Até esta quarta-feira ao final do dia já tinham votado, por correspondência, cerca de 1200 juízes de todo o país - a maior participação de que há registo para a eleição do vice-presidente do Conselho Superior de Magistratura (CSM). A fasquia dos mil votos por correpondência nunca tinha sido ultrapassada em anteriores sufrágios..O CSM, órgão superior de gestão e disciplina da magistratura judicial, é presidido pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça e composto por dois vogais designados pelo Presidente da República, sete eleitos pela Assembleia da República e sete juízes eleitos pelos seus pares..A votação presencial realiza-se nesta quinta-feira, até às 19.00, na sede do Conselho em Lisboa e nos Tribunais de Relação do Porto, Évora e Coimbra. A previsão é que votem perto de 1800 dos cerca de 2000 magistrados registados e que sejam "batidos todos os recordes" neste tipo de eleições, segundo fontes que estão a acompanhar o processo eleitoral.."Os juízes estão a ferro e fogo", avança ao DN um magistrado que pediu anonimato e explica a mobilização sem precedentes. A escolha está entre dois modelos antagónicos de gestão: uma linha mais conservadora, protagonizada pelo juiz conselheiro Sousa Lameiras; outra mais progressista, encabeçada pelo juiz conselheiro Mário Belo Morgado, o atual vice-presidente.."De uma forma geral, os juízes mais antigos estão com Lameiras, e a nova geração com Morgado - a decisão está entre continuar com a atual gestão, definida pelo conselheiro Mário Morgado, mais agressiva, transparente e preventiva da atividade dos juízes, ou voltar ao passado, onde os juízes se sentiam mais protegidos do escrutínio público da sua atividade, mas os processos por decidir arrastavam-se ao limite da impunidade", sublinha a mesma fonte judicial..Evitar "linchamento público".A lista do juiz conselheiro José Sousa Lameira defende que o CSM deve lidar com os juízes de modo recatado e reservado de forma a contribuir para a atenuação de contextos de alarme social..Para este candidato, o Conselho Superior deve intervir como entidade promotora da paz social, repudiando a divulgação, através dos meios de comunicação social, da instauração de processos disciplinares ou inquéritos a juízes.."Merece-nos repúdio a divulgação reiterada, através dos meios de comunicação social, da instauração de processos disciplinares ou inquéritos a juízes, embora nos termos estatutários tais processos assumam natureza secreta, característica que se destina, evidentemente, a não pôr em causa a perceção pública de independência dos juízes, ademais por via do seu próprio órgão de autogoverno", escreve o juiz no manifesto da sua candidatura..O alvo do ataque, Mário Morgado - que no seu mandato fez questão em divulgar e explicar as decisões disciplinares instauradas aos juízes, como recentemente o caso de Neto Moura -, destaca no seu programa que essa intervenção do CSM permitiu "atenuar o clamor público e a pressão da sociedade que em algumas circunstâncias se fez sentir e que, a não ter ocorrido, certamente afetaria o prestígio de toda a judicatura"..Morgado escreve ainda que "sem tibiezas ou fugas ao espaço público, contribuindo para travar e impedir que tais clamores se transformassem em linchamento incontrolado e fator de descrédito dos juízes, a afirmação pelo conselho das suas competências permitiu reforçar a confiança da sociedade civil no judiciário, assim se defendendo por atos - e não por palavras vãs - a independência e prestígio dos juízes"..Críticas à "gestão utilitarista".O debate aqueceu na campanha, com Lameiras, cujo lema de campanha foi "Paridade, Transparência e Renovação", a criticar a "lógica gestionária, economicista e utilitarista" do atual vice-presidente, um modelo que, no seu entender, "paulatinamente se vai impondo e com isso aproximando os tribunais e os seu juízes de organismos do Estado e de meros funcionários, contribuindo para a crescente diluição da perceção pública da nossa condição de titulares de órgãos de soberania"..Para Mário Morgado, quem pensa assim está "estagnado no tempo, sem esboçar qualquer modelo alternativo, reconhecendo-se avessos a uma lógica gestionária, a objetivos, a números e a produtividade, evidenciam a sua inaptidão para dar execução ao modelo legalmente consagrado". E cita, ainda no manifesto de campanha, o próprio presidente do STJ, António Piçarra: "Os elementos estatísticos são, ninguém o pode negar, muito importantes. É a partir destes que se faz a macro análise da capacidade de resposta do sistema.".Este conselheiro entende que "a funcionalidade dos sistemas é incompatível com a acefalia, a anomia e a fragmentação organizativa" e que a reclamada "renovação", defendida por Lameiras, "de imediato redundaria em retrocesso, paralisia e desorientação estratégica"..Sentenças mais rápidas, menos processos disciplinares.A equipa de Mário Morgado tem do seu lado, de facto, os resultados do trabalho dos juízes. Pela primeira vez nos tribunais cíveis - que foram sempre responsáveis pelo grosso das pendências -, baixaram a fasquia do um milhão de pendências em dez anos..Quando tomou posse no CSM em 2018, estavam pendentes 1 008 650 ações, em 2017 caíram para 877 709, um mínimo histórico e, de acordo com dados já recolhidos pelas comarcas, em 2018 um novo recorde será alcançado com cerca 758 mil ações pendentes. "Os atrasos prolongados e persistentes constituem hoje situações muito excecionais", afiança..As equipas de acompanhamento e os grupos de trabalho que criou no CSM, permitiram, através de "soluções concertadas e articuladas com os juízes", "antecipar - e nalguns casos evitar - problemas e constrangimentos, tal como possibilitou resolver precocemente situações carecidas de intervenção, através de mecanismos especificamente dirigidos ao equilíbrio das cargas de trabalho dos juízes, à gestão dos processos de especial complexidade, à recuperação de pendências e, em geral, à eficiência organizativa", explica no seu programa..Outras estatísticas a apoiar o vice-presidente são as relacionadas com os processos disciplinares instaurados. Apesar de um controlo mais apertado, houve menos inquéritos desta natureza e uma redução significativa de juízes a ser punidos no mandato de Morgado, que começou em 2016: 22 em 2016, 28 em 2017, e 24 em 2018, contra 31, 40 e 38 nos três anos anteriores; quanto a sanções foram aplicadas 19 no ano passado, 28 em 2017, 22 em 2016, 35 em 2015 e 30 em 2014.."Para além de mais eficiente, os indicadores disponíveis evidenciam que o modelo adotado é o mais amigável", conclui o conselheiro no seu programa de candidatura, cujo lema foi "Independência, Prestígio, Proximidade".