Geringonça "é a grande inovação política dos últimos anos", diz Sousa Santos

Sociólogo defende em jornal espanhol que "Portugal demonstrou que o neoliberalismo era uma mentira". Noutro país "seria notícia em todo o mundo"
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O sociólogo e professor universitário, Boaventura Sousa Santos, defende em entrevista ao jornal espanhol El País, que a chamada geringonça "é a grande inovação política dos últimos anos". "O Partido Socialista de Costa decidiu articular-se com os partidos à sua esquerda em vez de o fazer com as direitas, como sempre."

O entusiasmo pela fórmula portuguesa, daquele que o jornal classifica de "oráculo de cabeceira das esquerdas ibérica e latinoamericanas, é evidente: "Com uma clarividência extraordinária, com o Bloco e o PCP chegaram à conclusão de que há muitas coisas que os separam mas há outras que os unem, suficientes para governar."

No caso de socialistas, bloquistas, comunistas e ecologistas, "unia-os a vontade de acabar com a austeridade, que já é muito". "Se o PC está contra o euro e o PS a favor, não conta. Essa foi a grande sabedoria dos partidos."

Questionado pelo correspondente do jornal em Lisboa, a propósito do lançamento de um livro de ensaios em Espanha, Izquierdas del mundo, uníos [Esquerdas do mundo, uni-vos], Boaventura de Sousa Santos sustenta que Portugal rompeu com muitas profecias catastróficas. "Portugal demonstrou que o neoliberalismo era uma mentira. Com soluções contrárias a essa ideologia, o Governo aliviou as classes populares. A economia cresce, o investimento chega, o desemprego cai. Se isto tivesse acontecido noutro país seria notícia em todo o mundo."

Defendendo que o modelo não é exportável, Sousa Santos nota que se pode aprender com esta solução. "Tenho alguma esperança que também se estabeleça [um entendimento] entre os jovens Sánchez e Iglesias", disse, referindo-se ao atual primeiro-ministro socialista, Pedro Sánchez, e ao líder do Podemos, Pablo Iglesias, que já avançaram com um primeiro acordo no âmbito do Orçamento do Estado para o próximo ano.

"Em Espanha, a grande diferença é a das nacionalidades e, concretamente, na Catalunha, o que impede qualquer acordo - e que continuará por algum tempo mais, na minha opinião. Ao jogar tudo ou nada, o acordo é impossível", aponta o sociólogo.

Sobre as eleições brasileiras, Boaventura - que sempre foi recebido como uma pop star política em eventos como o Fórum Social Mundial, com uma forte presença nas organizações e movimentos de esquerda na América Latina - defende que "Lula foi um grande presidente, mas cometeu muitos erros". "Usou o sistema político antigo para governar com a direita", sem avançar com uma reforma fiscal nem do sistema político e mediático. "Governar com o sistema antigo foi governar com o compadrio, com a corrupção endémica dos partidos, não apenas do PT", admite.

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