Basta uma pesquisa no Portal da Queixa e as histórias sucedem-se. A mais recente data de 5 de novembro e é assinada por João Cunha. O pai, "doente oncológico pulmonar, com metástases ósseas, diagnosticado recentemente", solicitou o Atestado Médico de Incapacidade Multiuso e o tempo previsto para que seja avaliado por uma junta médica é de "oito meses a um ano". Sem o atestado, não tem direito à sua retribuição mensal nem a isenção das taxas moderadoras..Há quem não viva o tempo suficiente para ser avaliado, reconhece Mário Durval, delegado de Saúde Regional de Lisboa e Vale do Tejo, que se queixa da falta de recursos humanos - há menos médicos do que há dez anos - mas sobretudo das crescentes exigências da Segurança Social.."Ainda nesta semana recebemos uma queixa de uma senhora que só iria ser chamada [para ser avaliada por uma junta médica] em 2020. O que nós fazemos em casos de doentes terminais é passar estas pessoas à frente para que o óbito não aconteça antes de receberem o benefício", explica ao DN o também diretor do departamento de Saúde Pública da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT).."Já me aconteceu, quando fazia domicílios [em casos específicos é possível a junta deslocar-se a casa do doente], chegar lá e a pessoa já ter morrido", conta o médico de Saúde Pública..Em 2018, houve um aumento de 65% de pedidos em todo o país.Os números evidenciam esta realidade: desde janeiro de 2011 até junho de 2018 foram realizadas 435 067 juntas médicas de avaliação de incapacidade (JMAI) em Portugal continental, sendoque, em 2017, foram efetuadas 66 429, o valor mais alto deste período. No ano de 2017 registou-se um aumento de 210% de JMAI comparativamente com 2011 e 9% em relação a 2016..Em 2017 registaram-se 75 145 pedidos de JMAI em Portugal continental. As ARS Norte, Centro, Alentejo e Algarve registaram, no primeiro semestre de 2018, um aumento de 65% de pedidos em comparação com o mesmo período do ano anterior - na ARS Lisboa e Vale do Tejo, apesar de ainda não existirem números oficiais, os valores andarão perto desta percentagem, de acordo com Mário Durval..Também os pedidos de junta médica no domicílio aumentaram. Em 2017 foram 3902 e no primeiro semestre de 2018, as ARS Norte, Centro, Alentejo e Algarve registaram um aumento de 148% de domicílios em relação ao primeiro semestre de 2017..Ainda não há números referentes ao segundo semestre de 2018 e ao ano de 2019, mas o diretor do departamento de Saúde Pública da ARSLVT garante que não houve uma redução dos pedidos, antes pelo contrário..Tempos de espera médios podem chegar aos seis meses."Temos pouco mais de 300 médicos de saúde pública nos centros de saúde. São sensivelmente os mesmos de há três anos e menos do que há dez anos", diz Mário Durval. A falta de clínicos, aliado ao aumento dos pedidos, explica que o tempo de espera possa chegar a um ano, como na queixa apresentada por João Cunha no Portal da Queixa.."Eu diria que a média no tempo de espera é de cinco a seis meses, mas depende de ARS para ARS", aponta o delegado.."Os atrasos são inevitáveis. Se tentássemos responder dentro dos prazos das juntas [60 dias é o prazo legal], deixaríamos para trás as atividades de saúde pública, nomeadamente a vigilância epidemiológica das doenças transmissíveis ou o planeamento em saúde. Existem centros de saúde em que [os médicos de saúde pública] gastam entre 50% e 75% do seu tempo com as juntas médicas", diz Mário Durval..Além da falta de profissionais - uma junta médica é constituída por três médicos, um presidente e dois vogais -, o aumento do número de juntas corresponde a novas abrangências fora da finalidade inicial do atestado que era para fins fiscais. "Em primeiro lugar foi a introdução da isenção das taxas moderadoras e posteriormente várias exigências da Segurança Social", sublinha o responsável..O boom de pedidos aconteceu em 2012, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de novembro, que regula o acesso às prestações do Serviço Nacional de Saúde no que respeita ao regime das taxas moderadoras e à aplicação de regimes especiais de benefícios..Os utentes com grau de incapacidade igual ou superior a 60% estão isentos do pagamento de taxas moderadoras - mas para isso é necessário que entreguem o atestado médico de incapacidade multiuso que só poderá ser atribuído por uma junta médica.."Quando introduziram a obrigatoriedade dos 60% [de incapacidade] para se ter direito à isenção da taxa moderadora, o que aconteceu foi algo arrasador, com o número de juntas a subir para mais do dobro", diz Mário Durval, que critica o facto de, atualmente, ser necessário o atestado para "quase tudo": "Até para se ter acesso a fraldas, já não serve apenas a receita do médico", critica.