Habituada a ser uma mulher num mundo de homens, Joana Pereira recorda, em conversa com o Diário de Notícias, que esta já era a sua realidade nos tempos em que frequentava a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Foi ali que estudou Engenharia Física, mas aquilo que poderia ter encarado como uma desvantagem foi, na verdade, uma mais-valia. "Na faculdade nunca senti desvantagem [por ser mulher]. Senti o que é a força de ter uma equipa diversa", aponta, referindo-se à complementaridade da "descontração" dos colegas rapazes com a sua própria "organização". Contudo, a igualdade que encontrou na universidade não se manteve ao longo de todo o percurso profissional, em que sentiu "desvantagens várias vezes". O problema da falta de paridade entre géneros está, defende, na educação de base.."Sinto que nós, mulheres, não arriscamos tanto. As filhas são educadas para serem perfeitas e os filhos para serem corajosos", esclarece. Joana Pereira acredita que esta visão condiciona a forma como as mulheres enfrentam desafios pessoais e profissionais, nesta última dimensão dificultando, por exemplo, a candidatura a oportunidades de emprego. "Há sempre homens mais preparados do que mulheres, porque historicamente fomos preparando mais os homens para a liderança do que nos preparámos a nós próprias", afirma. Para a atual CEO e cofundadora da In-Vest, sempre foi importante contrariar esta tendência. "Quando havia uma posição de liderança, concorria porque optei sempre por ser corajosa", diz, reconhecendo, no entanto, que também tem medos..O primeiro salto de coragem foi trocar os dois anos que dedicou à investigação científica na área do solar fotovoltaico para entrar na indústria da saúde, em particular na área dos equipamentos e dispositivos médicos. Passou pela Siemens Medical Solutions onde descobriu que, afinal, é "uma pessoa de vendas". Mais tarde, em 2007, juntou-se à Medtronic e aí fez um caminho "muito interessante e cheio de desafios", nomeadamente por ter experienciado, ao longo de 14 anos, diferentes funções - do marketing à gestão de negócio, passando pela gestão de equipas e direção empresarial. "Fui a primeira e única mulher na direção de negócio. Durante estes anos, fui mãe de dois filhos e isso obrigou-me a desenvolver muito foco e organização", recorda. Apesar de sublinhar a satisfação, pessoal e profissional, que teve ao longo de todo esse período, Joana Pereira acabaria por, em 2021, trocar o emprego certo por uma aventura a longo-prazo no empreendedorismo..A tomada dessa decisão aos 42 anos tem diferentes raízes, desde logo na forma como encara a vida. "Não quero seguir exemplos, quero ser exemplar. E a seguir, atrás de mim, outras virão e copiarão o meu exemplo", diz, com orgulho na voz e o entusiasmo de quem segue um sonho. Antes de criar, com o seu parceiro de negócio, uma sociedade de investimento imobiliário, Joana já se dedicava, desde os 27 anos, a testar esta área, mas foi a participação numa formação para a liderança no feminino que a fez lançar-se no mercado. "Tudo começou pelo programa Promova [da CIP e da Nova SBE] que tinha um módulo de autoconhecimento e marca pessoal muito interessante. Isso fez a diferença", explica. A partilha desta experiência com outras 30 mulheres, bem como as competências que foi adquirindo ao longo da carreira, deu-lhe a força que procurava para criar a In-Vest, um projeto que pretende "democratizar o investimento e a sustentabilidade"..Hoje, enquanto CEO, assume que uma das suas grandes preocupações é garantir diversidade de candidatos na altura de selecionar um novo funcionário. "É preciso pensar-se na marca da empresa, na cultura e naquela que queremos que seja a estratégia para aquela posição. Depois é ter candidatos diversos. Mais importante que escolher uma mulher, é dar oportunidade a um conjunto diverso de candidatos e isso protege homens e mulheres", defende. Porém, acrescenta ainda que, ao nível corporativo, é importante alterar mentalidades para que a paridade nas organizações passe da miragem à realidade. "Enquanto continuarmos a trabalhar muitas horas e isso for sinónimo de sermos bons trabalhadores, vai limitar o acesso das mulheres à liderança", afirma. "Gostava que as empresas em Portugal trabalhassem mais a produtividade e se focassem menos no tempo de trabalho. Aí começávamos a ter mais paridade", remata..dnot@dn.pt.Com o apoio CIP/CGD/Fidelidade/Luz Saúde/Randstad