Greve Climática. "Nós não vamos desistir até ganhar"

Nas ruas de Lisboa pela quarta vez, os jovens não desistem da missão ambientalista. Milhares concentram-se na praça Luís de Camões e seguem em direção à Assembleia da República, esta sexta-feira, para chamar a atenção para a conferência onde deverão ser decididas novas metas de combate às alterações climáticas. Sem esquecer as lutas nacionais.
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Faltaram às aulas ou ao trabalho e estão zangados. Pedem mais ação aos políticos: o encerramento das centrais de carvão, um travão em projetos que aumentem as emissões de gases poluentes nacionais, como a construção do novo aeroporto do Montijo, e novas metas mais eficientes contra as alterações climáticas na 25.º Cimeira das Nações Unidas pelo Clima, que começa na próxima segunda-feira, em Madrid, Espanha.

"Não consigo ver o planeta a arder e não fazer nada",diz, ao DN, Beatriz Farelo, 20 anos, ainda na Praça Luís de Camões, na baixa de Lisboa, antes da manifestação começar a dirigir-se para a Assembleia da República. A lisboeta estuda Ciências Políticas e está a fazer Erasmus na República Checa, mas não perdeu a oportunidade de vir mais cedo passar o natal para estar presente no quarto protesto dos estudantes contra as alterações climáticas.

A expectativa quanto ao número de manifestantes era pequena, porque o protesto foi agendado com pouco tempo de antecedência, e de facto a adesão ficou muito aquém da última manifestação que juntou mais de cem mil pessoas. Mesmo assim, milhares de jovens, pais e avós seguem em direção ao Parlamento, porque o movimento ganha cada vez mais apoio e há gente de todas as idades. "Queremos ajudar estes jovens e as crianças mais pequenas que ainda não têm voz. Juntamo-nos a eles para manter vivo este movimento, que reconhecemos como sendo crucial para o movimento climático global ", diz, ao DN, Ana Matos, representante do "Parents For Future", um eco dos protestos juvenis. Tem dois filhos, um com sete e outro com 10."São a motivação mais emocional" para aqui estar, mas não descarta o resto: "Quem não tem filhos, tem sobrinhos, tem vizinhos. É a causa. Queremos o melhor planeta possível para as futuras gerações".

E o futuro responde: "Nós não vamos desistir até ganhar", garante Alice Gato, 17 anos. É uma das organizadoras do movimento Greve Climática em Portugal, que convocou a manifestação. "Estamos a entrar na última década antes de 2030, o limiar da neutralidade carbónica. Esta COP [como é conhecida a Cimeira das Nações Unidas Sobre as Alterações Climáticas] tem de delinear tudo o que vai acontecer a seguir para atingirmos a neutralidade carbónica em 2030. E há países que têm níveis enormes de emissões e estão a sair de acordos e de tratados que foram estabelecidos", diz, ao DN.

A 25.ª Cimeira do Clima (2 e 13 de dezembro), onde serão discutidas as revisões das metas das emissões de gases, enunciadas no Acordo de Paris (2015), é aliás o principal mote da manifestação. O alerta é dirigido, mais uma vez, aos políticos, neste caso aos governantes que representarão Portugal na conferência: metas climáticas mais exigentes, pedem. "A verdadeira COP é na rua", pode ler-se nos cartazes que trouxeram.

André Silva, deputado do PAN, veio ouvir as reivindicações dos jovens. O partido vai entregar hoje na Assembleia da República uma proposta para a criação de uma Lei de Bases dedicada ao clima. "O que queremos é fiscalizar as metas para a descarbonização. Não é criar metas novas. Queremos também que seja criada uma comissão independente com membros da comunidade científica, que deem parecer sobre as alterações climáticas", explica, ao DN, André Silva.

Pedro Soares traz o pequeno Tomé de sete anos pela mão. São pai e filho. Vieram juntar-se à filha/irmã mais velha que "saiu de casa às 8:00" e vai na manifestação a gritar: "menos avião, mais imaginação". "É impossível não nos juntarmos. É uma questão cívica e tenho de os incentivar", explica Pedro.

Linha vermelha

Chegados ao Parlamento, Pedro Costa e quatro voluntários do movimento Linha Vermelha começam a estender um cachecol vermelho, já com um quilómetro. "Estamos a tricotar contra a exploração, literalmente". O coletivo, criado em 2017, protesta contra a exploração de petróleo e gás natural, principalmente, contra os furos em Bojouca e em Aljubarrota.

A linha vermelha "significa um stop". Já a tricotaram mais de 200 mil pessoas e pretendem continuar. Até quando? "Só vamos parar de tricotar quando acabarem os futuros".

2300 cidades em greve. Oito delas são portuguesas

Durante a tarde, os protesto estende-se a outras sete cidades portuguesas: Porto, Coimbra, Faro, Penafiel, Évora, Santa Maria (Açores) e Caldas da Rainha. A iniciativa - do movimento #FridayForFuture (Sextas-feiras pelo Futuro), que incentiva os estudantes a fazerem greve no último dia útil da semana como forma de denunciar a inércia dos políticos perante as alterações climáticas - reúne apoio hoje em 2300 cidades de 173 países.

Tudo começou com a adolescente sueca Greta Thunberg, de 16 anos, uma ativista na luta contra as alterações climáticas, que desafia políticos de todo o mundo. Mas tornou-se um movimento global: desde agosto realizaram-se 63 mil greves climáticas, em 223 países, de acordo com informação disponível no site do FridayForFuture.

A jovem sueca vai participar na Cimeira Climática, mas antes deverá fazer uma paragem em Portugal, a meio da próxima semana, informou a equipa que a acompanha. Ainda não são conhecidos pormenores sobre a sua passagem; quanto tempo fica e onde ou com quem se vai encontrar.

Através das redes sociais, Greta Thunberg fez saber que a viagem que está a fazer de veleiro foi afetada pelo mau tempo que se faz sentir no meio do Atlântico, sobretudo por fortes rajadas de vento, pelo que vai sofrer atrasos. Mas na quarta-feira já dizia que se encontrava em águas territoriais portuguesas .O seu percurso pelo oceano Atlântico pode ser acompanhado através do site https://tracker.borisherrmannracing.com/ .

O ministro do Ambiente e da Transição Energética falou hoje sobre a passagem da jovem ativista a Portugal. "Greta Thunberg é muito bem-vinda a Portugal e sobretudo aquilo que ela tem feito é da maior relevância para consciencializar os mais jovens e também os menos jovens para a necessidade de um compromisso por uma sociedade neutra em carbono", declarou João Matos Fernandes, à margem do Fórum da Mobilidade e Novas Tendências, que está a decorrer em Ermesinde, no Porto, outra das cidades que acolhe a greve climática em Portugal.

Alertas multiplicam-se

Os gritos que se ouvem nas ruas são fáceis de justificar. Afinal, nos últimos tempos, os alertas multiplicam-se. No início da semana, um relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM) revelava que os gases responsáveis pelo efeito estufa e pelas alterações climáticas atingiram em 2018 novos recordes. A concentração média de dióxido de carbono chegou às 407,8 partes por milhão no ano passado, mais 0,56% do que em 2017 e mais 146% em relação à época pré-industrial (1750).

Já o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) indicava, na terça-feira, que se as metas das emissões globais de gases não se tornarem mais ambiciosas, a temperatura do planeta pode subir 3,2 graus centígrados até ao final do século. É preciso reduzir, no mínimo, cinco vezes a quantidade de emissões lançadas na atmosfera, sob pena de as ondas de calor e de as tempestades atingirem a Terra de forma irreversível.

"Precisamos de vitórias rápidas para reduzir as emissões ao máximo possível em 2020, além de contribuições nacionalmente determinadas mais fortes para iniciar as principais transformações em economias e sociedades. Precisamos de compensar os anos em que procrastinámos", defendeu Inger Andersen, a diretora executiva do PNUMA. Mas ainda é possível mudar, ainda há tempo, dizem os autores deste relatório, desde que seja já.

O Parlamento Europeu declarou esta quinta-feira o estado de "emergência climática e ambiental" e defendeu que a União Europeia se deve comprometer a reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em 55% até 2030, para atingir a neutralidade climática até 2050. Mas não chega, dizem os ambientalistas e os milhares de manifestantes que saíram esta sexta-feira à rua em Portugal e no mundo. É preciso mais.

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