A banda do Porto está a reinventar-se e já não quer ver só os aviões, agora também voa sozinha. Deixou a editora onde esteve alguns anos e está independente e dona do seu destino. Os três membros da banda de musica pop, Mário "Marlon" Brandão (MMB), João "Salsa" Salcedo (JSS) e Luísa "Nena" Barbosa (LNB) dizem estar à vontade com isso. Ideias não lhes faltam. Novos formatos, novas músicas - a próxima a sair dentro de dias. A brincar, chamam a esta fase os Azeitonas 3.1. Sobre isso e muito mais, uma conversa, por Zoom, graças à pandemia, que começa por aí mesmo. Está a fazer um ano que vivemos em pandemia. Sendo certo que o setor da cultura tem sido dos mais afetados, como tem agido e reagido à situação? MMB - A incerteza do futuro tem sido um dos maiores problemas. E ainda hoje o é. Se na altura soubéssemos que seria um ano inteiro assim, tínhamo-nos organizado melhor. As coisas foram sendo empurradas com a barriga. Os concertos de verão foram sendo adiados, de julho para agosto, de agosto para setembro, foi um stress e uma grande incerteza não haver concertos e de não poder ganhar a vida. Tivemos de nos reinventar. No fundo foi um processo pelo qual já estávamos a passar depois de termos saído da editora. Agora, independentes, estamos a preparar os novos lançamentos, como os vamos comunicar, como os vamos gravar, etc. Em traços gerais, notámos que, ao mesmo tempo que a pandemia ia evoluindo, os artistas começaram a perceber que o modelo está a mudar e que surgem outras oportunidades. E já conseguem descortinar esse "novo modelo"? MMB - As bandas sempre estiveram muito focadas nos concertos, porque era o que rendia mais financeiramente, era o ganha-pão. E há que dizer que, no geral, os artistas eram meio preguiçosos com as tecnologias e com a internet, ou melhor, não precisavam tanto dessas plataformas, mas agora precisam. Por isso o caminho do online, que já existia, vai ser olhado com outros olhos. E o próprio público vai começar a perceber que tem de pagar por algum tipo de conteúdos. As ferramentas tecnológicas estão a ser melhoradas e já há artistas a fazer video on demand. Contudo, quando os concertos voltarem, penso que a maioria se vai concentrar nisso. Mas muitas bandas, como nós, vão tentar diversificar os seus rendimentos, para não estarmos só dependentes dos concertos. JSS - É bom que no futuro se consiga oferecer produtos diferentes em plataformas diferentes. Pode não ser por necessidade, como agora, mas há que pensar também que alguém que esteja do outro lado do mundo possa querer ver um concerto nosso em sua casa e pagar por isso. MMS - Mas nota-se a falta que fazem os concertos às pessoas e aos artistas. Os espetáculos ao vivo são insubstituíveis. JSS -Um bom exemplo de dois mundos, supostamente opostos, que crescem em paralelo é o streaming e o vinil. Há espaço para tudo e cada um cumpre o seu propósito. O streaming continua a crescer mas vendas em vinil também. As pessoas necessitam de algo físico que possam tocar e perderem algum tempo com isso. LNB - Com a pandemia percebemos também que o ser humano estava a viver a um ritmo alucinante. Um exagero de stress, encharcados de informação de tal ordem que não temos capacidade de concentração. Acho mesmo que a espécie humana está tão desgastada que está a a pedir para desacelerar. Estamos tão cansados de informação que nem somos incapazes de ler uma notícia, quanto mais entendê-la. E os media têm muita culpa no cartório. E viu-se isso nos Estados Unidos, que quase deram cabo da democracia por causa do sensacionalismo e da desinformação da população. Mas além dos novos hábitos trazidos pela covid e de se terem reinventado, o que é bom, nem tudo correu bem, certo? LNB - Sim. Dou o meu exemplo, sou formada em Veterinária e se não fosse essa minha bengala eu estaria a zeros financeiramente. Os apoios do Estado são surreais, são quase inexistentes. MMS - E há que falar dos técnicos também. Acho que já perdemos muita gente para outros áreas. Há muito mais gente a trabalhar na cultura do que se pensava. As pessoas não tinham essa noção, não é um nicho, são milhares de pessoas que gerem milhões..Citaçãocitacao"Para esta nova fase desafiamos alguns amigos nossos para nos enviarem músicas. O mais interessante é que todo eles têm uma ideia do que é música para os Azeitonas.". Voltando ao vosso percurso, saíram da editora, e agora? O que vos trouxe isso de bom e de mau? MMS - Trouxe-nos liberdade para decidirmos o que fazer com as nossas músicas e com o nosso repertório. A relação com a editora funcionou bem durante uns tempos, estávamos com eles desde 2014/2015. Mas é como os namoros, quando uma das partes começa a ficar menos interessada, cada um deve seguir o seu caminho. E porque não procuraram outra editora? MMS - Editoras nunca mais! [risos] A verdade é que, hoje em dia, os artistas têm todas as ferramentas para serem independentes, não percebo a fetiche dos músicos com as editoras. Claro que para um artista emergente as editoras são importantes.. Têm uma nova música, Guitarrista do Liceu, que será lançada no dia 12 de fevereiro. E um novo caminho musical? Há muitas diferenças com o passado, quando eram quatro, com o Miguel Araújo na banda? MMS - Sim, é uma nova fase. Costumamos brincar que quando o Miguel saiu passamos a ser 3.0 e agora estamos em evolução e já estamos nos Azeitonas 3.1. O nosso último trabalho, Banda Sonora, de 2018, já foi um salto que fizemos na composição e um desafio que aceitamos depois da saída do Miguel - que fazia a maior parte da composição. Na altura decidimos continuar os três e ficamos contentes com o resultado. Claro que se nota uma diferença, mas continua a ser Os Azeitonas. JSS - Em princípio há de ser um álbum. Temos esta música agora, se calhar em maio vamos lançar outra. Temos já mais de 10 músicas. E para esta nova fase desafiamos alguns amigos nossos para nos enviarem músicas. O mais interessante é que todos eles têm uma ideia do que é música para os Azeitonas..Amazonamazonhttps://d3vwjd61t0la3.cloudfront.net/2021/02/azeito_20210202204358/hls/video.m3u8. E o que é "música para os Azeitonas"? MMS - É pop com um toque meio vintage, nostálgico, que tem a ver com as nossas influências. Mas é pop. Usamos o cliché sem medo e sem vergonha. Além da música, das vossas novas ideias o que estão a pensar fazer em breve? JSS - Logo no início do primeiro confinamento começamos a pensar em fazer concertos em cima de telhados, em carrinhas abertas, concertos online com cada um de nós em suas casas. E pensamos logo se devíamos juntar tudo num site para puder ser subscrito. MMS - Agora temos uma sala de ensaio no Estúdio Rangel, um estúdio aqui do Porto com muita história, onde muitos artistas gravaram lá, como o José Mário Branco, entre outros, e a ideia é pegar nessa nossa sala como um palco online. Estamos a preparar isso, o que com a pandemia ainda faz mais sentido. Voltamos à história do início da nossa conversa: as bandas têm de pensar noutros tipos de formatos. Temos também uma ideia para um talk show e no fundo das nossas cabeças ainda temos a ideia de fazer um musical. As nossas músicas são muito cinematográficas. JSS - E ainda temos um álbum acústico, que foi gravado em 2017, pronto a lançar, que ainda não o fizemos por questões com a editora. Uma última pergunta: há uma forma de fazer música no Porto diferente da que se faz em Lisboa? MMS - Acho que há. A geografia muda as pessoas. No Porto existe uma cultura diferente, e não é à toa que muitas das bandas de referência nacional são daqui, sentimos que se as pessoas são diferentes, a música é diferente. Não é melhor ou pior, é diferente. JSS - Há uns tempos acho que havia um certo tipo de raiva, de bairrismo. Nós, felizmente, já crescemos numa altura em que isso já não existia. Aliás, a nossa nova música é escrita pelo Pedro da Silva Martins, que era dos Deolinda. E o Pedro é de Lisboa.