Vladimir Putin tinha chegado à presidência da Rússia há poucos meses quando, a 12 de agosto de 2000, enfrentou o seu primeiro grande desafio: o acidente com o submarino nuclear Kursk, que resultou na morte das 118 pessoas a bordo. Criticado pelos familiares das vítimas e pelos media pela resposta tardia, Putin sobreviveu à crise e aprendeu a lição..O Kursk, um submarino nuclear com mais de 150 metros de comprimento, era uma das estrelas dos primeiros grandes exercícios navais desde a queda da União Soviética, mais de uma década antes, no qual participavam outros 30 navios e submarinos. Uma demonstração de força perante uma expansionista NATO, no rescaldo da guerra no Kosovo de 1999 e numa altura em que as relações começavam a deteriorar-se..Às 07.30 daquele sábado, a 140 quilómetros da costa de Murmansk, no mar de Barents, registou-se uma explosão. Um torpedo que ia ser disparado acabara de explodir a bordo do Kursk, o orgulho da frota do norte, lançado à água em 1995. Cerca de dois minutos depois, uma segunda explosão rebentava com os restantes torpedos, sem causar danos nos reatores nucleares..A bordo estavam 118 marinheiros..Presidente há sete meses.Putin, um ex-agente da secreta russa que um ano antes tinha sido nomeado primeiro-ministro e que na passagem de ano tinha assumido a presidência após a demissão-surpresa de Boris Ieltsin, não interrompeu as suas férias em Sochi, no mar Negro, o que gerou críticas da imprensa e dos familiares dos marinheiros. "A catástrofe deveria ser uma obsessão para o Estado, começando pelo presidente", lia-se então no jornal Izvestia..O presidente, eleito oficialmente em março e cuja posse tinha sido em maio, só foi alertado para o acidente quase 24 horas depois - descobrir-se-ia mais tarde que a maioria dos marinheiros tiveram morte imediata, mas houve 23 que sobreviveram e ficaram no fundo do oceano à espera de ajuda durante dias até ficarem sem oxigénio..A explosão foi detetada pelos sismógrafos noruegueses (foi o equivalente a um abalo de 4,2 na escala de Richter), mas só nove horas depois é que a Marinha russa reconheceu o acidente e deu início às operações de resgate. A opinião pública ainda não sabia de nada - o primeiro anúncio oficial só foi feito mais de 48 horas depois, já na segunda-feira..A ajuda foi enviada, mas material defeituoso ou falta de capacidade técnica, assim como o mau tempo no mar de Barents, travaram as várias tentativas de atracar ao submarino. Soube-se depois que o submersível que deveria garantir o socorro não tinha sido testado nunca com o Kursk, sendo certo que as Forças Armadas russas enfrentavam, como toda a Rússia, falta de financiamento por causa da crise económica..Atraso na resposta.Só quatro dias depois do acidente é que Putin fez uma primeira declaração, vestido casualmente, para dizer que a situação era "crítica", mas que a Rússia tinha "os meios de resgate necessários". O presidente, que gozava de uma popularidade de 73%, foi acusado de ser um cínico sem emoções..Nesse mesmo dia, acabaria, contudo, por aceitar a ajuda internacional que até ali a Marinha russa tinha recusado - inicialmente, chegou a falar-se que o acidente tinha sido devido ao choque com um submarino estrangeiro..Só no dia 18 é que Putin regressou a Moscovo, dizendo então que as possibilidades de salvar a tripulação eram "muito escassas, mas ainda existem", sendo necessários ainda mais quatro dias para que viajasse finalmente até Murmansk, onde se encontrou com as famílias destroçadas - onde decidiu o pagamento de uma indemnização milionária e prometeu recuperar os corpos, com o Kursk a ser retirado do fundo do mar em outubro de 2001..Na véspera da chegada de Putin, mergulhadores noruegueses tinham finalmente conseguido abrir a escotilha traseira do submarino, após 30 horas de trabalho (e muita burocracia russa), descobrindo que todo o casco estava cheio de água. Era oficial: não havia sobreviventes..23 sobreviveram durante horas ou dias."Minha querida Natasha e meu filho Sasha!!! Se receberem esta carta, isso significa que estou morto. Amo-vos muito", lia-se na mensagem encontrada no corpo do tenente Andrei Borisov, em outubro, que provou que pelo menos 23 homens tinham sobrevivido à explosão inicial, refugiando-se numa cabina de descompressão. Terão sobrevivido até ficarem sem ar - a versão oficial é que morreram no final de apenas oito horas, tendo morrido envenenados com o fumo, mas há quem alegue que sobreviveram durante cinco dias..No dia 23 de agosto, declarado dia de luto, Putin assumiu as responsabilidades na forma como se lidou com o caso e pediu desculpas numa declaração transmitida pela televisão. Mas também acusou por aqueles dias os media (detidos por oligarcas) de perseguição, alegando que queriam destruir a sua presidência..Um ano depois, questionado sobre os jornalistas, Putin admitiu que devia provavelmente ter regressado a Moscovo mais cedo, mas que nada teria mudado. "Tinha o mesmo nível de comunicação em Sochi e em Moscovo, mas do ponto de vista de relações públicas devia ter demonstrado maior vontade em voltar", afirmou..Mão firme contra os media.A cobertura mediática, crítica de Putin na altura do acidente, incluiu imagens das mulheres dos marinheiros a gritar contra Putin, claramente incomodado, o que para alguns marcou o princípio do fim da liberdade de imprensa na Rússia. Hoje, a maioria dos media são controlados pelo Estado.."As mentiras começaram com o afundar do Kursk", disse o advogado Boris Kuznetsov, que representou as famílias de 55 marinheiros, no 15.º aniversário da tragédia. "Quando o Kursk se afundou, o governo começou a interferir com o sistema legal e o de segurança. O governo começou a juntar todos os órgãos de comunicação social sob o seu controlo. Todo o processo de minar a democracia na Rússia, em muitas formas, começou com isto", acrescentou, citado pela Radio Free Europe/Radio Liberty. .Em relação ao acidente, nunca ninguém foi considerado responsável. O comandante da Marinha, o almirante Vladimir Kuroyedov, apresentou a sua demissão, mas esta foi rejeitada e ele reformou-se em 2005. Putin afastou 13 altos oficiais, incluindo o comandante dos submarinos da Frota do Norte, o vice-almirante Olef Bursov, mas todos acabaram por receber cargos no governo ou em empresas controladas pelo Estado, segundo a RFE/RL..Putin aproveitou o rescaldo do acidente para remodelar o Exército russo, colocando pela primeira vez um civil à frente do Ministério da Defesa, Sergei Ivanov. Mas desde 2000 que o orçamento militar tem vindo a subir..Em 2018, estreou o filme Kursk, realizado por Thomas Vinterberg e com Colin Firth num dos papéis principais, baseado no livro do jornalista Robert Moore, A Time to Die.