Quando falta menos de uma semana para a sessão plenária que encerra a legislatura, ainda há leis a serem discutidas na Assembleia da República. É o caso do Estatuto dos Magistrados, do fim das taxas moderadoras ou da nova Entidade da Transparência, um pilar fundamental do novo quadro legal que aperta a malha ao exercício de cargos políticos. Eis algumas das medidas mais marcantes que vão a votos na sexta-feira..LEI DE BASES DA SAÚDE.Acordo de última hora salva bandeira da esquerda Houve avanços, recuos, zangas, acusações, chumbos. Houve de tudo nos últimos meses por causa de uma alínea de um texto de 85 páginas. Ontem, à 25.ª hora, quando as posições entre os vários partidos da esquerda pareciam inconciliáveis, depois de meses de polémica em torno das parcerias público-privadas, desembrulhou-se a Lei de Bases da Saúde. Uma nova proposta do PS - um "último contributo" para resolver o impasse - mereceu o acordo de comunistas e bloquistas. Mesmo que a questão de fundo continue por resolver: no comunicado emitido ontem, o grupo parlamentar do PS faz questão de acabar a dizer que a proposta assenta no princípio da gestão pública (que já está inscrito na Lei de Bases) e que será também este a presidir à regulamentação futura - "mas não interditando qualquer forma de gestão". Ou seja, não fechando a porta aos privados..A solução final, que teve o envolvimento do próprio primeiro-ministro, passa por revogar o decreto do tempo de Durão Barroso que regulamenta as parcerias público-privadas na gestão de estabelecimentos hospitalares, prevendo um "prazo máximo de 180 dias" para criar uma nova legislação "que defina os termos da gestão pública dos estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde"..Ao DN, Duarte Cordeiro, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, diz que este desfecho resulta do diálogo que se manteve nas últimas semanas: "Nunca parámos de conversar, fomos trocando versões, sempre com a preocupação de encontrar uma formulação que possa ser promulgada pelo Presidente da República". Marcelo Rebelo de Sousa já tinha avisado que não aceitaria um texto que fechasse, de todo, as portas à gestão privada..Com o acordo agora alcançado, a Lei de Bases vai ficar omissa quanto à questão das PPP. Ontem, o PCP - o primeiro partido a anunciar o acordo - veio dizer, pela voz do líder parlamentar, João Oliveira, que "a solução encontrada remete para uma base aprovada por proposta do PCP que fixa o princípio de que o Estado só deve recorrer à prestação de cuidados de saúde por privados de forma supletiva, temporariamente e enquanto o SNS não dispõe de capacidade de resposta". Pouco depois era a vez de o Bloco de Esquerda, através do seu líder parlamentar, Pedro Filipe Soares, anunciar o voto favorável à versão proposta pelo PS: "Nós fizemos este desafio público ao PS no início de junho. A partir do momento em que a evolução das propostas vai ao encontro do que tínhamos definido, votaremos a favor.".ESTATUTO DOS MAGISTRADOS.PSD disposto a ceder nos concursos de cargos de topo "O livro está em aberto", garante ao DN o deputado socialista Jorge Lacão sobre as alterações ao Estatuto dos Magistrados do Ministério Público, cuja discussão será finalizada na segunda-feira. O PS equaciona mesmo votar contra a proposta de lei do governo se o PSD insistir em alterar a escolha dos órgãos de topo do Ministério Público, que passariam a ser sujeitos a concurso, e os restantes partidos apoiarem. Mas os sociais-democratas garantem que não são "intransigentes". O deputado social-democrata Carlos Peixoto admite que o seu partido poderá ficar pela proposta de concursos para procuradorias distritais para que as alterações ao estatuto não caiam por terra. Entre as quais a que permitirá aos magistrados ganhar mais do que o primeiro-ministro. Jorge Lacão argumenta que se passassem a existir concursos para o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), a Procuradoria-Geral da República "perderia a sua autoridade na gestão do Ministério Público" e transformaria o Conselho Superior do MP num "órgão de gestão burocrático de concursos internos"..O acordo já está alcançado para o chamado "paralelismo" entre magistraturas no que toca aos ordenados. PS, PCP e CDS aprovaram a norma do novo estatuto que permite que estes magistrados possam ganhar mais do que o líder do governo, tal como acontece com os juízes. Assim, o limite máximo para o salário bruto dos magistrados passa a ser 90% do montante equivalente ao somatório do vencimento e do abono mensal para despesas de representação do Presidente da República - ou seja, cerca de 7500 euros. Estes magistrados poderão ganhar mais do que o presidente da Assembleia da República..TAXAS MODERADORAS.PS ainda não apresentou propostas de alteração É uma das grandes incógnitas deste final de legislatura. Em meados de junho, PS, PSD, BE, PCP e PEV aprovaram o fim das taxas moderadoras nos centros de saúde e em consultas ou exames prescritos por profissionais do SNS, mas rapidamente o governo fez saber que a medida, proposta pelo BE, é para ser aplicada faseadamente. Acontece que, até agora, o grupo parlamentar socialista não avançou com qualquer proposta de alteração ao projeto dos bloquistas e, na próxima quarta-feira, a ministra da Saúde ainda vai ser ouvida no Parlamento sobre este (e outros) tema. Como os guiões para as votações de sexta-feira fecham na quarta-feira à tarde, a nova lei - a avançar - entrará já fora de tempo para a lista das votações. Ao que o DN apurou, o governo ainda não tem fechada a forma e o tempo em que deverá ser feito o faseamento da medida..LEIS LABORAIS.A menina dos olhos da esquerda nas mãos do bloco central É uma das votações mais importantes da próxima sexta-feira, com a geringonça a votar de costas voltadas. As votações na especialidade (artigo a artigo) das alterações às leis do trabalho terminaram nesta semana e Bloco de Esquerda e PCP viram cair praticamente todas as exigências relativamente ao acordo que foi assinado no ano passado na concertação social, e que chegou ao Parlamento através de uma proposta de lei do governo. Com as alterações agora previstas, os jovens à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração passam a ter um período experimental de 180 dias, o dobro do que está previsto na lei para a generalidade dos trabalhadores. Uma medida que bloquistas e comunistas consideram inaceitável, a par de outra que também avança com o beneplácito de PS e PSD - o alargamento dos contratos de muito curta duração. Já a aplicação de uma taxa de rotatividade às empresas que abusam da contratação a termo ficou remetida para 2021..O diploma que altera o Código do Trabalho deverá ser aprovado por PS e PSD - um desfecho que, aliás, se foi repetindo ao longo da legislatura em matéria de leis laborais. Mas a história desta alteração legislativa não deverá ficar por aqui. O Bloco de Esquerda já se afirmou disponível para pedir ao Tribunal Constitucional a apreciação da norma que duplica o tempo experimental dos jovens e desempregados de longa duração. Para isso precisa do PCP. E a bancada comunista não fecha a porta a esta iniciativa..ENTIDADE DA TRANSPARÊNCIA.Novo organismo desenhado em menos de uma semana A Comissão Eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas iniciou os trabalhos em 2016 e vai acabá-los mesmo em cima do fim da legislatura. É nestes últimos dias que PS, PSD e Bloco de Esquerda estão a definir os termos da Entidade da Transparência, o organismo que vai ficar responsável pela verificação das declarações de rendimentos e património dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos. Fora da equação estão CDS e PCP, muito críticos daquilo que designam como uma "polícia dos políticos". Na semana passada, o presidente do Tribunal Constitucional (TC), Costa Andrade, e o vice-presidente João Caupers foram à Assembleia da República avisar que a verificação das declarações "já funciona suficientemente mal para se correr o risco de que funcione ainda pior". Bloquistas, socialistas e sociais-democratas tentam agora encontrar um figurino que vá ao encontro dos alertas dos juízes do Palácio Ratton, que advertiram mesmo para o perigo de "descaracterização" das funções do tribunal..CÓDIGO DE CONDUTA DOS DEPUTADOS.PS e PSD ainda tentam consensualizar proposta Outro diploma que está a ser desenhado nestes últimos dias da sessão legislativa. Em cima da mesa estão duas propostas, do PS e do PSD, que os dois partidos estão a tentar consensualizar, um trabalho que terá de estar concluído no início da próxima semana..NOMEAÇÕES NO GOVERNO.Marcelo sugeriu "alteração pequenina". E assim será Na sequência do chamado familygate - as numerosas relações familiares em cargos de nomeação política, no atual governo - Marcelo Rebelo de Sousa começou por sugerir uma alteração "muito simples" e "muito pequenina", que nem precisaria de um diploma próprio. Na sequência, o PS avançou com uma proposta que proíbe as nomeações de familiares até ao quarto grau, mas sem mexer na questão das nomeações cruzadas - por exemplo, um membro do governo nomear um familiar de outro membro do executivo. O PS alega que isto levantaria problemas constitucionais, pelo que a proposta deverá ir a votos na versão minimalista. Mas o PSD ainda está a equacionar se avança com propostas de alteração ao articulado apresentado pelos socialistas, diz ao DN o deputado social-democrata Álvaro Batista..PRAZO INTERNUPCIAL.Mais de dois anos para chegar a um acordo O fim do prazo internupcial é um tema que já vem do início de 2016, mas o acordo à esquerda sempre esbarrou nas reservas do PCP. Esta semana, o impasse foi ultrapassado, depois de o PS, Bloco de Esquerda e PAN - que se tinham entretanto unido numa proposta conjunta - terem retirado da proposta a eliminação da presunção de paternidade, em resposta à exigência do PCP e do PSD, que alegam que esta alteração poderia vir a criar problemas que agora não existem quanto à filiação das crianças. Com aprovação garantida na próxima sexta-feira, o diploma revoga a norma prevista no Código Civil que impede o segundo casamento num prazo de 180 dias após o divórcio ou viuvez, no caso dos homens, e de 300 dias no caso das mulheres (180 dias se apresentarem um atestado médico em como não estão grávidas).