Tem ido a Águas de Moura, em Palmela, onde fica a adega? Não, quem está a assumir toda a gestão da adega é a minha filha, a Joana. Devido a alguns problemas de saúde e à minha idade [67 anos], tenho estado com cuidados redobrados. Também porque achamos que não é bom que estejam duas pessoas da gestão no local de trabalho. A minha filha tem 34 anos, é mais resistente, e eu sou hipertensa..Significa que está afastada da gestão? Não, vou gerindo de casa, também estou em teletrabalho, a minha filha é que está lá a tempo inteiro, assim, vamo-nos salvaguardando um pouco. Estou muito ocupada a estabelecer contactos, saber como é que vão sair as novas linhas, contactar com o enólogo, com a minha filha, com os colaboradores, quero continuar presente. Tudo isto numa luta enorme para arranjar desinfetante, máscaras, para podermos ter os bens essenciais para proteger a saúde das pessoas..Tem tido falta dos materiais de proteção de que necessitam? Não, temos conseguido, mas é uma luta diária, além de terem aumentado os custos. Comecei a comprar a um preço e, agora, estou a comprar os mesmos produtos quatro vezes mais caros..O trabalho na vinha também não pode parar. Nunca. Acabou-se agora a fase da poda, começa todo o encaminhar das vinhas novas [poda verde] e já se iniciam alguns tratamentos de proteção, tratamentos fitossanitários contra o míldio e o oídio. As vinhas neste ano estão com desenvolvimento antecipado, devido às condições climatéricas. Houve humidade e calor, o que é bom para a vinha..Significa que as vindimas vão ser mais cedo? Não sabemos ainda, porque, às vezes, a natureza encarrega-se de harmonizar as coisas, mas talvez possa começar em agosto, aliás, como no ano passado..Quantos trabalhadores tem? Trabalhadores fixos são 68 e grande parte continua a ir trabalhar para a Casa Ermelinda, com desencontro de horários para que não se cruzam e tomando todas as medidas de segurança: a desinfeção, o uso de luvas e máscaras, mudar de roupa, manter a distância, refeições a horas diferentes, etc. Há dois grupos a trabalhar em cada setor, para que não se encontrem..Na agricultura é impossível o teletrabalho. É impossível na vinha, mas é possível na parte administrativa. Fechámos as vendas e as visitas, trabalhamos em circuito fechado e não entra ninguém. Toda a gente que pode fazer teletrabalho está em casa..Já estão a fazer contas às implicações do covid-19 no negócio? A primeira grande preocupação é a saúde, a nossa, dos nossos funcionários, dos nossos colaboradores, também dos nossos clientes. Queremos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para diminuir a propagação da doença, com a perfeita noção de que cada um tem de ser agente de si próprio. Depois, irei analisar a parte económica e social, mas agora só estou preocupada com a saúde. Vamos ter com certeza uma crise, mas, se a saúde estiver bem, vamos conseguir recuperar..Parece otimista. Sou sempre muito positiva, embora esteja muito preocupada com a gravidade da situação, mas se não tivermos mais problemas de saúde, e com a ajuda dos nossos colaboradores e consumidores, iremos recuperar.Como é que está a ser feita a gestão dos recursos humanos? Os colaboradores têm sido espetaculares, acataram todas as decisões. Há quem esteja em casa com os filhos, houve pessoas que tiraram férias, outras ficaram a trabalhar, temos estado a equilibrar as coisas. A Casa Ermelinda tem vindo sempre a crescer, está na altura de nos ocuparmos de quem nos tem ajudado, os funcionários e os consumidores, tudo faremos pela saúde dessas pessoas..O crescimento tem sido de que ordem? Temos crescido 8% a 10% ao ano..Com a atual situação, há encomendas que não consegue enviar? Há encomendas que não saem, pagamentos que não se fazem, mas o que não quero é que a gestão e os colaboradores desanimem. Cancelámos as comemorações dos 100 anos, em maio, cancelámos tudo, iremos festejar quando for oportuno..Exportam muito para o estrangeiro, nomeadamente para a China. O nosso principal mercado ainda é Portugal, 60% das nossas vendas são para o mercado interno, é muito importante e há de continuar a ser. Estamos em 33 países, exportamos para China, Macau, Colômbia, México, mas o segundo maior grupo de compradores é a Europa, também vendemos muito para o Brasil e os Estados Unidos. Neste momento, estávamos com um grande arranque para Inglaterra, vamos ver se saem algumas encomendas, ainda não sabemos se o conseguiremos. Vamos vivendo à medida do que for possível, economicamente também..Vai ficar tudo como dantes? Penso que não, esta crise vai trazer forçosamente mudanças a todos, mas vem confirmar o que sempre defendi e senti. Temos de ser humildes, mesmo quando está tudo bem, pensar que alguma coisa de mal pode acontecer. Não pensava que fosse através de um vírus, mas tenho sempre a perspetiva de que alguma coisa de mal poderá acontecer, temos de ser muito humildes e ter respeito uns pelos outros, porque as coisas não acontecem só aos outros..É essa atitude que faz parte da essência da família Freitas? Sempre se pensou assim na família. Sou de famílias muito humildes, de muito trabalho, e sempre me passaram o sentimento de respeito e gratidão por quem nos ajuda. É o que também tento passar aos meus filhos. É verdade que as coisas têm corrido bem à Casa da Ermelinda, mas sempre houve o sentimento de que algo pode não correr bem e, agora, isto veio confirmá-lo. Sentimos que não vale a pena fazer muita coisa, que somos todos iguais, apenas temos papéis diferentes a desempenhar..Conseguiu passar a mensagem à sua filha Joana? Às vezes, os pais podem pensar que as mensagens não passam, mas as coisas ficam lá, julgo que a mensagem passou para a minha filha e para o meu filho. Estou extremamente grata, tinha medo de não conseguir passar as mensagens que a minha mãe me passou e estou contente por eles as terem assumido. Os dois trabalham comigo, ela está na gestão - a proteger-me e a fazer um belíssimo trabalho -, e ele na parte informática..O vinho pode ser armazenado, não será um dos setores que mais irá sofrer com esta crise sanitária. O vinho não é dos produtos piores, o problema é o dinheiro. Para o empresário, quando chega uma coisa destas, abana toda a estrutura. Falo na Casa Ermelinda Freitas, que tem crescido do vinho e para o vinho, investimos as receitas no vinho. São investimentos enormes, como todos os empresários da área fazem, mas quem tem vinhas também aprendeu a viver com as condições adversas, com as condições climatéricas, e todos nós precisamos do dinheiro do dia-a-dia, do negócio..Haverá necessidade de redirecionar as vendas? Este é um problema mundial, estamos no meio do problema e o que se conseguir ganhar a nível mundial e em Portugal beneficia todos. Primeiro, temos de pensar que está nas nossas mãos cumprir todas as orientações dadas pela Direção-Geral da Saúde, na qual temos de confiar. Depois, temos de esperar que o governo nos ajude, para evitar que as empresas fechem e o desemprego aumente. Caso contrário, há uma crise social..Pensa nisso em relação à sua empresa? Nunca houve despedimentos na Casa Ermelinda, seria um dos meus maiores desgostos se isso acontecesse. Estou na luta para que não aconteça. Sou a maior empregadora na agricultura do distrito de Setúbal, de mim dependem muitas famílias. Costumo dizer que quem aqui trabalha se não é primo é tio, tenho filhos, pais, muitas famílias a trabalhar aqui, é uma grande responsabilidade. Também privilegio as pessoas da zona quando estou a recrutar e sei que os meus colaboradores vestem a camisola da Casa Ermelinda..Quais são os projetos para o futuro? Comprei uma quinta no Douro e uma outra na Póvoa do Lanhoso, são pequenas quintinhas mas quero diversificar o portfólio dos nossos vinhos, com os do Douro e os verdes. Mas, neste momento, o importante é a saúde, estou a concentrar-me para que tudo seja minimizado, depois, muitos projetos serão concretizados, certamente..Este é um negócio de mulheres, que já vai na quinta geração. As mulheres têm estado sempre na gestão. Começou com a minha bisavó, depois a minha avó, a minha mãe e, agora, a minha filha, não sabemos quem será a sexta geração.