Isabel dos Santos: do que é acusada a "mulher mais rica de África"?

A empresária diz que é tudo legal, mas os documentos revelados no "Luanda Leaks" mostram negócios irregulares envolvendo diamantes, propriedades, petróleo e comunicações. Com a ajuda do pai e de muitas contas em offshores.
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José Eduardo dos Santos foi presidente de Angola durante 38 anos. Durante grande parte desse período, a sua filha, Isabel dos Santos, teve acesso a negócios bastante lucrativos envolvendo propriedades, petróleo, diamantes e comunicações. Os documentos agora revelados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ na sigla inglesa) pretendem mostrar como muitos dos negócios de Isabel dos Santos, de 46 anos, "a mulher mais rica de África", podem ter envolvido inúmeras irregularidades.

Os documentos analisados pelos jornalistas do ICIJ de vários órgãos internacionais - entre eles os britânicos The Guardian e BBC, o americano The New York Times e português Expresso - revelam uma rede de 400 empresas, muitas delas offshore, relacionadas com Isabel dos Santos e o seu marido Sindika Dokolo, assim como a assistência que lhes foi dada por uma série de consultores e juristas americanos e europeus - incluindo portugueses. A investigação refere-se aos negócios ocorridos entre 1980 e 2018.

Andrew Feinstein, diretor da organização Corruption Watch, não tem dúvidas de que os documentos provam que Dos Santos roubou o seu país e todos os angolanos. "De cada vez que ela aparece na capa de alguma revista sobre luxo em alguma parte do mundo, de cada vez que ela promove uma das suas festas glamorosas no sul de França, ela fá-lo atropelando as aspirações dos cidadãos de Angola", disse à BBC.

Porém, os documentos revelados no caso "Luanda Leaks" não apanharam a comunidade financeira internacional completamente de surpresa. Desde que João Lourenço assumiu a presidência de Angola, o cerco em volta de Isabel dos Santos e da sua família começou a apertar-se.

Em março de 2018, a Procuradoria-geral da República angolana abriu uma investigação a administração da Sonangol, na sequência das declarações do presidente do conselho de administração da petrolífera, Carlos Saturnino, sobre "transferências monetárias irregulares ordenadas pela anterior administração da Sonangol e outros procedimentos incorretos" durante a liderança de Isabel dos Santos na empresa.

Em dezembro do ano passado o Tribunal de Luanda ordenou o arresto das participações de Isabel dos Santos e do marido Sindika Dokolo, nas empresas onde têm posição acionista, casos da Zap, Unitel, Cimentangola, Contidis e dos bancos BIC e BFA, assim como o arresto das contas bancárias do casal.

The New York Times e The Guardiam dizem que à medida que vão sendo conhecidos os escândalos a envolver a família Dos Santos, os grandes bancos têm evitado relações com o casal, por temer ficar associados a casos de corrupção. Segundo o jornal britânico pelo menos desde 2001 que Dokolo não consegue abrir contas bancárias em Londres e em Paris. Bancos como o Citigroup, o Deutsche Bank e o Santander já recusaram trabalhar com Isabel dos Santos.

Apesar de tudo isto, Isabel dos Santos afirma que as alegações contra ela são completamente falsas e que está a ser vítima de uma caça às bruxas, por motivos políticos, pelo atual governo de Angola. Num comunicado divulgado ao final da tarde de segunda-feira, a empresária afirma: "Em nenhuma parte destes documentos ou na sua divulgação foi demonstrado qualquer comportamento ilegal da minha parte ou das minhas empresas. É preciso questionar: quem beneficia do crime de obtenção ilegal destes documentos?"

Os vários órgãos de comunicação envolvidos na investigação ainda estão a publicar artigos sobre o assunto. Mas, para já, isto é o que sabe sobre Isabel dos Santos e o caso "Luanda Leaks":

A consultora do Dubai e a Sonangol

Em 2015 a Sonangol, empresa petrolífera estatal de Angola, estava em crise, em parte devido à quebra do preço do barril. Apesar de não ter qualquer experiência na área, Isabel dos Santos assumiu a liderança da Sonangol em 2016, através de um decreto do seu pai, com a tarefa de reformular a exploração de petróleo no país. Meses depois da retirada de Eduardo dos Santos da presidência, ela foi demitida.

Os documentos agora revelados, mostram que, durante o seu mandato na Sonangol, até novembro de 2017, Isabel dos Santos fez com que a petrolífera transferisse mais de 100 milhões de dólares de fundos públicos para uma empresa de consultoria no offshore do Dubai, a Matter Businesse Solutions. Trata-se de uma sociedade que era dirigida e tinha como única acionista Paula Oliveira, uma amiga de Isabel dos Santos. O principal advogado de Isabel dos Santos em Portugal desde 2006, Jorge Pereira de Brito, foi também o representante de Paula Oliveira no processo de criação da empresa, segundo confirmou o próprio ao Expresso, garantindo, no entanto, que nunca teve qualquer ação ou cargo nessa sociedade, limitando-se a exercer a sua profissão de advogado.

Desses cerca de 100 milhões de dólares, cerca de 58 milhões de dólares foram pagos em três transferências executadas já depois de a empresária ter sido demitida. No dia em que foi demitida, Isabel dos Santos enviou mais de 50 faturas para a Sonangol em Londres e alguns dos pagamentos foram aprovados por ela já depois de ter sido demitida.

A 15 de novembro de 2017, no dia em que João Lourenço assinou o decreto que afastou Isabel dos Santos da liderança da Sonangol, a conta da petrolífera tinha 57,3 milhões dólares mas 24 horas depois o seu saldo era de apenas 451 mil euros.

Embora se confirme que a Matter realizou alguns trabalhos de consultoria, há muito poucos detalhes nas faturas para justificar pagamentos tão elevados. Segundo a BBC, existe, por exemplo, uma fatura de 462 196 euros para "despesas não especificadas" e outra de 928 517 dólares para "serviços jurídicos não especificados". Duas das faturas têm o valor 676 339,97 dólares e são exatamente para o mesmo trabalho na mesma data - e ambas foram assinadas por Isabel dos Santos.

Os advogados da Matter Business Solutions explicam que apesar da data, as faturas referem-se a trabalhos que já tinham sido realizados. Também explicam que é comum as faturas não especificarem as despesas porque isso iria implicar uma enorme quantidade de documentos, mas a Matter disponibilizou-se para apresentar provas documentais que justifiquem todas as despesas.

Também os advogados de Isabel dos Santos afirmam que todos os pagamentos feitos são legais: "Todas as faturas pagas são referentes a serviços acordados entre as duas partes, segundo um contrato que foi aprovado com o pleno conhecimento e aprovação do Conselho de Administração da Sonangol".

A Galp e a Sonangol

Grande parte da fortuna de Isabel dos Santos vem da sua participação na Galp, empresa portuguesa de energia, que uma das suas empresas comprou à Sonangol em 2006.

Os documentos revelados mostram que ela só pagou 15% do valor e que os restantes 63 milhões de euros foram transformados num empréstimo de baixos juros à Sonangol. De acordo com o termos do empréstimo, revela a BBC, a dívida só teria de ser paga após 11 anos. Em 2017, a empresa de Dos Santos pagou a dívida à Sonangol mas não lhe foi exigido o pagamento dos quase 9 milhões de euros em juros devidos. Na verdade, nessa altura era ela a responsável pela Sonangol, por isso foi ela que aceitou os termos do pagamento da sua própria dívida.

A sua participação na Galp vale agora mais de 750 milhões de euros.

Em sua defesa, Isabel dos Santos afirma que o negócio também foi lucrativo para a Sonangol: "Não há absolutamente nenhuma irregularidade em nenhuma dessas transações. Esse é o investimento que gerou mais benefícios para a companhia nacional de petróleo e todos os contratos elaborados são perfeitamente legais."

Os diamantes de Sindika Dokolo

Em 2012, o marido de Isabel dos Santos, Sindika Dokolo, fez uma parceria com a empresa estatal de diamantes, a Sediam, para comprar uma participação na joalharia de luxo, suíça, De Grisogono. Apesar de ser bastante conhecida entre a elite, a De Grisogno enfrentava na altura sérios problemas financeiros e precisava de financiamento externo.

Deveria haver uma parceria 50-50 entre a Melbourne Investments (empresa de Dokolo) e a Sediam mas o financiamento foi maioritariamente estatal. Os documentos mostram que 18 meses após o acordo, a Sodiam tinha investido 79 milhões de dólares, enquanto Dokolo apenas tinha investido 4 milhões de dólares. Segundo o jornal The Guardian, os advogados de Sindika Dokolo rejeitaram estes valores e alegam que Dokolo terá investido 115 milhões de dólares na aquisição.

Além disso, para realizar a aquisição da De Grisogno, a Melbourne Investments contratou como intermediária uma empresa situada nas Ilhas Virgens Britânicas, a Almerk International, que recebeu 4 milhões de dólares da Sodiam pelo "aconselhamento financeiro". E, segundo é agora revelado, esta empresa pertencia na verdade a Sindika Dokolo.

Para realizar o negócio a Sodiam teve de pedir dinheiro emprestado a um banco privado, o Banco Bic, do qual Isabel dos Santos é a acionista maioritária. O empréstimo foi garantido por um decreto presidencial de José Eduardo dos Santos, assegurando assim que o banco não irá ter perdas. E a Sodiam tem de pagar juros de 9%. "No final, quando terminarmos de pagar esse empréstimo, a Sodiam terá perdido mais de 20 milhões de dólares", afirmou Bravo da Rosa, o novo diretor-executivo da Sodiam.

O ex-presidente também deu a Sindika Dokolo e Isabel dos Santos o estatuto de "compradores preferenciais" na aquisição de diamantes brutos de Angola. De acordo com os documentos revelados, alguns diamantes foram vendidos por valores bastante inferiores ao preço de mercado, prejudicando os cofres angolanos.

Os terrenos e os empreendimentos

Com a ajuda de decretos presidenciais de José Eduardo dos Santos, uma das empresas de Isabel dos Santos comprou um quilómetro quadrado de terreno numa zona privilegiada à beira-mar em Luanda, capital de Angola. O contrato diz que o terreno valia 96 milhões de dólares mas os documentos revelados mostram que a empresa pagou apenas 5% desse valor depois de concordar em investir o restante no empreendimento do Futungo.

O programa Panorama da BBC foi à procura de algumas das pessoas que foram despejadas desses terrenos e que foram recolocados num conjunto habitacional isolado, a 50 quilómetros da capital, muito longe do mar. Muitas dessas pessoas tiveram que mudar de trabalho ou recomeçar do zero as suas pequenas empresas. Outras 500 famílias foram despejadas de outro terreno na orla marítima de Luanda por causa de outro grande projeto de construção de Isabel dos Santos e vivem atualmente em barracas sem condições.

Isabel dos Santos afirma que não houve despejos relacionados com os seus projetos de construção e que as suas empresas nunca foram pagas porque os empreendimentos foram cancelados.

O negócio das telecomunicações

Em 1999, Isabel dos Santos adquiriu uma participação de 25% na Unitel, a maior operadora de telemóveis do país. A licença de telecomunicações tinha sido concedida pelo seu pai um ano antes. A parte que ela comprou pertencia a um alto funcionário do governo. Desde então, Dos Santos já recebeu mil milhões de dólares em dividendos da Unitel e a sua participação vale outro tanto.

Além disso, ela conseguiu que a Unitel emprestasse 350 milhões de euros a uma nova empresa, a Unitel International Holdings - mas o nome desta empresa é enganador porque ela não tem qualquer relação com a Unitel e era propriedade de Isabel dos Santos.

Os documentos revelados mostram que Isabel dos Santos assinou os empréstimos como credor e como tomador, em flagrante situação de conflito de interesses. Isabel dos Santos já reagiu: "Este empréstimo teve a aprovação dos diretores e dos acionista e é um empréstimo que irá gerar benefícios para a Unitel", disse. Os seus advogados também garantem que os empréstimos protegeram a Unitel das flutuações cambiais.

Uma situação bastante parecida aconteceu com a Jadeium, uma outra empresa de Isabel dos Santos. A situação chamou a atenção da empresa portuguesa PT Ventures - que era uma das acionistas da Unitel e que chegou a fazer uma denúncia formal na Câmara de Comércio de Paris, alegando que centenas de milhões em empréstimos efetuados pela Unitel às empresas fantasma holandesas de Isabel dos Santos eram um esquema para pilhar os ativos da Unitel em benefício da filha do presidente de Angola.

A reação de Isabel dos Santos

A empresária angolana afirma que a investigação é baseada em "documentos e informações falsas", num "ataque político" coordenado com o Governo angolano. "As notícias do ICIJ [Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação] baseiam-se em muitos documentos falsos e falsa informação, é um ataque político coordenado em coordenação com o 'Governo Angolano' (sic). 715 mil documentos lidos? Quem acredita nisso?", reagiu a empresária, através da sua conta do Twitter, acrescentando as tags "#icij #mentiras".

Isabel dos Santos ataca também os media portugueses SIC e o Expresso, que integram o consórcio de jornalistas que revelou mais de 715 mil ficheiros que detalham esquemas financeiros de Isabel dos Santos e do marido, Sindika Dokolo. Na conta do Twitter, onde escreve umas vezes em inglês e noutras em português, afirma que a sua "fortuna" nasceu com o seu "caráter, inteligência, educação, capacidade de trabalho e perseverança" e acusa a SIC e o Expresso de "racismo" e "preconceito", "fazendo recordar a era das 'colónias' em que nenhum africano pode valer o mesmo que um 'europeu'"

"Os 'leaks' são autênticos? Quem sabe? Ninguém...", escreveu no Twitter no domingo. Num outro tweet, escreve que "o povo de Portugal é amigo do povo de Angola e não podemos deixar que 'alguns' interesses isolados 'agitem' a amizade e respeito que conseguimos conquistar e construir juntos".

Entretanto, a empresária deu uma entrevista ao programa Panorama no canal inglês BBC na qual argumenta que "as autoridades angolanas embarcaram numa caça às bruxas muito, muito seletiva, que serve o propósito de dizer que há duas ou três pessoas relacionadas com a família dos Santos". "Lamento que Angola tenha escolhido este caminho, penso que todos temos muito a perder", disse.

A empresária argumenta que as empresas que lançou nos últimos 20 anos são competentes e geridas por bons profissionais. "Todos os meus negócios têm conselhos de administração extremamente bons, temos os melhores CEO [presidente executivo), os melhores COO [diretor financeiro], os melhores departamentos legais, e as pessoas são profissionais experientes, que trabalharam noutras empresas, e somos muito competentes", disse.

"Há alguma coisa de errado numa pessoa angolana ter um negócio com uma companhia estatal? Penso que não há nada de errado, tem de perceber que não se pode dizer que por uma pessoa ser filho de alguém é imediatamente culpada, e é por isso que há muito preconceito", afirmou a empresária.

Ana Gomes: Isabel dos Santos "é uma tremenda ladra"

"Obviamente que as autoridades [portuguesas] não podem continuar não só cegas, mas coniventes, porque é isso que tem acontecido. Sucessivos governos e governantes, alguns, em particular o Banco de Portugal e a CMVM [Comissão do Mercado de Valores Mobiliários], autoridades políticas e judiciais deveriam ter atuado", disse a eurodeputada Ana Gomes, estendendo as críticas à PGR portuguesa: "Muita desta informação já se sabia, além das minhas denúncias concretas". Portanto, todas estas instituições foram cúmplices nesta "roubalheira organizada da cleptocracia que espolia o povo angolano".

As "autoridades portuguesas não podem continuar a ser vistas como cúmplices por omissão", afirmou Ana Gomes, para quem as autoridades portuguesas "decidiram não agir porque isto era sancionado pelo Estado e pelos governos portugueses", permitindo a entrada em Portugal de "tanto dinheiro desviado do desenvolvimento que merece e tanto precisa o povo angolano". "É completamente imoral, a título pessoal ou no quadro de empresas, que portugueses colaborem" na transformação de Portugal numa "lavandaria da criminalidade que rouba Angola", acrescentou.

Em direto, na Sic Notícias, Ana Gomes afirmou que nada a move pessoalmente contra Isabel dos Santos: "O problema é que é uma tremenda ladra".

Price Waterhouse corta relações com Isabel dos Santos

A maioria das empresas envolvidas nos negócios suspeitos eram supervisionadas por contabilistas que trabalhavam para a empresa de serviços financeiros, Price Waterhouse Coopers (PWC). Mas, após a revelação dos documentos, a consultora PWC encerrou, esta segunda-feira, o seu relacionamento com Isabel dos Santos.

Tom Keatinge, diretor do Centro de Estudos sobre Segurança e Crimes Financeiros, disse à BBC que a PWC legitimou os negócios de Isabel dos Santos e das suas empresas. "Mesmo se não está a facilitar a corrupção, a PWC está a fornecer uma aparência de respeitabilidade que torna tudo aceitável", diz.

Já a PWC afirmou que se esforça por manter os mais altos padrões profissionais e tem um código ético consistente em todas as suas filiais. "Em resposta às alegações levantadas, que são muito graves e preocupantes, já iniciámos uma investigação e estamos a avaliar minuciosamente os factos", afirmou a PWC, garantindo: "Não hesitaremos em tomar as medidas apropriadas para garantir que defendemos sempre os mais elevados padrões de comportamento, em qualquer lugar do mundo em que operemos."

No mesmo comunicado, a empresa afirma que tomou "medidas para encerrar qualquer trabalho em curso para entidades controladas por membros da família dos Santos".

Empresária já não vai a Davos

O nome de Isabel dos Santos foi riscado da lista de intervenientes do Fórum Económico Mundial, que se realiza esta terça e quarta-feiras em Davos, na Suíça, e que vai contar com a presença de 50 chefes de Estado e cerca de 2 800 participantes.

A Unitel, empresa detida pela angolana, tinha pagado para ser um dos patrocinadores da conferência (seria até a primeira empresa angolana a integrar a lista de parceiros do Fórum Económico e Mundial), mas a organização está a reavaliar esse papel, avança o The Guardian.

EuroBic afasta-se de Isabel dos Santos

Na sequência das informações reveladas pelo caso Luanda Leaks, também o banco EuroBic informou em comunicado, esta segunda-feira, que decidiu "encerrar a relação comercial com entidades controladas pelo universo da acionista Eng.ª Isabel dos Santos e pessoas estreitamente relacionadas com a mesma."

A administração esclarece ainda que "os pagamentos ordenados pela cliente Sociedade Nacional de Combustíveis de Angola (Sonangol) à Matter Business Solutions respeitaram os procedimentos legais e regulamentares formalmente aplicáveis no âmbito da regular relação comercial existente entre este Banco e a Sonangol, designadamente os que se referem à prevenção do branqueamento de capitais."

Entretanto, o Banco de Portugal comunicou que "retirará as devidas consequências, nomeadamente em matéria prudencial e contraordenacional", de informação recebida do EuroBic, solicitada na sequência da divulgação dos Luanda Leaks. No mesmo documento, o banco central afirma que "pediu hoje ao EuroBic informação que permita avaliar o modo como a referida instituição analisou e deu cumprimento aos deveres a que está sujeita em matéria de prevenção de branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo".

Autoridades portuguesas mantêm-se atentas ao caso

O Ministério Público vai analisar a informação tornada pública no âmbito dos Luanda Leaks e "desencadeará os procedimentos adequados". Numa resposta enviada à agência Lusa, a Procuradoria-Geral da República (PGR) refere que "o Ministério Público não deixará de analisar toda a informação que tem vindo a público e de desencadear os procedimentos adequados no âmbito das suas atribuições", garantindo que "dará seguimento aos pedidos de cooperação judiciária internacional que lhe sejam dirigidos".

Também o secretário de Estado das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, afirmou esta segunda-feira que o Governo português está "obviamente atento" às revelações dos esquemas financeiros da empresária angolana Isabel dos Santos em Portugal, mas aguarda "com serenidade" as investigações. "Não é algo que caiba ao Governo dar resposta a indícios, quer sejam de natureza contraordenacional, quer sejam de natureza totalmente criminal", declarou Ricardo Mourinho Félix, falando aos jornalistas portugueses, em Bruxelas.

Questionado sobre o possível impacto dos esquemas financeiros de Isabel dos Santos no Produto Interno Bruto (PIB) português, o secretário de Estado das Finanças assinalou que esta "é uma questão que apareceu e que está a ser acompanhada pelos reguladores", não avançando com mais detalhes. "Com serenidade, vamos aguardar pela avaliação, pelo trabalho dos supervisores e, eventualmente, das autoridades judiciais competentes para olhar para essa questão", adiantou, insistindo que "os indícios [...] terão de ser acompanhados pelas autoridades".

O que é o Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação?

O Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (CIJI), mais conhecido pela sua sigla inglesa ICIJ , é uma rede mundial de colaboração de jornalistas, organizada com o objetivo de potenciar a investigação conjunta de vários profissionais e a mobilização de vários meios de comunicação social na divulgação das histórias produzidas. O ICIJ foi fundado em 1997 sob a égide do Centro para a Integridade Pública, uma organização norte-americana fundada em 1989, sem fins lucrativos, que promove o jornalismo de investigação sobre matérias de corrupção, abuso de poder e transparência das entidades públicas e privadas. O fundador de ambas as estruturas foi Charles Lewis, que antes de fundar o ICIJ era jornalista no programa 60 Minutos, a estação de televisão norte-americana ABC.

Este consórcio compreende, atualmente, mais de 190 jornalistas de 65 países diferentes, entre os quais se conta Portugal. Rui Araújo e Micael Pereira são os dois jornalistas portugueses que fazem parte do ICIJ. O jornal Expresso e o canal TVI24 são os dois meios portugueses parceiros do ICIJ. Outros parceiros são BBC e The Guardian (do Reino Unido), The Washington Post e The New York Times (EUA), El Confidencial (Espanha), Le Monde (França), O Estado de São Paulo (Brasil).

O ICIJ funciona com equipas multinacionais, apoiadas por advogados, técnicos informáticos e investigadores com o objetivo de reunir o máximo de informação, através do cruzamento de fontes. O financiamento é assegurado por um conjunto de fundações (maioritariamente norte-americanas) e por apoios privados, onde se destaca o empresário australiano Graeme Wood.

O ICIJ foi o responsável por outras investigações, entre as quais o "SwissLeaks" (2015) ou os "Panama Papers" (2016).

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