Se houve coisa que não mudou na Jamaica no último quarto de século foi a oferta de praia, por isso começamos a volta à ilha justamente numa das mais impressionantes, uma das 50 praias públicas do país: a 7 Mile Beach, em Negril. Areia branca, água turquesa e todos os outros chavões ligados a esta ilha das Caraíbas - palmeiras, reggae a tocar e vendedores de erva no areal. Lá estão os pequenos hotéis, as lojas e bares virados para o mar e uma bela oferta de massagens, fruta fresca, cocktails e insufláveis na água para gente de todas as idades..Vincent, um empresário local, trabalha com turismo há coisa de 25 anos e lembra-se bem dos anos 1990: "Hoje as pessoas têm poder para comprar mais coisas, têm acesso a mais produtos do que há 25 anos. São mais felizes? Não." Nesse fim de manhã não nos pôde acompanhar num passeio de snorkelling, mas deixou-nos em boas mãos, com o filho. Paramos em três diferentes locais ao largo de 7 Mile Beach, observamos corais, peixes e um fundo do mar que proporcionou duas horas de boas experiências..O Zimbali Retreats, perto de Negril, é um tipo de turismo diferente do que tem vindo a ser praticado normalmente na ilha. Longe das multidões, numa propriedade com mais de 30 mil metros quadrados, começamos por visitar os espaços de cultivo de ananás, coco, banana ou marijuana medicinal. Seguiu-se um jantar de seis pratos, responsabilidade da chef Alecia. O projeto de show cooking No Farm, No Food é uma forma de divulgar os produtos da terra e a importância dos produtores locais para a economia nacional. A ementa não podia defraudar: salada de papaia com coco e sumo de fruta, creme de abóbora com leite de coco, patties (os maravilhosos pastéis típicos) com cenoura e especiarias, camarão bem condimentado com bolo de banana, vinho e cerveja. Com rum velho para terminar, claro.."Estou desiludido. A Jamaica poderia ser muito melhor. Eu pensava, há 25 anos, que estaríamos noutra situação. Os políticos não fazem o suficiente. Com os recursos que temos, a Jamaica poderia ser um dos melhores países do mundo." O lamento é de Jimmie, comandante da jangada de bambu no rio Matha Brrae, uma das grandes atrações disponíveis para quem está na região de Montego Bay..De Bob Marley a Usain Bolt.O percurso é tranquilo, no meio da natureza e apto para todas as idades e condições físicas. Jimmie não perdeu muito tempo com lamúrias, optando por desfiar - ao longo das quase duas horas de viagem - alguns dos maiores êxitos de Bob Marley. Se há um quarto de século o rei do reggae era a figura jamaicana incontornável a nível internacional, hoje já não está sozinho. "Andei na escola com a mãe de Usain Bolt", dizia-nos Jimmie, ou JK Poling, de nome artístico, do alto dos seus 58 anos. O recordista mundial de 100 e 200 metros é orgulho de uma nação de velocistas. "Era um bom miúdo e continua a ser."Bolt é o herói nacional. Marley continua a ter um lugar privado no coração da nação jamaicana, mas os tempos, de facto, mudaram..Já encostados à margem, Jimmie reivindicou a sua gorjeta. O modo norte-americano de vida, com a quase obrigatoriedade de compensação monetária por um serviço prestado que, entretanto, já tinha sido pago, foi uma constante durante a estada. Conte com isso quando estiver a preparar o orçamento para esta viagem. O custo de vida no dia-a-dia é suportável pelas carteiras portuguesas, mas não se esqueça de juntar às contas algumas dezenas de dólares para gorjetas..Aruaques e taínos eram os povos da ilha quando Colombo e seus homens aqui chegaram, no final do século XV. Xaymaca, "terra de madeira e de água", era o que lhe chamavam os indígenas que não escaparam com vida para contar a história. Mortos pelos invasores e pelas doenças trazidas da Europa, os elementos destas tribos são hoje apenas uma memória da história jamaicana..Quem conseguiu escapar juntou-se aos revoltosos escravos trazidos de África e encontrou guarida nas montanhas, formando as comunidades Maroon. Essas, sim, chegaram ao século XXI. Em Charles Town, a 70 quilómetros de Ocho Rios, participamos no encontro anual de uma dessas comunidades, a Conferência Anual Internacional e Festival Maroon. Foi uma boa oportunidade para entender o apelo e a herança de outro continente. Afinal, estamos num país com mais de 90% da população a descender diretamente de africanos. Isso vê-se no dia-a-dia através da comida, da música, da dança, dos rituais ou da roupa..O lema "De muitos, um povo" faz parte da bandeira jamaicana. Além da influência africana, a costela europeia está presente no país. E a asiática também, como confirmamos ao falar com Elise Yap, jamaicana de gema com ascendência alemã e chinesa. É a dona do The Blue House, alojamento local em redor de Ocho Rios, outra novidade em contraponto aos gigantescos resorts. Leva-nos ao rio, bem perto de casa, onde duas mulheres e algumas crianças mergulham vestidas. Juntamo-nos. A água é bem mais fria do que no mar das Caraíbas, mas esse é o atrativo principal - em especial para os habitantes locais..A mesma satisfação pela baixa temperatura da água encontramos em Frenchman Cove, considerada uma das praias mais bonitas do mundo. O rio corre até ao mar e a divisão de público é simples: habitantes locais muito mais tempo em água doce; visitantes estrangeiros quase na totalidade a apanhar as ondas do mar. A envolvente natural é de filme e o local é tão exclusivo que só para aceder à praia são dez dólares por pessoa. Ali bem perto fica outro ponto imperdível na Jamaica: a lagoa Azul. Exato, a do filme de 1980 com Brooke Shields..Kingston, as atrações de uma capital outrora violenta.No dia seguinte acordamos bem cedo e partimos em direção a Kingston, a capital que quase sempre é desaconselhada aos turistas. A elevada taxa de crimes violentos entre as décadas de 1960 e de 2000 funcionou como travão para os mais afoitos, mas a partir de 2009 os números baixaram significativamente, quase um terço. Hoje, a capital da Jamaica pode e deve ser visitada porque não faltam razões de interesse..Comecemos pela mais turística: o Museu Bob Marley. Por 25 dólares americanos terá direito a entrar na casa para onde Marley se mudou depois de já ter alcançado a fama e o sucesso. A outra casa, onde viveu durante a infância, fica nas montanhas (Nine Mile) e funciona como mausoléu. Na capital os fãs podem encontrar discos de ouro e platina, cartazes, roupa, mesas de mistura, recortes de jornal e até as marcas das balas que foram disparadas contra o cantor em 1976. É demasiado turístico? Sim. Bob Marley concordaria com todo este merchandising e culto da personalidade? Provavelmente não, mas quem gosta de Bob Marley vai sentir-se em casa..A viagem pela vida de Marley continua em Trenchtown, onde alguns dos grandes sucessos do cantor foram compostos. O pátio de Trenchtown, os três pequenos pássaros à porta, tudo aconteceu neste bairro de concrete jungle que, de território de entrada proibida, passou a estar presente no roteiro de Kingston. Não só é possível visitar estes pátios (hoje virados para a atividade cultural), como também se pode lá dormir..Sempre em direção ao mar fica o sétimo maior porto natural do mundo - a Waterfront de Kingston. De um lado o oceano, do outro as montanhas, mas não umas montanhas quaisquer. São as Blue Mountains, onde ficam o ponto mais alto do país e as plantações daquele que é considerado um dos melhores cafés do mundo, o Blue Mountain Coffee, na Craighton Estate, em Irish Town..Os rastafaris.Nesta nação multicultural, terminamos a viagem com os rastafaris, que representam menos de 5% da população, mas continuam a ter uma aura especial na sociedade jamaicana. O seu modo de vida pode ser mais bem compreendido em Porto Bello, perto de Montego Bay..Foi lá que encontrámos Juan Love, guia da Aldeia Rastafari. O projeto começou há cerca de dez anos e por ali vivem umas 20 pessoas. "A ideia é construir uma comunidade que sirva de exemplo para outras comunidades", diz Juan. Sempre com um brilho nos olhos, guiou-nos pela história comum com a Etiópia, falou do imperador Haile Selassie, apresentou-nos aos restantes habitantes, deu-nos a provar os produtos que vendem por ali, como chocolate ou coco. Do momento em que se atravessa um pequeno rio para chegar à aldeia até ao segundo em que nos despedimos, Juan mantém a serenidade que conseguimos encontrar ao longo dos dias que aqui passámos..Passaram 25 anos, o modo de viajar e de fazer turismo na Jamaica mudou. A internet, a busca pela oferta personalizada ou a não massificação da viagem tornaram a experiência diferente, mas a Jamaica será sempre a Jamaica. E cá voltaremos, sem dúvida..Viagens em tempos de covid-19.O regresso ao trabalho na ilha do reggae deu-se a 1 de junho, mas com as limitações que agora são comuns a todos os destinos: distância social, máscara, higienização, por exemplo. Atualmente, cada viajante deverá preencher um formulário de autorização para entrar no país, no site oficial do turismo (visitjamaica.com). Além disso, a ilha está dividida em dois setores (junto à costa norte e à costa sul), onde é permitida a atividade turística..* editor da revista Volta ao Mundo