A rapariga tem 15 anos e parece ainda mais nova, com o cabelo apanhado em dois totós. Acaba de subir ao palco na Cimeira do Clima das Nações Unidas, no dia 4 de dezembro de 2018, e tem à frente uma plateia composta por vários líderes mundiais, muitos dos quais provavelmente encarando-a como uma espécie de pausa ternurenta na tensão das reuniões..Sem pestanejar, a adolescente sueca lança-lhes um olhar fulminante, daqueles que impõem de imediato plena atenção, e anuncia ao que vem: "Aprendi que nunca somos demasiado pequenos para fazer a diferença. E se algumas crianças conseguem fazer manchetes em todo o mundo só por não terem ido à escola, imaginem o que poderíamos fazer todos juntos se realmente o quiséssemos. Mas para o fazermos temos de falar com clareza, por mais desconfortável que isso possa parecer.".Nos cerca de três minutos seguintes, Greta Thunberg desanca metodicamente as "altas individualidades" reunidas na Polónia. Rotula-os de calculistas, com "demasiado medo de serem impopulares" para assumirem a crise ambiental: "Vocês não são suficientemente maduros para dizerem as coisas como elas são. Até esse fardo deixam para nós." E faz o seu diagnóstico: "A nossa biosfera está a ser sacrificada para que pessoas ricas, em países como o meu, possam viver no luxo. É o sofrimento de muitos que paga pelos luxos dos poucos.".E confronta-os com as suas culpas: "No ano 2078 eu festejarei o meu 75º aniversário. Se tiver filhos, talvez eles passem esse dia comigo, talvez me perguntem sobre vocês, talvez perguntem porque é que vocês não fizeram nada enquanto ainda havia tempo para agir." Mas deixa claro que duvida que sejam capazes de se comover: "Vocês dizem que amam os vossos filhos acima de tudo o resto e, no entanto, estão a roubar-lhes o futuro à frente dos seus olhos. Até que se comecem a focar no que tem de ser feito, ao invés do que é politicamente possível, não há esperança.".Não. Greta não é apenas uma ativista. Ela é uma guerrilheira contra as alterações climáticas que está ali para anunciar a revolução dos millennials."Nós não viemos cá para suplicar aos líderes mundiais que se preocupem. Vocês ignoraram-nos no passado e irão ignorar-nos novamente. Já não há mais desculpas e estamos a ficar sem tempo. Nós estamos aqui para vos dizer que a mudança está a chegar, gostem ou não.".Uma líder improvável.Vendo aquelas imagens, bem como outras igualmente acutilantes intervenções da adolescente em palcos como o Parlamento Europeu ou o Fórum Económico Mundial, em Davos, é difícil não ficar com a ideia de que se está perante uma líder natural, destinada a deixar uma forte marca no mundo. Mas até há bem pouco tempo, a luta de Greta era apenas para se encaixar. Com momentos de depressão na infância e um diagnóstico de síndrome de Asperger e de mutismo seletivo (recusa em falar em determinadas situações), dificilmente se encontraria candidata mais improvável a porta-voz de uma geração..A sua força - que a faz transcender-se e ser convincente, tanto para jovens como para adultos - parece vir do genuíno sentimento de urgência com que encara a luta pelo futuro do planeta. Descrevendo o tipo de mutismo que lhe foi diagnosticado aos 11 anos, numa entrevista, Greta explicou que "basicamente significa que só falo quando considero que é necessário". E depois acrescentou: "Agora é um desses momentos.".Recuamos alguns meses, até agosto de 2018. Ainda ninguém sabe quem é Greta Thunberg. A Suécia, que acaba de enfrentar um verão marcado por inusitadas ondas de calor e violentos incêndios, vai a votos. Uma aluna do 9º ano decide fazer greve às aulas todas as sextas-feiras, até à eleição, para pressionar a classe política do seu país a tomar mais medidas para reduzir as emissões de CO2..Tem o apoio dos pais, uma cantora lírica e um ator. Afinal, até já os convenceu a tornarem-se vegetarianos e a evitarem as viagens de avião para reduzirem a própria pegada ambiental. E é descendente, pelo lado paterno, de Svante Arrhenius, Nobel da Química de 1903 e o primeiro cientista a investigar, muito antes de esta ser uma preocupação, se um aumento substancial das concentrações de dióxido de carbono na atmosfera poderia ter efeitos no clima..Todas as sextas-feiras, até à eleição de setembro, a rapariga planta-se em frente ao Riksdag, o Parlamento sueco, com um cartaz anunciando "Greve escolar pelo clima". E começa a dar nas vistas. Vêm as eleições e decide manter o protesto. Ganha seguidores. A atenção nacional torna-se internacional. E de repente o seu grito de revolta multiplica-se: Holanda, Finlândia, Alemanha, Dinamarca... na Austrália dezenas de milhares de alunos param numa quinta-feira, perante as inócuas críticas do primeiro-ministro daquele país..No próximo dia 15 de março, em todo o mundo, estudantes prometem encher as ruas para exigir que não lhes ameacem o futuro no planeta, num protesto inspirado em Greta Thunberg. Em Portugal, associações de estudantes anunciaram manifestações em Lisboa, Porto e Coimbra. Nós, adultos, poderemos ainda ignorá-los, mas a mudança está a chegar. Foi ela que o disse. E ela nunca fala em vão.