Está na corrida para um cargo europeu? Não me cabe a mim decidir. Sou europeia, fui uma primeira-ministra pró-europeia e considero-me não só qualificada, porque trabalho em instituições europeias há duas décadas, mas também porque acredito que nenhum dos problemas se resolve sem mais integração europeia. Seja as alterações climáticas, seja as questões de segurança e de cibersegurança, seja regular as empresas tecnológicas, todas estas questões só se podem enfrentar se trabalharmos juntos na União Europeia. Acredito nisso com toda a convicção e, claro, cumprirei sempre o meu dever como europeia para avançarmos..Portanto, não se retirou da política? Nunca me cansarei de falar de política europeia. É uma paixão na qual acredito. Os europeus têm de trabalhar juntos se queremos enfrentar as grandes questões que os nossos cidadãos querem ver resolvidas..Em 2011, tornou-se primeira-ministra graças ao apoio do Partido Social Liberal, de Margrethe Vestager, que foi sua vice-primeira-ministra e ministra da Economia e do Interior. Vestager seria uma escolha acertada para presidente da Comissão Europeia? Eu indiquei-a para comissária, por isso acredito firmemente nela e nas suas capacidades para desempenhar os mais variados cargos europeus..Quais são as principais qualidades de Vestager? Desempenhou de forma fantástica o seu cargo de comissária da Concorrência ao conseguir que a União Europeia passasse a legisladora neste campo. Fiquei muito satisfeita por ela..Foi eleita pela primeira vez para o Parlamento Europeu em 1999. O que aprendeu em Bruxelas? Já estava em Bruxelas antes de ser deputada. Fui assistente da delegação dos sociais-democratas dinamarqueses e depois estive cinco anos como eurodeputada. Penso que é um dos melhores lugares para mergulhar na política europeia. Trabalhei com legislação europeia, com segurança e higiene no trabalho, com o novo tratado, que veio a ser o Tratado de Lisboa. Eu era muito nova e foi um excelente local para aprender sobre a política europeia. Valorizo muito esse capítulo da minha vida política..As instituições europeias estão a funcionar bem? Acredito no trabalho conjunto, mas também temos de reconhecer que é muito difícil 28 ou 27 Estados membros encontrarem soluções juntos. Mas se olharmos para o que alcançámos, após a crise financeira, com todas as diferentes questões que tivemos de enfrentar nos últimos cinco anos, estou muito otimista em relação à nossa União. Conseguimos resolver questões. Algumas vezes não foi bonito, mas conseguimos resolvê-las. Isso aplica-se tanto à forma como salvámos o euro como a algumas políticas de trocas comerciais ou às empresas tecnológicas. Resolvemos muitos assuntos e sempre em dificuldade crescente. A democracia precisa de tempo e trabalharmos unidos quando cada um tem o seu interesse é muito difícil. Mas, apesar disso, devemos ter orgulho na nossa União..Qual a maior ameaça à Europa: a inação do establishment, o populismo ou as alterações climáticas? Não queria escolher nenhuma delas. As alterações climáticas são um tema sobre o qual as populações estão a exigir que se faça mais. Sabemos também que essa é uma área em que temos de dar um impulso ao resto do mundo e de nos unirmos para estarmos na frente do combate. Esse é o maior desafio do momento e as novas gerações exigem que passemos à ação..Ainda sobre o populismo. Na Dinamarca o seu partido venceu as eleições e vai formar uma coligação de esquerda. É justo dizer que os sociais-democratas adotaram a retórica da extrema-direita? Não diria retórica. Penso que os sociais-democratas certificaram-se de que ouviram as reivindicações sobre relações externas e sobre as políticas de imigração para lhes dar uma nova forma. Isso também significa que vão ficar mais alinhadas com os partidos de extrema-direita. Mas com a formação do governo isso ficará contrabalançado. Não creio que seja acertado falar de retórica, mas de políticas..Numa entrevista que deu à BBC concordou com a necessidade de integrar os imigrantes, que aprendam a língua e que entrem no mercado de trabalho. Temos de encontrar uma maneira de lidar com o tema da imigração que seja justa e que se ligue à integração. Uma coisa que não podemos fazer é desligarmo-nos das pessoas..Há uns anos a chanceler Angela Merkel disse que o multiculturalismo falhou. Concorda? Temos de elevar o nível da discussão sobre a integração. Todas as pessoas têm direitos mas também obrigações. Acredito que podemos ter um diálogo sem racismo e em que não seja necessário apontar o dedo a ninguém, que seja inclusivo..É casada com um deputado britânico [Stephen Kinnock, filho dos políticos trabalhistas Neil e Glenys Kinnock] e vive em Londres. Boris Johnson é a pessoa certa para resolver o impasse do Brexit? A forma como o Reino Unido abordou as negociações nos últimos três anos criou uma situação muito grave. O mais provável neste momento é que o Partido Conservador eleja Boris Johnson como líder e que retire o Reino Unido da UE até 31 de outubro sem acordo. Não é um cenário feliz para a Europa e de certeza que não é feliz para o Reino Unido. No entanto, sinto-me muito orgulhosa da UE pela forma como geriu e se manteve unida perante uma situação muito difícil. Fez o que devia fazer durante todo o processo e foi bastante flexível em relação à posição do Reino Unido..A saída do Reino Unido da UE preocupa-a? Muito. Vejo um país dividido, um país no qual os elementos das famílias se dividem em europeístas e pró-Brexit. Não creio que seja positivo para o país. O Reino Unido era um país que costumava ultrapassar as diferenças e preocupa-me que no próximo capítulo, que deverá tirar os britânicos da UE sem um acordo, não se vai fazer a ponte entre as duas margens..Deixou de presidir à Save the Children há duas semanas. Porquê? Fui administradora executiva durante três anos e meio e adoro as crianças e a causa pela qual temos lutado, mas também tive a oportunidade de fazer outras coisas. Estou em várias administrações, como não executiva, e continuo em think tanks, como o International Crisis Group, e quero estar num papel mais livre..A sua última campanha foi sobre as crianças vítimas da guerra. Em termos globais, as vidas das crianças melhoraram nos últimos 20 anos: têm mais saúde e melhor educação. Mas o que tem impedido o progresso das crianças é que há cada vez mais crianças a viver em zonas de guerra ou de conflito. Ao mesmo tempo vemos que a natureza da guerra mudou, chegou mais às áreas urbanas e os cercos e o bombardeamento são cada vez mais comuns. As regras da guerra têm sido cada vez mais ignoradas, o que significa, por exemplo, que locais como escolas ou hospitais são alvejados com regularidade, com pesadas consequências para as crianças..Alguma história em particular que a tenha tocado? Vi muitas crianças em zonas de conflito, mas talvez o pior sítio no mundo para as crianças seja o Iémen. E é uma situação criada pelo homem, não foi a natureza. Estive lá no ano passado e o que se vê é devastador. É tão triste que as crianças estejam a morrer de fome ou de doenças que devíamos conseguir tratar, como a cólera, erradicada da Europa há cem anos..O país que mais contribui com doações à Save the Children, os EUA, tem uma política de imigração na qual separa os pais das suas crianças. Notícias recentes dão conta de crianças em custódia em condições indignas. Devemos respeitar os direitos da crianças e estes estipulam que as crianças devem ficar com os pais e que nunca devem ser colocadas em detenção. Não sei os pormenores do que acontece nos EUA, mas parece que os norte-americanos não estão a cumprir esses padrões básicos.