Dois irmãos pistoleiros, os manos Sisters, terror do Oeste americano. Estamos em 1851 e Charlie e Eli Sisters são pagos para matar e exímios a disparar. A nova missão deles passa por assassinar um prospetor de ouro, que descobriu uma forma fácil de encontrar o metal precioso. Mas Eli e Charlie, em plena perseguição, começam a afastar-se: um sonha com uma vida normal, o outro está cada vez mais violento e não quer deixar as emoções de uma vida a cavalo na paisagem americana..Os Irmãos Sisters é um western tão melancólico como divertido. Foi um dos filmes em destaque no circuito dos festivais da rentrée e é uma lufada de ar fresco no género: um western com a visão sempre livre de um dos maiores cineastas europeus, Jacques Audiard, Palma de Ouro em Cannes com Dheepan e autor de novos clássicos como O Profeta ou Ferrugem e Osso, aqui a filmar pela primeira vez em inglês, língua que não domina..Mas é cinema americano de Hollywood? Não, é cinema de autor, ponto. Ainda para mais, não há um fotograma filmado na América. Esta América da corrida ao ouro e da fronteira é todinha filmada na Roménia e em Espanha, como se Audiard estivesse a querer fazer uma espécie de blague. O velho Oeste para ele é uma imagem de crepúsculo seco, sem ecos desnecessários de homenagens cinéfilas muito agudas nem nada do género - o humor negro e a rudeza das personagens, embrulhadas em tom de conto sobre a ganância humana são sempre mais importantes..Que não haja enganos, estamos na presença de um western que é adulto sem deixar de ser uma coboiada. Tem tiros, duelos, perseguições a galope e poucas pieguices. Audiard também dispensa modernices ou jogos anacrónicos. De alguma maneira, é um western à antiga, apenas talvez com um sentido nostálgico do próprio género e um estudo de personagens sem travões no rocambolesco (às vezes, a empatia perde-se...)..Baseado no livro de Patrick DeWitt, Os Irmãos Sisters venceu em Veneza o Leão de Prata e está nomeado para os Césares (Academia francesa) e assume-se ainda como um filme de atores, dando-se a John C. Reilly um dos grandes momentos da carreira, ainda que Joaquin Phoenix e Jake Gyllenhaal estejam igualmente sublimes. Acima de tudo é também uma parábola sobre civilização..O bom cinema western não morreu e aqui carrega um sorriso inteligente e subtil, sempre em jeito de balada cómico-triste. Aquando da sua passagem por Portugal, no LEFFEST, Jacques Audiard falou com o DN..Lembro-me na estreia, no Toronto International Film Festival, o seu discurso. "Vão ver um belo filme", dizia aos espectadores... Parecia muito confiante..Fiz um filme que me deixou otimista! Essa projeção correu muito bem, o público no Canadá é imensamente caloroso. Não é que eles gostem de tudo, mas foi verdadeiramente agradável. Gosto de plateias que reajam e que estejam vivas. Em França as pessoas não reparam tanto na comédia deste filme ou, pelo menos, não reagem logo..O que passa então pela cabeça de um cineasta na véspera de uma première? Pode haver uma mistura de sentimentos de orgulho com insegurança?.Inquietude. No meu caso, antes de mostrar um filme em Cannes, Toronto ou Veneza não tenho ainda muitas opiniões seguras - o filme ainda está muito fresco. De alguma forma, nem sei bem o que fiz naquela altura... O público e os críticos é que me acabam por dizer o que é o meu filme..Mas não muda muito a sua perceção sobre os seus filmes com o passar dos anos?.Ai a minha memória! Tenho uma relação algo distante com os meus filmes mais antigos e, confesso, tenho dificuldades em encontrar respostas para certas questões que me fazem sobre esses filmes. Para mim, cada filme trouxe-me algo e isso não o esqueço. Trata-se de coisas que uso sempre para o próximo filme.. Os Irmãos Sisters não tem o olhar clássico dos cineastas americanos nem a distância de, por exemplo, Tarantino. É uma outra coisa....Outra coisa, sim. Quis ser modesto com o western. Sou francês e nós não temos qualquer história com o género. Para um americano, o western é parte constituinte da sua cultura. Para nós, franceses e portugueses, o mito não vem daí, talvez venha antes da literatura. Na América, a origem do cinema é mesmo o western e o primeiro grande filme chama-se O Nascimento de Uma Nação. Por isso digo: tive de ser modesto a fazer um western. Mais do que um western, Os Irmãos Sisters é um filme de época ou, vamos ser exatos, um western na forma de um conto. Quando escrevi o argumento com Thomas Bidegain pensámos muito em A Noite do Caçador e também em O Pequeno Grande Homem... Enfim, o western crepuscular....Depois, parece-me que se diverte a subverter o humor do género com melancolia....A personagem principal funde melancolia com otimismo. É alguém que quer uma mudança de vida e uma rutura com o passado. Aliás, as personagens carregam consigo essa dialética. Trata-se de um filme que explora a ideia da utopia..E esta é a primeira vez que trabalha com material que lhe foi proposto. Muda muito trabalhar dessa forma?.Por completo! Nunca antes tinha feito um filme sem que a ideia original fosse minha e achei muito curioso. Fazer este filme permitiu-me trabalhar algo que me é caro: a relação entre dois irmãos..O facto de não ter rodado na América pode querer indiciar uma ideia de dar a volta ao imaginário do western?.Nunca tive aquela paixão de rodar nos EUA. É longe e não é o meu país, mas já há muito que queria trabalhar com atores americanos. Eles investem na relação com a imagem de forma completamente diferente. Em França, os atores fazem tudo, mas na América há atores somente de cinema. Isso é muito complexo e requer um conhecimento específico. Quando estava a compor os planos, percebia-se logo isso. É complicado explicar isso... Mas, por outro lado, amo também muito os atores franceses, embora a escola francesa seja bem diferente, bem mais psicológica. Os atores franceses são extremamente comportamentais e somos obrigados a ter longas conversas sobre a motivação das personagens e isso até pode ser interessante. Desta vez, queria algo de novo e escolhi o grande John C. Reilly, alguém que trabalha com uma certa fisicalidade e que usa bastante a voz. O seu método é bem diferente do de Joaquin Phoenix que, faças o que fizeres, tens sempre ali o Joaquin Phoenix! Num certo sentido, não é bem ator, é uma personalidade, enquanto o John é capaz de fazer muitos tipos de personagens..Durante as filmagens teve algum tipo de problema de se perder na tradução? O Jacques não fala propriamente inglês....Fazer este filme e o anterior, Dheepan, pôs-me uma questão: a distância com a minha língua materna. Talvez não seja taxativo, mas depois destes filmes fiquei seguro de que não tenho de compreender tudo. Também não tenho o desejo de ser compreendido na íntegra. Na verdade, percebi que o que quero é ser surpreendido. Além do mais, nessas condições, a minha atenção era focada em outras coisas. Estou numa fase em que não quero dizer tudo tintim por tintim a um ator.