"«- Já respondeste? - Sim, não viste?»" Filipa Alvarez estava mais ansiosa a fazer a consulta de psicoterapia via Skype que a sua paciente, uma menina de seis anos a quem pedia para explorar as emoções relacionadas com cada emoji que lhe ia enviando. A mãe da criança tinha estado com uma pessoa que, por sua vez, estivera na presença de alguém a quem o teste de coronavírus deu positivo. Psicóloga e especializada em psicoterapia para crianças, Filipa Alvarez vive em Londres e está confinada a casa, mas em isolamento voluntário, uma vez que o governo britânico já disse que não quer colocar as pessoas em isolamento..Depois de ter feito esta consulta virtual, Filipa escreveu dois posts no seu perfil de Facebook, um em inglês e outro em português, a voluntariar-se para dar consultas, por Skype ou Zoom, a adultos, crianças e adolescentes. "Fiz esta consulta via Skype com esta criança, que está de quarentena, e pensei: por que não fazer mais? As crianças estão familiarizadas com estas tecnologias, não estranham este tipo de abordagem", conta, agora por videochamada do Messenger. "Esta é uma situação tão nova que é geradora de ansiedade. Vai mexer com tudo, não só com a saúde. Tem que haver partilha." Paga quem puder e quiser pagar, diz. Para ela, esta foi também uma forma que encontrou de evitar maiores problemas financeiros por ter de ficar em casa e deixar de visitar as escolas onde trabalha com crianças e trauma..As consultas de psicologia podem ser bastante importantes numa situação completamente nova, e de grande alarme social. "Solidão, ansiedade e stress são algumas das consequências psicológicas da quarentena", explica a psicóloga Joana Pombo. "Um artigo publicado recentemente na revista Lancet, que circula entre os profissionais de saúde e agora também nas redes sociais, propõe uma meta-análise sobre o impacto psicológico e os efeitos nocivos da quarentena: stress pós-traumático, confusão e raiva.".Mas o que causa mais stress? "Os efeitos incluem a duração da quarentena - proporcional aos efeitos adversos -, medo de contágio (pelo contacto prévio com portadores), frustração, aborrecimento, perdas financeiras, receio de escassez (de mantimentos, de medicamentos) e estigmatização." No hospital "Muitos psicólogos estão a fazer consultas por Skype. No Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central/ Hospital Dona Estefânia vão ser feitas consultas telefónica e, em alguns casos, videochamadas..Joana Pombo dá o exemplo do comentário que, numa consulta recente, uma jovem de Portimão lhe fez acerca de uma adolescente internada com COVID-19. "Contou-me que os jovens dizem que a miúda levou a doença para o Algarve e que vai ser vítima de bullying. Talvez a previsão seja exagerada, mas não deixa de traduzir a possibilidade de uma reacção social negativa.".Ana Matos Pires, médica psiquiatra, diretora do Serviço de Psiquiatria da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, considera que "o tempo e o desconhecido jogam contra nós neste momento. Não saber quanto tempo de luta temos ainda pela frente e antecipar que a pandemia ainda não atingiu o seu máximo têm um efeito negativo e são um forte estímulo ansioso"..A Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) disponibilizou no seu website materiais da Organização Mundial de Saúde traduzidos para português que ajudam as pessoas a lidar com o stress e ansiedade. E, se refere que manter-se informado sobre a doença e ligar ao SNS24 caso haja sintomas, é fundamental, também aconselha a que esta atualização da informação deve ser limitada. "Limite a sua exposição a notícias que possam aumentar a sua ansiedade e preocupação", refere o folheto da OPP intitulado COVID-19 - Como Lidar Com uma Situação de Isolamento. As dicas incluem a escolha das fontes de informação "oficiais" (como os sites da DGS e OMS ou SNS24) e o método e calendário da consulta: "uma a duas vezes por dia.".O isolamento, e a rotina que salva.No caso da quarentena, há um outro risco psicológico: o isolamento. Os conselhos são para que se usem as tecnologias para encurtar o distanciamento físico e promover o contacto afetivo junto de familiares e amigos, através do recurso à videochamada. Crianças internadas, por exemplo, devem ter também este instrumento facilitado..A rotina em casa é essencial para que os níveis de ansiedade e depressão não aumentem. Devemos levantar-nos sempre à hora habitual, vestir-nos e fazer as refeições de forma regrada. As rotinas devem incluir exercício físico - alongamentos, dança ou yoga - e a prática de uma alimentação saudável: à base de legumes e verduras. Se houver tempo livre, e não teletrabalho, é ocupar o tempo a ler livros que nunca lemos, pôr em dia os filmes e séries na lista de espera ou acabar o puzzle de 1000 peças que está há meio ano para ser terminado. Pôr dotes culinários à prova pode ser também uma boa solução.."Uma situação de isolamento pode ser particularmente difícil para crianças pequenas. Podem sentir-se tristes, ansiosas, com medo, confusas com a alteração das rotinas diárias e com saudades dos amigos", refere também a Ordem dos Psicólogos. "Podem fazer mais "birras" e mostrar-se mais dependentes, irritáveis e terem dificuldade em adormecer. Aceite que existirão conflitos e "birras". Seja compreensivo e paciente perante estes comportamentos e tente resolvê-los rapidamente. Dê-lhes oportunidade para expressarem os seus sentimentos e receios. Explique-lhes o que se passa e tranquilize-as utilizando linguagem apropriada à idade.". Os idosos são considerados um dos grupos de risco e, por isso, a OPP recomenda que não se coíbam de falar com pessoas de quem gostam e em quem confiam, porque essa é uma das melhores formas de reduzir a ansiedade, a solidão ou o aborrecimento durante o período de isolamento. "Não tenha receio de tomar a iniciativa e use o telefone ou outros meios para permanecer em contacto com familiares e amigos", diz o folheto..O medo tem também uma função protetora, como explica a psiquiatra Ana Matos Pires. "É uma sensação que nos permite estar alerta para nos defendermos do perigo. Neste caso, ter medo - e tem-se tanto mais medo quanto maior a informação - permite, espero, que se consiga alterar comportamentos e lutar contra a progressão da infecção. Dito isto, o medo não nos pode paralisar nem desorganizar.".Como combater o medo.Nas redes sociais, depressa se encontraram modos de tornar virtual a atividade social, solidária e artística, para minorar as distâncias físicas e o isolamento. No sábado, foi organizado um movimento para as pessoas baterem palmas às 22 horas junto da janela, como forma de manifestarem o seu agradecimento aos profissionais da saúde que por estes dias se desdobram em esforços para responder à crise. No grupo Música à Janela Pela Nossa Saúde, no Facebook, todos os dias se elege uma canção para cantar à janela a médicos, enfermeiros e auxiliares que estejam de serviço em centros de saúde e hospitais. Cartas coladas nos interior dos prédios assinadas por pessoas a disponibilizarem-se para ajudar os vizinhos séniores, deixando o seu contacto, têm sido partilhadas no Facebook para inspirarem outros a fazê-lo..Há quem partilhe playlists de músicas feitas para combater a solidão, músicos a organizar concertos via live streaming, como foi o caso de Salvador Sobral. O site da filarmónica alemã Berliner Philharmoniker disponibiliza concertos gratuitios online. E há até discotecas a simularem uma pista de dança em directo, como foi o caso do Lux Frágil, que colocou os DJs Switchdance, Twofold e Hnrq a passar música em videoconferência entre as 23 horas de ontem e as 3 de hoje. Já a página O Poema Ensina a Cair - Ainda pediu a várias pessoas para gravarem um vídeo a ler um poema para partilhar ao longo do dia 21 de Março, Dia Mundial da Poesia. E o realizador Edgar Pêra disponibilizou os seus filmes no Youtube para visionamento gratuito.