Um guia de boas práticas foi distribuído a semana passada aos empresários e autarcas da região oeste, onde dentro de semanas começa a apanha da fruta. A ideia é conseguir lidar com a "migração natural que acontece nesta altura e poderá trazer situações de contágio", como disse ao DN o presidente da Câmara de Caldas da Rainha, Tinta Ferreira, um dos concelhos onde se concentra uma parte importante da fruticultura.."Não podemos garantir em absoluto que não acontecerão casos de contágio, mesmo com estas medidas. Mas estamos a fazer tudo o que podemos para o prevenir", acrescentou o autarca, ao final de uma reunião com o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, na qualidade de coordenador da Região de Lisboa e Vale do Tejo no âmbito do combate à pandemia. A reunião - a que se juntou por videoconferência a ministra da Agricultura, Maria do Céu Albuquerque - contou com a presença de diversos autarcas da região, bem como de alguns representantes de empresas de trabalho temporário, que nesta altura estão a recrutar os trabalhadores para a apanha da fruta. Estima-se que nas próximas semanas (e durante todo o mês de agosto e parte do mês de setembro) cheguem à região mais de 30 mil trabalhadores, alguns deles estrangeiros..O Governo fala de uma aposta na fiscalização e a coordenação com autarquias, entidades locais e produtores, para minimizar os riscos de propagação da covid-19 entre esses trabalhadores temporários das campanhas da fruta no Oeste. E para isso elaborou um guia de boas práticas "que dá orientações aos produtores, mas também aos embaladores", e que "deve ser seguido ao detalhe" durante as campanhas da apanha da fruta, tal como referiu o governante, citado pela Agência Lusa..Mas essa não vai ser uma tarefa fácil, tal como sabem os autarcas da região, os produtores, e as autoridades locais de saúde pública. "Os autarcas insistiram para haver um teste à entrada, a cada um dos trabalhadores", contou ao DN Tinta Ferreira. Mas o Governo e a DGS não vão por aí. O autarca de Caldas da Rainha insistiu nessa ideia com a ministra da Agricultura, mas a resposta foi que "não vai haver condição para fazer testes a toda a gente à partida. Ficou a hipótese de, em situações de grande concentração, em que se tenha receio de algum contágio, ser avaliada essa situação".."Há um plano de contingência, estão a ser tomadas as medidas adequadas, mas nós não vamos conseguir ter um polícia à porta de cada alojamento, não podemos acompanhar cada um deles naquilo que faz no dia a dia, o que podemos fazer é sensibilizar. E cada um de nós, no seu dia a dia, tem de tomar as suas medidas de precaução", acrescenta Tinta Ferreira..Em Caldas da Rainha as preocupações com o setor agrícola e fruteiro começaram há várias semanas. A câmara, em conjunto com autoridade de saúde local e proteção civil, tem vindo a promover diversas reuniões nas juntas de freguesias, com os produtores locais..Na junta de freguesia de Alvorninha - cujo presidente, José Henrique, também é produtor de fruta - as explicações aconteceram no início do mês de julho. "Aqui temos produtores de pequena e média dimensão, a maioria consegue resolver o assunto com mão de obra local e familiar", explicou ele ao DN, enquanto proprietário de uma empresa que, daqui por semanas, leva para a apanha da pera e da maçã 40 ou 50 trabalhadores. Vivem nas suas casas, não precisam de deslocação nem de alojamento. Mas José Henrique está preocupado sobretudo com o alojamento, nas explorações agrícolas que contratam pessoal de fora: "até aqui as regras eram umas, agora nada pode ser como dantes. Até o transporte para o campo tem que ser feito de outra maneira.".Viver e trabalhar na fruta: uma experiência marcante.José Paulo (chamemos-lhe assim) comemorou os 18 anos a apanhar toneladas de peras, em A dos Francos, outra freguesia de Caldas da Rainha. Foi há três anos, quando se preparava para entrar na universidade. De resto, uma boa parte dos trabalhadores temporários na apanha da fruta são jovens estudantes, a maioria universitários. Desse verão quente de 2017 guarda a compensação dos 700 euros que ganhou em quinze dias, e a história para contar aos amigos, sempre que calha em conversa. Foi contratado por uma família de Santiago da Guarda (Ansião, interior norte do mesmo distrito de Leiria), que assumi o papel de capataz. "Quando eu cheguei, na primeira "fornada", ainda éramos poucos. Ficámos numa casa antiga, da aldeia, com quartos pequenos, alguns com dois beliches e um colchão no chão, onde dormiam três pessoas. Mas a seguir começou a chegar mais gente, ocupou-se tudo, até o sótão. Mesmo assim, acho que tivemos sorte. Havia casas com mais de 40 pessoas e apenas uma casa de banho. Quando à noite vínhamos do café, já de madrugada, ainda havia filas nalgumas casas para tomar banho", contou o jovem ao DN..É fácil perceber a preocupação de entidades locais e nacionais. Além do alojamento, há a questão do transporte para resolver. José Paulo fala dessa outra aventura: "era uma carrinha de caixa aberta, subíamos todos lá para cima e íamos assim, "ao monte"". O jovem, natural de Pombal, nunca mais voltou ao Oeste. "Ganha-se muito bem mas é muito duro. Há pessoas que não aguentam nem uma semana"..Do conjunto de boas práticas fazem parte algumas normas relativas ao alojamento, transporte, distanciamento nas refeições. "Mesmo durante o trabalho, há muitos cuidados a ter em conta, a forma como cada operador leva a fruta, o consumo de água - a preocupação de que não haja mistura entre quem apanha a fruta e quem a recolhe e transporta, que seja a própria pessoa a fazer sempre esse processo", adianta o presidente da Câmara das Caldas, ao mesmo tempo que sublinha "a responsabilidade das empresas"..Da parte da autarquia, Tinta Ferreira está a tomar as providências que lhe estão ao alcance. Por exemplo, a distribuição de um kit para entregar a cada trabalhador, que contém uma caneca de alumínio por cada um (evitando que haja partilha, como era hábito), uma viseira e um frasco de álcool gel. "Mas é importante que as empresas tenham um termómetro, por exemplo. Têm de o comprar"..Transformar escolas em zonas de isolamento.À semelhança de outros municípios, também nas Caldas da Rainha o plano de contingência prevê "ter nas zonas rurais locais preparados para o alojamento, caso haja alguma situação de contaminação", revela Tinta Ferreira. Em causa estão as escolas primárias desativadas, que servirão para esse fim. O autarca acredita nesse trabalho de sensibilização que as estruturas do Ministério da Agricultura e da Saúde farão, um pouco por todo o país, com a explicação das medidas juntos dos produtores agrícolas..Só nas Caldas da Rainha serão à volta de 100 produtores, que precisam de cerca de dois mil trabalhadores para as colheitas..O guia de boas práticas - elaborado pela Direção-Geral de Alimentação e Veterinária e pela Direção-Geral da Saúde - determina as medidas a tomar por produtores e entidades locais e regionais para "prevenir o máximo de riscos" durante esse período que "merece [da parte do Governo] a maior atenção e que está a preocupar os presidentes de câmara", afirmou o secretário de Estado, Duarte Cordeiro, no final da reunião realizada na quarta-feira, na Comunidade Intermunicipal do Oeste (OesteCim) para discutir a estratégia de prevenção e controlo da covid-19 nas atividades agrícolas.."Foi combinado com os presidentes de câmara aquilo que são os procedimentos que devemos adotar, especialmente quanto à mobilidade de trabalhadores, que é uma questão que preocupa bastante, e todos os cuidados que temos de ter, sinalizando as situações que possam suscitar maiores riscos, para que possamos analisar em detalhe e, a partir daí, tomar todas as medidas que são necessárias", afirmou à Lusa, no final do encontro..Prioridade à fiscalização.Segundo o governante, a prevenção não passará por testar antecipadamente os cerca de 30.000 trabalhadores temporários (ao contrário do que pretendiam alguns autarcas), muitos dos quais migrantes, contratados anualmente para as campanhas da fruta, mas sim pela "fiscalização" das condições em que são desenvolvidas as tarefas.."Quando existem casos nestes setores, temos de ser rápidos a testar e a isolar as situações", disse Duarte Cordeiro, sublinhando a aposta na "fiscalização" e a importância de que produtores sigam as regras, já que "quem tem mais a perder se existir uma situação é o próprio produtor, que pode perder a colheita, se por acaso não tiver cuidado com a prevenção e se tiver uma situação em que a generalidade dos trabalhadores fique infetada"..A articulação das medidas de prevenção será coordenadas entre as autarquias e entidades regionais, mas também com as autoridades de saúde e com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, uma vez que "se levantam questões que se prendem com a origem dos trabalhadores ou a existência ou não de números de utente", exemplificou o secretário de Estado.