria Inácia Rezola.Edições 70.473 páginas mais encarte fotográfico.Nuno Gonçalo Poças.Editora Casa das Letras.278 páginas mais apêndice documental.O editor que faz da morte a hipótese de viver momentos como os dos livros que publica.A biografia de Manuel da Silva Ramos inclui factos como o de ter nascido na Covilhã em 1947 e ainda antes de fazer vinte anos ter ido para Lisboa estudar Direito e ao mesmo tempo com o intuito de "fugir à pobreza" do interior. Dois anos depois vence o Prémio de Novelística Almeida Garrett sob o escrutínio de um júri com nomes bem importantes, como de Óscar Lopes e Eduardo Prado Coelho. Depois de um exílio político em França, o seu regresso permitiu-lhe continuar a escrita de ficção no seu país, esforço que agora está a aproximar-se das trinta obras. Ao Colo de Virgílio surpreende por ser, como diz o autor, uma "obra otimista" e na qual pretende escalpelizar algumas das características humanas, como a bondade e a dignidade, sendo esta análise fruto da morte da mulher do protagonista. É aí que entram os profissionais que adiantam a vida até ao seu limite e as duas qualidades que dão força à crença de Virgílio sobre a possibilidade de se encontrar a redenção através da prática dessa bondade e dignidade..Lisboa será o cenário onde se desenvolve parte da trama, também com viagens a lugares onde reencontra as memórias de quando era mais novo, sempre com a intenção de mostrar que o tempo da vida nunca é de menos se se lhe der a atenção necessária. Nem que um amigo de Algés se lamente de a mulher lhe ter levado tudo com a separação ou de se sensibilizar com um amor da juventude a quem lera o primeiro capítulo de A Montanha Mágica. A viagem é grande, com paragens inesperadas como se fossem momentos altos dos livros que o protagonista-editor tem publicado no exercício da sua profissão..Manuel da Silva Ramos.Editora Parsifal.169 páginas