Saímos de Outer Range, pelo menos dos primeiros episódios, perdidos no puzzle. Essa é a ideia, mesmo que radical. Uma série de entretenimento para desorientar quem não quer entrar no mistério. A bem dizer, tudo é misterioso nesta produção da produtora de Brad Pitt, aposta com orçamento avantajado da Prime Video. Chegamos a 2022 e há quem em Hollywood dê luz verde para uma série capaz de preservar a sua estranheza e não se subjugar a fórmulas televisivas. Goste-se ou não deste conceito, estamos na presença de um espetáculo de ficção mais próximo de uma linguagem cinematográfica..Josh Brolin é o protagonista, aqui no papel de Royal Abott, um patriarca de uma família de rancheiros do Wyoming a lutar pela manutenção da herdade e a unidade familiar. Tudo isto numa altura em que um clã vizinho ameaça a sua propriedade e o luto pelo desaparecimento da sua nora acalenta novas fraturas. Como se não bastasse, um mistério sobrenatural parece ainda transtornar todos: um vazio negro acaba por se revelar num dos terrenos dos Abbot. Royal, antes de perder a sanidade, tem de manter todos unidos... Esta criação de Brian Watkins tenta ser uma mistura de neo-western com ficção-científica, uma espécie de apropriação dos universos de David Lynch com os imaginários de Stranger Things, neste caso pensados para um público mais adulto. Pelas primeiras amostras, parece apostar num humor tão irónico como subtil. Com a quantidade de séries de qualidade a chegar ao mesmo tempo, resta saber se conseguirá ser uma série de culto. Josh Brolin parece orgulhoso do seu trabalho quando recebe o DN numa videochamada numa cabana nos EUA, começando com um elogio a Lisboa: "você está numa cidade que adoro. Sou fã de Alfama, estive aí quando era muito jovem e foi das melhores memórias da minha vida! Lembro-me de tudo ser tão barato aí. Conseguia comer tanto marisco por uns trocos! Viajava na altura com uma norueguesa que tinha acabado de conhecer na estação e com um tipo que bebia muitos copos. Caramba! O que me diverti! Alfama é uma parte linda de Lisboa!!".É inevitável que a conversa descambe sobre o que se pode e o que não se pode revelar de uma série com inúmeros segredos e reviravoltas, ou seja, em tempos de spoilers alerts Outer Range como se promove? "Cada vez que falo sobre esta série acabo por ficar existencialista e a filosofar... Os atores, nestes casos, falam apenas de como são fantásticos e todas essas tretas! E nisto não dizemos nada apesar de parecer que falámos muito e bem... Enfim, é uma aptidão mas com Outer Range nem sei o que posso dizer para estragar esta série! Isto não são Os Vingadores, não estou na posição do Mark Ruffalo!! Esta série intrigou-me por ter comportamentos humanos caóticos a partir da repressão. Atraiu-me interpretar um tipo cuja ideia de integridade provir de um idealismo bastante frágil e a dada altura tem de gerir um segredo do qual não tem controlo"..Envelhecido como cowboy duro e líder na série, o Josh Brolin que vemos na janela de imagem deste Zoom é de uma jovialidade desarmante, mesmo quando jamais perde a pose de rancheiro moderno. Trata-se de um ator que já foi outras vezes cowboy contemporâneo, como é o caso da sua personagem de Este País não é para Velhos, dos manos Coen, mas que logo a seguir ganhou peso para ser um adúltero obeso em Vais Conhecer o Homem dos Teus Sonhos. No cinema americano, é um dos poucos rostos capaz de dar complexidade à ideia do clássico cowboy masculinizado americano, talvez herdando o estilo de Jeff Bridges.."Outer Range é uma história sobre disputas familiares com uma rajada metafísica que nos é atirada à cara, ou como uma família idealizada reage a algo sobrenatural. Para mim, isso é interessante, tal como era o aspeto absurdo de Este País não é para Velhos onde tudo acaba por fazer sentido". Palavras que dão pistas para a tal mistura de registos pretendida. Acima de tudo, Brolin não tem certeza se é uma obra que vai agradar a um público pouco habituado àquilo que não tem explicação..E porque esta conversa foi feita na ressacada da cerimónia dos Óscares, o tema bofetada de Will Smith acaba por surgir sem rodeios. De lembrar que o ator esteve na cerimónia a apresentar uma categoria: "Vivemos tempos loucos. Estamos todos a falar do Will Smith e o pobre Timothée Chalamet foi à cerimónia sem camisa e ninguém fala disso! Coitado... Mas isto, o que se está a passar, é a prova de que adoramos julgar - qualquer coisa de negativo e atacamos de caras! E isso satura! Toda esta situação também se verifica porque estamos a sair da covid, creio. Atenção, sou um tipo desbocado, não tenho cuidado nenhum com aquilo que digo. Vocês nem imaginam o que se passou lá na sala, eu disse logo ao Paul Thomas Anderson que nem o Joaquin Phoenix era capaz de sonhar em provocar um nível de desconforto semelhante ao que o Will criou... E foi muito confuso termo-nos levantado para aplaudir o discurso dele! A dada altura, percebi que estávamos ainda todos presos ao sistema! Aprendemos uma lição mas tudo aquilo deixou-me triste, vai ser interessante perceber se a partir de agora tudo muda e começamos do zero. Vamos ver o que vão ser os próximos meses... Estou a falar demais, tenho de me calar". Passada uma pausa, o seu sorriso reconfortante reaparece e a sua versão garbosa despede-se com um obrigado que parece sincero e cumprimentos para as gentes de Alfama..dnot@dn.pt