Isabelle Huppert não está particularmente muito faladora numa tarde de janeiro do ano passado. A sua intérprete golpista da comédia policial Agente Haxe, de Jean-Paul Salomé, não tem nada a ver com esta sua pose. Trata-se de uma personagem em que a atriz aplica a sua frieza habitual a um nível de excentricidade delicada. Uma espécie de pequeno jogo de diversão numa história onde a tal intérprete que trabalha para a polícia tenta usar o seu conhecimento de árabe para poder lucrar com um esquema de tráfico de droga. Um registo de humor truculento ligeiro e suave..Para Huppert, o desejo de protagonizar esta comédia começou quando leu o livro de Hannelore Cayre: "Gostei muito desse livro. A Hannelore é uma antiga advogada e gostei sempre de a ouvir na rádio. Por coincidência, o Jean-Paul Salomé queria adaptar o seu livro ao cinema... Conheço bem o Jean-Paul e foi uma coincidência feliz! Quisemos muito fazer este projeto. Atraiu-me imenso a ideia de representar uma mulher que está a ser imoral sem o saber. Esta mulher é também inconscientemente corajosa. Tudo o que mostra é algo que nem imaginava ter dentro de si"..Enquanto fala ao DN, Huppert está com uma agenda cheia de teatro e de cinema. Muito relutantemente volta a insistir que não há grandes diferenças na abordagem do trabalho: "Um espetador de cinema é que sente mais a diferença entre a experiência teatral e a cinematográfica. Ficção é ficção, sempre. Não muda ser em frente a uma câmara ou em frente a um grupo de espectadores". Espicaçada, volta a falar desta nova personagem: "O que mais gosto nesta profissão é de ser surpreendida, é de não saber o que vou fazer... A textura deste papel tinha precisamente isso. O que acontece à vida desta mulher é absolutamente imprevisível! Trata-se de uma situação que revela diversas camadas na sua personalidade"..Numa pequena pausa, pega numa chávena, de café ou de chá - mistério, mistério - e olha para baixo com um sorriso que não é cínico. Isabelle Huppert, tem dito muitas vezes e é verdade, aproveita estes encontros com a imprensa para encontrar formas de expressão daquilo que faz. Nesse exercício terapêutico vai dizendo que tem uma distância das personagens que não é pensada como forma de proteção: "O que se passa é que sou adepta dos atores que conseguem um pouco de distância das personagens. Essa distância dá ao público um maior espaço para apreciar a representação"..Por fim, volta a fazer uma confissão com um sorriso mais aberto: "Sou feliz a representar, mas também sou feliz quando não trabalho". Ao dizer isso, ri com uma elegância que é imagem de marca e reponde quando lhe falo sobre as armadilhas de ser consensual: "Sabe, às vezes falam mal de mim e isso é bom: quebra a monotonia. É muito aborrecido estar sempre a ser elogiada. Mas sei que me consideram uma boa atriz, pelo menos até agora...".Enquanto não a vemos num palco português às ordens de Tiago Rodrigues em O Cerejal ou no ecrã ao lado de Louis Garrel em L"Ombra di Caravaggio, Huppert está aí em pose provocante de drug dealer..dnot@dn.pt