Nasceu com ADN de realeza de rock 'n' roll, ou não fosse filho de Kalú, o homem da bateria dos Xutos & Pontapés, e cumpriu o ditado popular que assegura que quem sai aos seus não degenera. Hoje, a chegar aos 40, Fred Ferreira há muito que trocou o estatuto de filho de... para ser um dos mais requisitados músicos nacionais..A primeira banda foi com um primo, seguiu para os Yellow W. Van e depois para os Buraka Som Sistema. Há quase dez anos, ao lado de Sam the Kid, com quem já tinha tocado em Pratica(mente), fundou os Orelha Negra e hoje, mantém um estúdio em que até o número da porta tem história - 530, o 5-30 com que Carlão (ex-Da Weasel) batizou um dos seus discos a solo. Para futuro? Espera ter tempo para gravar o seu primeiro solo, para uma mix tape dos seus Orelha e para continuar a recente aposta em música para publicidade..Uma conversa sobre como foi crescer entre a maior banda do país, como lidou com a despedida de Zé Pedro - o responsável por ter conhecido algumas das suas bandas de rock favoritas - e os olhos com que vê a divisão entre as tribos do rock, do hip-hop e do fado, como olha para Bolsonaro e como lida com a vida do rock 'n' roll. "Rock' n' roll é fazer o que gostas, ter filhos, dormir em casa", diz o músico que ainda hoje teima em regressar a casa, sozinho ou na companhia do seu "grande companheiro", o filho Sebastião..Quanto te sentaste pela primeira vez numa bateria?.Tinha talvez uns 2 ou 3 anos. Depois quis ser jogador de futebol, sou fanático pelo meu clube, o FC Porto, sempre tive uma paixão por futebol e sonhava ser jogador, como qualquer miúdo com 10 anos. Continuo a seguir o FC Porto com muita atenção e a ir ao estádio algumas vezes, mas a música falou sempre mais alto. É o que me move..Além do teu pai, tiveste uma banda, os três amigos, com um primo. Tens um tio, Sérgio Nascimento, que é baterista dos Deolinda. Estavas condenado a ser músico..É o Marco Nunes, começou nos Blind Zero, depois passou para o Jorge Palma, para o Pedro Abrunhosa e agora está com os GNR. E o nosso tio, Sérgio Nascimento, que também é baterista do Sérgio Godinho e do David Fonseca... Bem vista a coisa, não tinha grande alternativa. Os meus filhos seguem pelo mesmo caminho, o mais velho está a estudar produção de som e a mais nova estuda violino no Conservatório. Estamos todos na música..Quando percebeste que ias conseguir fazer carreira na música?.Sempre tive essa ambição, aos 13 anos já ensaiava todos os dias com a banda, sempre para melhorar, mas não ganhávamos dinheiro. Depois fui arranjando trabalhos. Trabalhei numa tabacaria, num shopping, numa loja de discos, as coisas normais de um miúdo. Também trabalhei com a minha mãe, que me ajudou muito nessa altura. Só aos 23 me dediquei exclusivamente à música..Seres filho do Kalú e a tocar o mesmo instrumento não deve ter facilitado a tua afirmação enquanto músico....Teve vantagens porque cresci no meio da música, mas também desvantagens porque ele não facilitou muito as coisas. Por outro lado, as pessoas achavam que sim. Tive contacto com pessoas que um miúdo de 17 ou 18 anos não teria, mas não tenho culpa disso. Andei sempre de um lado para o outro com os Xutos e tentei aproveitar o facto de estar rodeado de músicos. Hoje já não é motivo de conversa, mas houve uma altura em que gostava que me perguntassem outras coisas além do meu pai. Hoje já não vejo desvantagens. Tenho muito orgulho nele e em todos Xutos e agradeço tudo o que me ensinaram..Li numa entrevista que sofreste na fase em que os Xutos não eram cool..Não foram sempre a banda unânime que são hoje. Houve uma fase em que o pessoal não gostava muito, e quando és miúdo o pessoal goza um bocado, nada de traumatizante. Depois, com o Acústico na Antena 3, mudou e começaram outra vez a ter muito sucesso. Vivi com muita felicidade a fase em que recuperaram o estatuto que para mim nunca tinham perdido. São a minha banda favorita. Lembro-me de ver o Top +, eles sempre no top e eu a torcer para que continuassem na semana seguinte. Por volta de 1990, 1991, com o Gritos Mundos, viveram uma fase mais complicada, faziam concertos em liceus ao domingo à tarde. Não sei o que eles acham, mas imagino que isso tenha sido mais duro..Há um projeto ou um momento em que sentes que passas de filho de... a Fred Ferreira?.Não sei se houve um projeto ou um concerto em particular. Acho que foi a continuidade do trabalho ao longo dos anos e a quantidade de coisas que fui fazendo. As pessoas precisam de um ponto de referência e associam sempre ao meu pai, mas vai ser pior para os meus filhos. Esses têm o avô, o pai e o tio... e estão na boa com isso..O teu pai é fundador da maior banda de rock da história do país, tu seguiste o mesmo caminho mas no hip-hop. Não deu conversa à mesa? O teu pai deixou-te tocar hip-hop?.Deixou, deixou. Lembro-me perfeitamente de ir com o meu pai comprar um disco para ele que eu acabei por ouvir muito, os Rage Against the Machine. Deve ter sido em 1991, fomos à Bimotor, ao lado dos cinemas no Amoreiras, e ele já nessa altura estava muito ligado à música nova, o rap e o hip-hop já eram importantes. Ele tem um estúdio pequeno em casa e produzia bandas de hip-hop que não tinham onde gravar as vozes. Lembro-me por exemplo dos Family e do Melo D, que ficavam lá em baixo a gravar. O meu pai sempre foi uma pessoa de mente aberta e os Xutos sempre tiveram fama de apoiar bandas novas independentemente do género..Com o teu filho a ser DJ de música eletrónica e produtor, com o avô rockeiro, como corre?.Corre bem. São amigos inseparáveis. Ele começou por ser DJ como forma de entrar na música, no 10.º ano escolheu produção musical e já está numa nova fase, produz muito bem e nem só hip-hop, até de jazz já me falou. Nunca teve qualquer pressão, nem minha nem do meu pai, para ouvir o que quer que fosse..A tua carreira e a história da família colocam-te numa boa posição para responder à pergunta da moda. Também achas que o rock está morto?.Se calhar não está como há vinte anos, mas tem o seu espaço. Toco com bandas de rock e é algo que está dentro de mim. Ainda há pouco tempo estive a tocar com os Dapunksportiff em Leiria num clube fantástico e tínhamos a sala cheia. Sinto que as pessoas ainda gostam de ouvir rock e eu gosto muito de o tocar. Nem sei se está assim tão afastado do hip-hop. Não diferencio muito as coisas..Produziste o disco e fizeste parte da banda da Raquel Tavares, notas diferenças entre as tribos dos diferentes géneros musicais? É diferente o público do hip-hop e do rock? [produziu disco da Raquel Tavares].Do rock para o hip-hop não sinto muito. Como não faço diferenciação entre géneros, tem-me permitido tocar com muita gente de áreas diferentes. Tem sido importante e gosto que assim seja. Adoro fado, como adoro hip-hop, rock, blues, jazz e música clássica..Mas percebes que pareça estranho ver o baterista do Slow J ou do Sam the Kid a tocar fado com a Raquel Tavares?.É estranho, mas só por se criarem barreiras de estilos que, inconscientemente, não deixam que alguém do fado ande no hip-hop. E nem faz grande sentido, o Sam the Kid é um dos que sempre misturaram muito bem os dois géneros. O hip-hop é uma música global, o fado é nosso, uma música que temos muito enraizada. Tenho aprendido muito a tocar com a Raquel Tavares e com a banda dela, que é fantástica..Como músico sentes-te tão à vontade no fado como no hip-hop?.É igual. Há equipas de trabalho com as quais estou muito à vontade e em que consigo mais rapidamente chegar onde querem. Não conhecia a Raquel, precisei de perceber o seu mundo e hoje é igual estar a tocar com os Slow J ou com os Buraka..O teu arranque é quase com o David Fonseca logo depois dos Silence 4 ....Fui pai muito cedo e os meus pais deram-me os parabéns, mas na altura também disseram "agora vais trabalhar". Fui trabalhar e não acabei a escola, mas comecei a tocar e tive de me focar o máximo possível para fazer da música o meu trabalho. Tem sido um trabalho longo. O David foi espetacular. Houve um casting para bateristas e eu estava a tentar focar-me só na música. Era suposto ter estudado os dois discos dos Silence 4 e não ouvi nada. Disse-lhe que não tinha estudado nada e ele pediu-me para tocar uns segundos de umas músicas e sai. O meu tio entrou depois e fiquei à porta a ouvi-lo tocar as músicas todas perfeitas, até fiquei com vergonha. Na altura, trabalhava num café e uns dias depois estava na Makro a fazer as compras da semana quando o David me ligou a dizer que eu tinha sido escolhido. Até fiquei tonto, fiquei muito feliz mas não estava à espera. Tomar essa decisão ia obrigar-me a deixar de tocar tanto com os meus amigos, os Yellow W Van. Liguei ao Zé Pedro a pedir opinião. Disse-me que gostava muito do David, que era uma grande oportunidade, mas que eu não devia deixar de tocar com os meus amigos. Liguei-lhe, expliquei-me e ele foi espetacular, até disse que no meu lugar faria o mesmo. Continuei no café, fui fazendo o meu caminho e ficou lá o meu tio, até hoje..Eras muito ligado ao Zé Pedro?.A influência que ele teve em mim foi algo que sempre me acompanhou. Eu tinha o sonho de tocar no Coliseu com a minha banda e não em bandas de outros. Consegui no ano passado, com os Orelha Negra, e foi muito importante para mim. No final, tinha uma mensagem do Zé Pedro a perguntar como tinha sido a sensação de tocar lá com os meus amigos. Ao fim daqueles anos todos, lembrava-se do meu sonho. Foi a última mensagem que mandou, morreu passados quatro dias. Fez-me acreditar que o conselho que me tinha dado anos antes tinha sido certeiro..E como está a família Xutos?.Está boa. Mesmo antes da morte do Zé Pedro, já tinha morrido a minha tia Marta, que era manager deles e tinha sido um momento marcante para nós todos. Penso que cada um está a reagir à sua maneira e a andar para a frente. No dia a seguir a ele ter morrido fui, como todos os dias, ao café ao lado de minha casa e até a senhora estava triste. Não foi só na família, parecia que todos os portugueses tinham perdido um bocadinho. Via-se na rua, nos supermercados....E não se sentiram invadidos no vosso luto?.Não. Há vários graus de familiaridade do Zé Pedro, tinha a sua família direta, depois tinha os Xutos e depois a família dos Xutos. Eu sempre fui próximo, como família, mas os Xutos eram mais e, naturalmente, as irmãs ainda mais. No lugar onde estou perante o Zé Pedro não me senti nada invadido, só senti orgulho na quantidade de pessoas que gostavam dele. Foi reconfortante e deixa-me orgulhoso saber que o conselho que me deu mudou a minha vida, assim como fez a tantas outras pessoas. É por isso que era especial. Mais do que tudo, todos temos saudades dele, mas as coisas têm de continuar. Era o que ele quereria..Também ouvia tudo, foi uma influência importante para ti?.Foi muito importante para mim e uma influência para nós todos. Como os outros Xutos, era um ídolo. Foi a primeira pessoa que me falou dos Guns N' Roses, a banda de que ele gostava quando apareceu, deu-me muitos discos. Foi com o Zé Pedro que conheci os Rolling Stones, foi ele quem me mostrou os Foo Fighters, apresentou-me a muita coisa. É uma vida inteira com eles, guardo as boas recordações e as saudades que todos temos dele..Essa experiência com os Xutos tornou-te mais atento às armadilhas da indústria da música?.Já me entalei e já me entalaram, faz parte da vida. Com eles aprendi a maneira de estar na música. São pessoas muito justas com quem trabalham, respeitam todos os que trabalham num concerto por igual, desde quem monta o palco a quem trabalha na bilheteira, passando pelos músicos que à noite sobem ao palco. Foi a maior lição que recebi..Estar envolvido nesse meio também deve ajudar-te a manter os pés no chão. Ao pé dos Xutos & Pontapés não deve ser fácil sentires-te estrela de rock....Estive sempre no meio de pessoas que para mim eram heróis e sempre os vi serem tão normais que eu ia fazer o quê? Houve alturas na minha vida em que posso ter estado mais cheio de mim. Acontece quando aos vinte e poucos anos estás a tocar em todo o lado, com toda a gente. Ficas mais de peito cheio, mas passou rápido..Tens noção de que o teu pai, para uma geração, e tu para outra são os bateristas que o país conhece....Fico muito contente com isso. Mas não há comparação possível....Desculpa, mas há. O teu pai nos Xutos, a nossa maior banda de rock, e tu nos maiores projetos de música eletrónica dos últimos anos, o Sam the Kid, os Buraka Som Sistema e os Orelha Negra....É verdade, mas ainda não tenho 40 anos numa única banda. Essa é uma grande diferença, uma coisa especial que eles têm e que valorizo muito. Tive de me desenrascar de outra forma, tocar em vários projetos, até porque queria aprender vários estilos, conviver com outras pessoas para falar mais e melhor, porque sempre fui muito reservado. Foi assim que fui criando a minha identidade, não me atrevo a dizer isso, mas fico contente quando o dizem..Disseste que tocar no Coliseu com a tua banda foi importante. Quando olhas para trás, entre todos os projetos, há uma banda que consideres a tua?.Toquei lá com a Raquel Tavares, que nos coloca completamente à vontade. Como toquei depois com a Mallu Magalhães, mas são concertos da Raquel e da Mallu. Quando digo a nossa banda, os Orelha, é porque é de nós os cinco, que a pensamos e sonhamos e já temos dez anos de existência e três discos..Por defeito, que música andas a ouvir?.Neste fim de semana ouvi umas cinco ou seis vezes o disco novo do Anderson Paak. Mas como passo o dia aqui com música, quando saio não tenho grande cabeça para ir ouvir mais música. Além disso, o Spotify faz playlists com recomendações que acabo por as seguir. Agora há bandas que oiço sempre - o Sam the Kid, o Pratica(mente) é um disco que está sempre comigo, qualquer disco dos Xutos, Da Weasel também oiço muito. Depois, há discos de que gosto muito. Los Hermanos foram muito importantes para mim..E ainda compras discos?.Não. Ainda ontem fui à FNAC e a secção dos discos está tão pequenina... se calhar vai deixar de existir. Vou continuar a consumir música, mas em casa nem tenho leitor de CD, sobra o carro. Aqui tenho um computador onde posso meter um CD, mas nunca lá ouvi um disco..Em dez anos, notas alguma evolução no mercado da música?.Alguma, sim. Já começou a perceber-se para onde isto está a caminhar. Há uns quatro anos ainda ninguém sabia muito bem o que ia acontecer. Para os mais novos, que não viveram o CD, se calhar não lhes fez confusão, mas a mim, o facto de deixarem de se vender, fez. A verdade é que a música continua a existir e hoje está mais acessível a toda a gente. O mundo inteiro tem acesso a tudo o que é feito, mas tem um lado desvantajoso - no meio de tanta oferta nem sabes o que andas a ouvir. Era diferente quando te sentavas durante semanas a ouvir o mesmo disco, a ler o booklet....Uma banda como os Orelha no palco do CCB... sentes que é um marco para o hip-hop nacional? Há dez anos não se ouvia hip-hop no CCB..Foi um marco para nós. Há dez não havia hip-hop no CCB, mas tornou-se um género de música mainstream. Ainda bem que acabou o estereótipo de ser música de minoria ou de determinados bairros. Neste ano dei um workshop de produção de hip-hop na Gulbenkian e estava cheio de gente. Foi espetacular..Já sentes que tens um lugar no hip-hop nacional?.Não me atrevo a dizer isso. Tive a sorte de estar com o Sam e de o ajudar a escrever a história do Pratica(mente) ao vivo. Isso deixa-me orgulhoso e sinto que com os Orelha marcámos alguma diferença. Tenho o meu lugar, trabalhei muito e estive em alguns discos que ajudaram o hip-hop em Portugal a chegar a mais gente. Agora dizer que tenho a mesma importância do que o Sam, o Valete, o Regula ou o Carlão... são de outra divisão..Os Buraka foram maiores do que os Orelha?.Foi um projeto importante numa fase da minha vida. Permitiu-me viajar e isso faz-te crescer, conhecer novos públicos. Tocar na Austrália ou nos Estados Unidos muda-te como pessoa e como músico. Nunca os comparei, não sei se são maiores ou menores, tenho o mesmo respeito pelos dois projetos, ambos com coisas muito positivas e ambos muito importantes para mim. Os Buraka tiveram um percurso fenomenal, em dois anos rebentaram em todo o lado e eu tive a sorte de lá estar. Foi uma loucura..Se te pedir para apostares num novo projeto como forte candidato a sobreviver ao tempo....Nas coisas novas o que mais me surpreendeu foi o Slow J. Tem um talento gigante e conseguiu, de uma forma consistente e rápida, ganhar o seu espaço. É um artista novo que admiro muito e com quem tenho a sorte de tocar..Tens espaço para preparar projetos novos teus?.De há dois anos para cá tenho apostado muito com o meu sócio, o Alberto, em músicas para publicidade. Tenho aqui uma área do estúdio específica para isso, é uma área nova, que não conhecia e que estou a adorar. Temos feito muitos trabalhos, o que me permite conhecer mais gente e estar rodeado por músicos novos. Além disso, sendo criação de música, é muito diferente de fazer um disco. Felizmente também aí temos tido muito trabalho e até prémios..E de música?.Ando a magicar no meu álbum há algum tempo, mas ainda não cheguei a um ponto de conforto em que esteja completamente confiante. Tenho a mix tape dos Orelha que é para agora, quem sabe um disco novo..Há anos que falas desse disco. Já decidiste a data de lançamento?.Já meti várias, mas depois ouvia a música e nunca ficava completamente satisfeito. Gostava que saísse para o ano..Quando és mesmo tu nos comandos que som sai?.É esse o problema. Gosto de tanta coisa, que faço uma e depois outra que não tem nada que ver, e outra, e outra... não consigo encontrar-me enquanto músico, preciso de uma linha. Estou na luta por isso..Quando vais para a estrada, o que levas sempre?.Levo sempre o meu carro, para depois voltar para casa. Raramente vou com a banda. Ou estou aqui a trabalhar ou tenho de cá estar no dia seguinte para trabalhar, por isso volto quase sempre para casa depois dos concertos. Com a adrenalina, não consigo dormir depois dos concertos e aproveito isso para voltar para casa. Além disso, vai sempre uma mochila, com os auscultadores para ouvir música e o iPad para ler..E com tanto concerto sabes quantos quilómetros fazes por ano?.Comprei o meu carro no ano passado e já tem 64 mil. Faço muitos quilómetros sozinho ou com o meu filho Sebastião, que é o meu grande companheiro. Aproveito para ouvir música, ir pensando nos planos..É pouco 'rock n roll' imaginar o músico voltar para casa sozinho, de noite..Muito rock 'n' roll é ser pai, trabalhar e andares a viajar. Sejas músico, jornalista ou outra coisa qualquer, rock 'n' roll é fazer o que gostas, ter filhos, dormir em casa. No sábado fui tocar a Leiria, cheguei a casa às quatro da manhã e às dez e pouco já estava a funcionar. É assim a vida, e só faz bem..Teres sido pai novo tornou-te mais focado?.Não dá para falhar. É preciso estar organizado, preparar o que há para fazer, mas não custa assim tanto quando fazes mesmo o que gostas. Não me queixo nunca..A Banda do Mar acabou? É tudo gente com muito projeto....Ainda há pouco tempo tocámos em Lisboa. Fizemos o disco, a turné e parámos. Já tivemos conversas para fazer um novo disco, pode ser que aconteça. Foi uma coisa muito intensa. Andei muito tempo pelo Brasil e foi uma grande experiência. Pensava que já tinha andado por todo o lado com os Buraka, mas andar por todo o lado no Brasil mudou a minha perspetiva do país e de Portugal também. Fez-me dar muito valor ao que temos de bom, as nossas estruturas, dos auditórios às estradas e restaurantes. No Brasil não é pior, mas é diferente. Regressar a Portugal e perceber que estás a duas ou três horas de todos os lugares é espetacular. No Brasil é de avião para todo o lado..E como viste o fenómeno Bolsonaro?.Tenho pena. Não era de todo o caminho que via o Brasil fazer e só espero que não concretize o que diz. É mais perigoso do que Trump, o Bolsonaro pode mesmo fazer as coisas sozinho. O Brasil estava numa fase muito violenta, chegar alguém a dizer que vai acabar com ela, seja de que maneira for, as pessoas acabam por aderir. Não concordo com a posição dele, em nada..Seja com Trump ou com Bolsonaro, a conversa da raça aparece sempre. Estando tu num meio de uma música tradicionalmente negro, Portugal é um país racista?.Não sinto isso, mas acho o país um bocadinho preconceituoso. Se morares num bairro social ou num bairro de vivendas, sinto uma diferença. Ainda acontece, não sendo visível, é um bicho que aparece e que se sente. Ainda há preconceito racial e social..Não achas que a música podia ter um papel mais interventivo? Nos Estados Unidos vês o Paul McCartney nas manifestações do Black Lives Matter. Por cá, nada....Houve bandas, como os Xutos ou os Da Weasel, que fizeram coisas. Mais recentes, de facto, não me lembro. Não sei bem porquê, mas sinto que mesmo que não as digam publicamente, cada um faz o seu trabalho como cidadão. Eu faço, os meus amigos fazem... Sou contra a violência, mas às vezes sinto que podíamos ser mais aguerridos. Há coisas que me custam, as histórias dos bancos, por exemplo, podiam ser tratadas de outra forma.