Depois de clássicos do cinema mudo, obras de culto e segredos bem guardados - como um filme checo (Ikarie XB-1) que terá servido de inspiração ao 2001: Odisseia no Espaço de Kubrick -, a Cinemateca continua a sua redescoberta do percurso histórico da ficção científica no grande ecrã. Esta segunda fase do ciclo dedicado a um género imenso, que volta a estender-se por todo o mês de julho, corresponde, justamente, à era pós-2001: filmes que de alguma forma lidaram com o impacto dessa obra-prima de Kubrick e procuraram a sua própria definição de modernidade, dentro de registos autorais diversos. O convite, por si só, é mais do que apelativo. Se acrescentarmos o facto de muitas destas sessões terem lugar na esplanada da Cinemateca, percebe-se que há todo um contexto "mágico". Digamos que ficção científica a céu aberto é um programa de luxo..Já amanhã, pelas 21h45, a magia acontece com Silent Running (O Cosmonauta Perdido, 1972), de Douglas Trumbull, não por acaso, o responsável, ele mesmo, pelos efeitos especiais de 2001: Odisseia no Espaço. Obra geralmente esquecida quando se fala da grande sci-fi americana dos anos 1970, Silent Running é um filme de uma beleza inocente que nos olha à distância do tempo. Nele encontramos o jovem Bruce Dern na pele de um botânico, o "cosmonauta perdido", que acabará sozinho - enfim, na companhia de três robôs - depois de receber ordens para abortar a missão que integrava. Que missão era essa? Num futuro indefinido em que as florestas estão a desaparecer da face da Terra, uma equipa de quatro astronautas, a bordo de um gigantesco conservatório espacial de diferentes floras terrestres, cultivam e monitorizam essas estufas com o objetivo de mais tarde fazer regressar a vida vegetal ao planeta. Na verdade, apenas um deles, Freeman (leia-se "homem livre"), a personagem de Dern, leva a sério o seu papel, optando por tomar medidas drásticas quando lhe chegam as diretrizes para abandonar o projeto e destruir as cúpulas geodésicas que albergam os "exemplares" de natureza a que ele se dedicou incansavelmente....Com um genérico de abertura deslumbrante (e um bocadinho kitsch), em que a câmara percorre a textura húmida da vegetação, as cores vivas das flores e alguma fauna, até revelar a estrutura metálica que mantém aquele pequeno paraíso suspenso no espaço sideral, Silent Running encaminha-se para um cenário violento que nunca deixa de preservar uma certa candura melancólica da parte do protagonista. Quando Dern/Freeman fica sozinho com os robôs (curiosidade: os modelos que inspiraram o R2-D2 de Star Wars), gere perante nós a sua ambiguidade moral, sendo essa relação benigna com as máquinas que interessou a Trumbull explorar, por muito que a leitura temática do filme seja hoje inevitavelmente ecológica. Em 1972, o aquecimento global estava a mais de uma década de entrar nas mentalidades..Nesta linha de ficção científica ambientada no espaço, há outras joias raras na programação. Por exemplo, Dark Star (dia 9, sempre às 21h45), a primeira longa-metragem de John Carpenter, de 1974, um filme de estudante que acabou por se converter num cult movie, à semelhante de THX 1138 (1971), de George Lucas, aqui programado para dia 4. Nos dois casos, falamos de obras que dão conta de uma linguagem pura de cinema: em Carpenter a economia criativa dos movimentos de câmara aliada à mestria da banda sonora do próprio; em Lucas, a busca de ângulos visualmente estranhos, numa altura em que a realização era para ele um sagrado exercício experimental (depois veio Star Wars, a escala industrial, etc.). Se Dark Star, retratando astronautas perdidos no cosmos, surpreende por ser um filme divertidíssimo com a assinatura de uma lenda do terror, THX 1138 é uma janela futurista mais pesada, que reflete a recusa do status quo através de duas personagens que ousam fugir de uma sociedade controlada onde as relações sexuais são proibidas..Também de cosmos se faz o canónico Alien, O Oitavo Passageiro, de Ridley Scott (dia 16), e os mais recentes High Life, da francesa Claire Denis (dia 26), e Ad Astra, de James Gray (dia 27), ambos em primeiras apresentações na Cinemateca..Descendo à Terra, será com certeza fascinante (re)visitar Encontros Imediatos do Terceiro Grau, de Steven Spielberg (dia 8, 21h45), debaixo das estrelas. O filme de extraterrestres que tem um dos mais maravilhosos finais da história do cinema, envolvido pela música de John Williams, mas igualmente abençoado pelos efeitos especiais de... Douglas Trumbull. Eram os anos 1970 e isto anda tudo ligado. Década que também produziu o brilhante Invasion of the Body Snatchers/A Invasão dos Violadores (dia 15), o remake de Philip Kaufman do clássico de Don Siegel, de 1956 (com um cameo do próprio), que mostra a propagação de uma "gripe alucinatória" vinda do espaço e castradora de sentimentos. Abel Ferrara fez depois a sua versão, intitulada apenas Body Snatchers (1993), que vai passar no final do mês, a 29 de julho..Num ciclo que não dispensa monstros e viscosidade - aponte-se na agenda uma revisão de A Mosca, de David Cronenberg (dia 22), e O Predador, de John McTiernan (dia 23) -, contempla-se ainda, Melancolia (dia 25), talvez o melhor filme do dinamarquês Lars von Trier, com uma misteriosa aura feminina perante a ameaça de colisão de um asteroide, e Estranhos Prazeres, de Kathryn Bigelow (dia 28), um thriller de 1995 que entra pelo território da ficção científica através de uma droga chamada realidade virtual. Para outro tipo de alucinações, e entre outras propostas, também se recomenda Marte Ataca!, de Tim Burton (dia 20), uma verdadeira pândega vilanesca de marcianos que decidem invadir a Terra. O importante mesmo é apreciar a vertigem da sci-fi numa esplanada, à luz da Lua..dnot@dn.pt