"Quando os que investigam não tem perguntas então deve-se questionar o que fazem." O paleontólogo espanhol Juan Luis Arsuaga faz esta declaração ao lado do livro que veio lançar recentemente em Portugal, Vida, A Grande História, e sobre o qual afirma: "Está aqui toda a minha carreira científica e de investigação. Quando comecei pensava que um dia seria um Einstein da paleontologia mas, fazendo tudo o que pude, só cheguei até aqui, àquilo que está neste livro.".Juan Luis Arsuaga parece tímido, mesmo que o público que o ouve não o assuste como se verá pela amplitude da sua intervenção e ainda menos retraído fica quando relata o que passou a livro das suas teorias sobre a evolução do Homem. Há capítulos que questionam qualquer leitor, por pouco que perceba do tema que atravessa estas cerca de seiscentas páginas onde faz "uma viagem pelo labirinto da evolução". Não foi por acaso que a sessão decorreu numa sala do Museu Nacional de Arqueologia, no interior do Mosteiro dos Jerónimos, pois muita da sua narrativa científica está ali refletida. Designadamente na exposição Ídolos - Olhares Milenares, que exibe os antepassados ibéricos em todas as suas manifestações..O percurso de Arsuaga também dava para uma exposição: em criança lê o livro A Busca pelo Fogo e nunca mais a pré-história desaparece dos seus interesses. O livro escrito e ilustrado por dois irmãos, que usavam o pseudónimo J.H. Rosny, recupera o cenário humano na Europa de há cem mil anos, onde mamutes e múltiplos animais ferozes convivem com os "seres humanos" dessa época. Um apetite científico que o seduz cedo e o vai levar a fazer descobertas importantes para o conhecimento da história da evolução da humanidade, como aquela em que encontrou em Atapuerca (perto de Burgos) os fósseis dos humanos europeus mais antigos, os de há 400 mil anos, vendo consagrado o seu desígnio profissional desde a infância..As descobertas de Atapuerca foram uma surpresa com que Juan Luis Arsuaga não esperava confrontar-se, mas, como já referiu, "o melhor de um projeto científico é que ele nos surpreenda". Se o local das escavações onde trabalhou parecera-lhe "interessante", foi preciso passarem vários anos entre os primeiros trabalhos de campo e a sua integração na equipa em 1982 para surgirem os resultados que surpreenderam o mundo. Nega que a escolha de Atapuerca tivesse sido fruto da intuição, antes da vontade de "explorar o desconhecido" e assim "pôr a roda da investigação a funcionar". A descoberta de um local onde se encontravam inúmeros fósseis humanos, em número superior a qualquer outro achado, tornou-se o ponto alto da sua carreira e ao qual não pôde fugir desde então..Marcar presença foi uma das frases-chave de Juan Luis Arsuaga durante a sua estada em Lisboa para apresentar Vida, A Grande História. Numa das salas do piso superior do Mosteiro dos Jerónimos, começou por lembrar o dia em que conheceu Umberto Eco na Universidade de Burgos, local onde o filósofo e autor do romance O Nome da Rosa o convidou para visitar o Mosteiro de Silos, cuja biblioteca o iria inspirar para a descrição da do seu livro, mas Arsuaga declinou o convite. Décadas depois, em Lisboa, Arsuaga questionou-se perante a plateia: "O que teria eu para fazer naquele dia que fosse mais importante e que me impediu estar com Eco?" A pergunta surgia por estar pessoalmente na capital portuguesa a apresentar o seu novo livro em vez de ter ficado em Madrid. A resposta: "Estou a fazer algo que não acontece todos os dias"..Fazer algo que não é parte da rotina é também uma das suas frases-chaves que se sucedem na sua intervenção, onde explica algumas das razões para ter escrito Vida, A Grande História. Dividido em duas grandes partes, o trabalho agora traduzido para a língua portuguesa recoloca as grandes questões que desde há muito incomodam a humanidade. Após uma Introdução tão perturbadora como confessional, Arsuaga garante que esta "é uma obra escrita por um cientista que há 40 anos estuda a evolução: a nossa, a evolução humana." Ou seja, Vida é a visão de um paleoantropólogo. Recusa-se, no entanto, a restringir o conhecimento científico à sua especialização, a dos fósseis, e considera que o estudo da evolução deve ser abrangente..Citaçãocitacao"Os cientistas deveriam ser mais práticos e voar mais alto pois só assim se tem uma perspetiva mais amplas das coisas.".Ainda a introdução vai no início e já Arsuaga questiona o leitor com uma tese perturbadora: "Perante qualquer facto histórico, é inevitável que se pergunte se ele tinha de ocorrer e se tinha de suceder da mesma maneira ou se, pelo contrário, poderia ter ocorrido de outra forma?" Arsuaga inclui na narrativa o fator da "flecha da História", o que significa que sociedades europeias ou americanas, como a asteca e a inca, que viviam separadas desde os primeiros povos paleolíticos, tomam uma evolução muito parecida: "Elas indicam que a História é previsível, que tem um rumo preferencial e que não podia ter acontecido senão o que aconteceu." Para o justificar faz a seguinte pergunta: "O que levou os espanhóis, os astecas e os incas a organizarem-se em sociedades com instituições semelhantes e mutuamente reconhecíveis?".Na segunda parte de Vida, Arsuaga irá questionar a evolução da espécie humana numa mesma linha, apesar de nem sempre concordar com algumas das teses existentes. Antes de terminar a explicação sobre o conteúdo do livro, o paleontólogo dedica-se à grande pergunta: "Porque estamos aqui?" São dezenas de páginas de explicações e de questionamentos que se seguem para terminar o livro de uma forma inesperada, com uma frase que leu num cartaz turístico em Palma de Maiorca e que dizia: "A melhor forma de prever o futuro é inventá-lo.".Na sessão de Lisboa, Juan Luis Arsuaga fez questão de racionalizar o modo como a ciência está a ser feita hoje. Uma das suas afirmações foi: "Em Espanha, dizemos que os cientistas estão demasiado especializados e todos são especialistas num assunto concreto, daí que se considere que sabem cada vez mais de cada vez menos." Daí que o seu livro pretenda ser uma forma de escapar à especialização, recorda por isso o que diz aos seus alunos: "Devem querer voar alto e não baixo como fazem os especialistas, cuja visão está demasiado rente ao chão e só veem o que está à sua frente e pouco mais."."Os cientistas deveriam ser mais práticos e voar mais alto pois só assim se tem uma perspetiva mais amplas das coisas", insiste. Por essa razão, diz, quando alguns pais dos seus alunos afirmam que os filhos se interessam muito pela paleontologia e pela evolução humana e pedem sugestões de leitura, Arsuaga sugira: "Shakespeare, sem nenhuma dúvida. Porque só assim se obterá uma melhor formação e não só a estudar fósseis de animais. Terá tempo para estudar este género de livros após perceber o que as grandes obras sobre o pensamento humano dizem de nós.".Estranha que os seus alunos apresentem trabalhos em que estão completamente convencidos do que escreveram e das suas conclusões: "Isso espanta-me, por essa razão tento introduzir no seu pensamento o elemento da dúvida, pois no que respeita aos cientistas eles cada vez têm menos certezas e vão acumulando perguntas." Não se incomoda até em rotular o volume que está a apresentar: "Este é um livro de perguntas e que reflete o meu estado, pois cada vez tenho mais dúvidas e isso agrada-me porque a ciência consiste em questionar. É aí que reside a beleza do conhecimento. Sou um colecionador de perguntas e no meu livro refiro as grandes perguntas que têm sido feitas. Se a principal é porque estamos aqui?, a menor poderá ser: a evolução é sinónimo de progresso?" Para Arsuaga, Vida, A Grande História, resulta dessa posição perante o conhecimento: "Recupero no livro o que disseram pessoas muito inteligentes sobre as questões clássicas e contraponho o que penso das perguntas e das respostas das mentes mais inteligentes da ciência nos últimos séculos.".Para o fim, tanto da apresentação como no livro, deixa o imenso espaço que rodeia a Terra e confessa que deseja que o seu livro possa um dia acompanhar quem viajar pelo espaço. Se o nosso planeta é único com vida ou não é outra das grandes perguntas a que tenta responder: "No futuro, irá ser questionado se a única forma de ser inteligente é a humana ou se há inteligências extraterrestres e aí talvez a vida seja mais comum ou muito rara. Até que o possamos fazer, a única forma de responder a essas perguntas é a paleontologia.".Quanto ao seu papel enquanto cientista, não duvida que "o futuro da evolução da humanidade faça parte de um livro repleto de perguntas em vez de respostas", por isso não lhe é difícil autobiografar-se: "Eu não sou o professor que vem com respostas mas o que vem com as perguntas." E não se esquece der dar uma última opinião: "A ciência é um prazer, de maneira que este livro pretende ser uma celebração da vida consciente que nos permite refletir sobre o Homem, saber que estamos vivos e a examinar a nossa própria vida.".Juan Luis Arsuaga.Editora Temas e Debates/Círculo de Leitores.578 páginas.Revelar o que se esconde debaixo dos nossos pés.A primeira surpresa de Mundo Subterrâneo é o impacto da natureza no leitor, que vivendo nas cidades e sociedades ignoram esse elemento no seu dia a dia, além dos jardins e das árvores aqui e acolá. Robert Macfarlane recupera essa capa do planeta, mas o que o preocupa mais neste trabalho é o que está por baixo da superfície da Terra. Começa o seu livro com vários exemplos de como o subsolo guarda as marcas da História, bem como daquelas que os seus habitantes deixaram ao longo dos séculos. A narrativa que percorre fica explicada pouco depois do início: "Cenas do mundo subterrâneo começam a revelar-se na pedra, distantes umas das outras cronologicamente, mas ligadas por ecos." Temos os testemunhos que a terra esconde há 35 mil anos, depois os anteriores ao império romano, os do Egito, os de África, os dos Himalaias, e vamos caminhando até ao presente. Em todos eles há um ser humano que deixou um testemunho no interior da Terra, sendo o mais recente aquele que manteve o mundo seduzido quando treze jovens tailandeses ficaram pesos no interior de uma gruta, deixando todos em suspense até ao seu salvamento mediático..Por tudo isto, Macfarlane garante que sabemos pouco acerca do mundo sob os nossos pés, que guarda bem os seus segredos, e é essa a sua intenção com este livro. De uma coisa se pode ter a certeza, o leitor não será o mesmo de antes ao ler esta investigação..Robert Macfarlane.Editora Elsinore.461 páginas.Abrandar a ficção científica em torno do fim da Terra.O subtítulo do livro Apocalipse Nunca é o melhor conselho entre os que vivem a contemporaneidade repleta de fake news e de más interpretações científicas: "Como o alarmismo ambiental nos prejudica a todos". Não é que o autor conteste certas situações que destroem constantemente o planeta, afinal o seu currículo está cheio de atividades em prole do ambiente. A grande pergunta que este ensaio faz é o "que está por trás do surgimento do ambientalismo apocalíptico?" Ou seja, como se refere no livro, 2019 - não foi assim há tanto tempo - vivia-se no planeta um momento em que se vaticinava a morte de milhares de milhões de pessoas devido à poluição e a uma longa lista de alterações climáticas. Shellenberger desfaz esse cenário com análises mais científicas em vez das que dão a volta ao mundo devido à ignorância sobre os impactos do desenvolvimento e à necessidade em separar a ciência da ficção científica. Por exemplo: o desconhecimento dos factos essenciais sobre o que a revolução dos hábitos tem provocado a nível do ambiente; que as emissões de carbono já atingiram o máximo e que nos países desenvolvidos elas têm vindo a decrescer na última década, ou que o aquecimento da Terra para temperaturas demasiado altas é cada vez mais improvável....Diz o autor que esta onda de alarmismo perturba os adolescentes, gera-lhes ansiedade, e como tem uma filha adolescente, era sua missão separar a verdade da mentira. E ele já foi considerado pela revista Time um "Herói do Ambiente", daí que seja uma leitura muito aconselhada a que se confronta com um alegado apocalipse e ainda não percebeu o que está realmente em jogo!.Michael Shellenberger.Editora D. Quixote.455 páginas