João Ribas: "Já houve sexo explícito no museu e nunca houve essa questão"

Antigo diretor artístico de Serralves insiste na "censura" e "pressão inaceitável" do Conselho de Administração da Fundação na exposição de Mapplethorpe. Pacheco Pereira diz que estão expostas imagens muito mais duras do que as supostamente censuradas
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O antigo diretor do Museu da Fundação de Serralves, João Ribas, reiterou esta tarde, na Comissão de Cultura, na Assembleia da República, que a sua demissão resultou de um ato de "censura" por parte do conselho de administração desta instituição, e que este terá ordenado que fossem retirados dois quadros do fotógrafo Robert Mapplethorpe, "duas horas antes da inauguração da exposição".

"Esses acontecimentos foram a gota de água do que eu considerei uma pressão inaceitável [por parte da administração]", disse aos deputados, contrariando a versão da administração, segundo a qual não foi censurada nenhuma obra. "As obras estavam montadas na parede e fui obrigado a retirá-las".

Questionado sobre se o teor de cariz sexual, em alguns casos sadomasoquista, de algumas obras, foi devidamente sinalizado, João Ribas insistiu que a questão foi devidamente acautelada pelos serviços do museu ao longo dos vários meses que antecederam a abertura da exposição, e que a administração o surpreendeu também à última hora com a interdição de determinadas salas a menores, "mesmo autorizados pelos pais", algo que considerou nunca ter acontecido antes.

"Já houve sexo explícito no museu e nunca houve esta questão da faixa etária", disse, referindo-se a outras exposições.

Ribas garantiu ainda ter comunicado a demissão à administração antes de o fazer à imprensa e, sobre o facto de ter saído um dia depois da inauguração, disse que considerou um "mal menor" deixar a exposição abrir, algo que revelou ter chegado a estar em causa.

Ana Pinho, administradora da Fundação negou todas as acusações do antigo diretor artístico e curador da exposição de Mapplethorpe.

"Não há nem houve qualquer censura. Aliás, seria difícil encontrar obras de Mapplethorpe mais controversas do que algumas que estão expostas", defendeu. "Não temos, nem Serralves tem, lições a receber nesta matéria", defendeu, acrescentando ter sido informada "por SMS" da demissão que o diretor depois anunciaria em conferência de imprensa.

A administradora devolveu ainda as acusações ao diretor artístico, acusando-o de deslealdade. "Fomos surpreendidos por uma entrevista [ao Público], dias antes da exposição, onde este disse que "nesta exposição não há ressalvas, nem salas reservadas", contrariando o que estava previsto", disse. "Esta posição quebrou a relação de confiança, nunca antes tinha acontecido na fundação".

Para Ana Pinho, João Ribas "teve uma atitude imatura e disse aos jornais o que não disse à administração e disse à administração o que não disse aos jornais". A administradora insistiu que Ribas tinha combinado manter salas reservadas e que depois foi dizer o oposto na entrevista que deu.

A administradora insistiu também que "o conselho de administração em momento nenhum insistiu que fosse retirada alguma obra" e que "apenas pediu que fosse feito aquilo que tinha sido combinado". Ou seja: a presença de algumas obras nas salas reservadas.

"As duas obras referidas [como censuradas] são muito menos violentas do que algumas que estão expostas"

José Pacheco Pereira, um dos dois administradores da fundação indicados pelo governo - a outra é a ex-ministra da Cultura Isabel Pires de Lima - reforçou as críticas à "nuvem de contradições" que considera ter sido lançada pelo antigo diretor do museu, considerando "falso" tudo o que foi afirmado sobre alegadas censuras à curadoria artística da exposição.

Pegando no caso concreto das duas fotografias que João Ribas diz terem sido mandadas retirar - Dennis Speight e Larry, ambas imagens de homens com o órgão genital ereto - Pacheco Pereira questionou "por que razão" iria a administração censurar essas imagens quando "as duas obras referidas são muito menos violentas do que algumas que estão expostas".

E concretizou, referindo que as imagens atualmente expostas incluem cenas como "um homem a urinar na boca de outro homem" e uma prática sexual conhecida por fisting.

Reiterando que a administração "nunca classificou essas imagens como pornografia, por entender tratar-se de arte", Pacheco Pereira defendeu que se não tivesse tomado algumas precauções a administração de Serralves "corria o risco de ser processada" por um pai cujo filho fosse confrontado com imagens deste teor sem aviso prévio nem enquadramento.

Outra questão denunciada por João Ribas e insistentemente refutada pelos administradores foi a alegada pressão sobre o diretor artístico nos dias que antecederam a inauguração da exposição. Ana Pinho revelou que esteve fora do país nas datas indicadas pelo antigo diretor e os restantes administradores negaram também ter tido especial contacto com o mesmo.

O peso da palavra "censura"

A questão da "censura", suscitada por João Ribas, foi um dos temas dominantes da audição ao antigo diretor e, depois, aos administradores da Fundação Serralves. Os deputados, em particular Teresa Caeiro, do CDS-PP, questionaram insistentemente o diretor artístico acerca dos fundamentos que este tinha para classificar o que se tinha passado como um ato de censura. A determinada altura, José Magalhães, do PS, questionou em Inglês se não teria este sido um caso de muito ruído por nada, com este a contrapor que o nada era muito e que considerava estar em causa a liberdade artística.

Mais tarde, a propósito dessa troca de palavras, Pacheco Pereira fez questão de criticar o que considerou "abastardamento da palavra 'censura", e lembrou: "Estamos no Parlamento onde passaram muitas pessoas que sabem o que foi a censura. No entanto, Jorge Campos, do Bloco de Esquerda - partido que agendou estas audições, defendeu que existem "muitas formas de censura".

No final, com exceção do PCP e do Bloco de Esquerda - que colocaram questões sobre o eventual descontentamento de outros trabalhadores de Serralves, além do ex-diretor do Museu, que acabaram por ficar sem resposta - todos os partidos se deram por satisfeitos com os esclarecimentos recebidos dos administradores e de João Ribas.

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