Chegámos a um momento em que as premissas das expectativas de um filme de grande lançamento nos EUA vivem do valor dos seus spoilers ou da sua preservação. De repente, ou talvez nem muito, aí está a cultura do spoiler em todo o seu esplendor . Esta terceira parte do Spider-Man reinventado por Jon Watts é toda ela uma enorme promoção Hollywoodesca dessa casca de marketing, aquilo que não se pode revelar. Ou seja, um petardo promocional que vive em função de se poder conferir os rumores. Em última análise, é o blockbuster que os fãs com maior dissonância cognitiva merecem. E é porventura o menos interessante desta série, mesmo quando se tem a ambição de se querer dissecar a alma do imaginário deste herói..E numa altura em que cada filme de super-heróis tem dois ou mais trailers, já não será spoiler avisar que esta nova aventura leva Peter Parker a ter de enfrentar os vilões dos Homem-Aranhas de outros filmes, tipos como Doc Ock, de novo interpretado por Alfred Molina, o dr. Norman Osborn (um Willem Dafoe em modo Nicolas Cage...) ou o Electro de Jamie Foxx, revelado na fase em que o detentor do fato era Andrew Garfield. Trocado por miúdos, uma trip pelas possibilidades do "multiverso", uma realidade paralela que o MCU (Marvel Cinematic Universe) tem agora à disposição dos argumentistas. Pois bem, graças a um feitiço do Avenger Doctor Strange, Peter para tentar que o mundo esqueça a sua identidade como super-herói, é obrigado a enfrentar vilões do passado ou de um realidade alternativa que associam o nome de Peter Parker a Homem-Aranha. Confuso? A ideia é mesmo baralhar. Pelo meio, a namorada e o seu melhor amigo estão atrás de portais mágicos a tentar que o rapaz das collants azuis consiga se ver livre de vilões de outras trilogias. A dada altura, o feitiço começa a ter resultados nefastos e Peter não consegue evitar uma tragédia na família, mesmo quando interioriza de uma vez por todas a frase: "Com grandes poderes chegam grandes responsabilidades"..Se a fórmula de um filme Marvel aqui está mais acentuada do que nos anteriores filmes (e que simpático era Homem-Aranha - Regresso a Casa), essa carga de cumprimento de encargos com o fio à meada da novela criada por Kevin Feige, parece amarrar demasiado a intriga. Pior de tudo, o próprio compromisso pesadão do tom e da escala - não se duvide: este Homem-Aranha - Sem Volta a Casa é desnecessariamente sisudo e pouco competente em desejar ser o Endgame para a saga Spider-Man. Mesmo não sendo da Disney, este acordo com a Sony faz com que Jon Watts filme como o livro de estilo do MCU, o que obriga a doses cavalares de batalhas em green screen, coreografias de lutas nada convincentes e a habitual propensão para os efeitos visuais serem pretextos para muito ruído e explosões sem potência. É muito poucochinho e torna-se aflitivo ver atores como Willem Dafoe ou mesmo o pobre Tom Holland em correrias e saltinhos digitais....Por outro lado, um filme como este parece ser criado por um sistema de algoritmo, sempre a pensar no divertimento ligeiro e inocente juvenil. Se nos anteriores dois essa aproximação etária era assumida e tratada com inteligência, aqui parece tudo mais espalhafatoso e sem a mesma pureza. O tal sentido de diversão não escapa à máquina trituradora que parece querer oferecer sempre maiores cenários de batalhas, efeitos mais tresloucados e o tique do rasto de destruição de edifícios e pontes... Poder-se-á dizer que é isto que os fãs querem, que este é um filme para os fãs. Fica só uma pequena interrogação: se é para os fãs já não pode ter boas ideias de cinema? E atenção que chegam indicações que os resultados de bilheteira serão esmagadores, só em Portugal já é público que os números das pré-vendas são estonteantes....Com um conceito trapalhão, cozinhado pela máquina da Disney-Marvel (no fim dos créditos até surge um teaser do próximo Doctor Strange in the Multiverse of Madness), este Spider-Man é atropelado pelas habituais concessões das piores sequelas deste campeonato onde tudo está ligado e onde os feitos dos Vingadores são esporadicamente revelados e nos quais os diversos super-heróis cruzam-se de forma mais ou menos aleatória. Fica realmente a sensação de que a exagerada tomada sentimentalona do filme era escusada. Com mais ou menos choradeira sentimos que o efeito dramático é anulado quando fica estampado que nada ali é vital. Este Spider-Man que ainda está a tentar lidar com as hormonas e sonha ganhar uma bolsa no MIT pedia uma carga mais light. Não deixaram. Ganhou o espetáculo embrutecido. A Sony e a Marvel tinham uma personagem que resultava, quiseram que ela ficasse maior. Maior não é melhor... E até a química teen entre Zendaya e Tom Holland parece que secou. Felizmente, há uma ou outra piada resultante de uma surpresa que não pode ser revelada. E lá se volta a essa praga do spoiler e do rumor... Apetece dizer que este blockbuster se destrói depois do primeiro fim de semana quando as redes sociais confirmarem a tal "surpresa" esperada..dnot@dn.pt