Para os espetáculos de stand-up há alguma preparação? Eu não me preparo. É deixar as coisas acontecer. Quanto mais genuíno fores e quanto mais criares no momento as coisas, mais o público se identifica. Estou a falar de coisas que estão a acontecer, da pessoa que está ao meu lado, ou do penteado que ela traz, ou da camisa do outro, elementos novos que só podem ser criados na altura. Tenho um alinhamento mais ou menos definido, entro com uma parte de stand-up em que já sei o que vou fazer. Depois vou buscar seis, sete ou oito pessoas do público para o palco e faço ali um jogo com eles, uma interação, mas normalmente é tudo improviso..Às vezes nas suas atuações fala de assuntos mais controversos. Acha que há limites para o humor? Eu não defendo que existam limites para o humor. Apenas defendo que há timings certos e errados. Se alguém cair agora ao chão e eu me rir só estou a ser estúpido. Se eu te ajudar a levantar, ficares bem, e só depois faço uma piada, então, aí aceito. O problema não está na piada mas sim no timing da piada. Às vezes os humoristas fazem piadas de desgraças e as desgraças ainda estão a acontecer e eu não sou muito adepto desse tipo de comédia. Acho que um humorista não tem o direito de humilhar ninguém para fazer rir a sua plateia. Pode brincar mas não causar danos à outra pessoa. Eu tenho a máxima: não faças aos outros o que não gostarias que fizessem a ti. Um humorista tem de pensar quando vai fazer uma piada: se eu tivesse no lugar desta pessoa, como é que me ia sentir? É por isso que utilizo os meus personagens, porque quando tenho piadas fortes se eu metesse pessoas iam sentir-se ofendidas. Nessas situações recorro aos meus personagens e é ficcionado. Ninguém se sente ofendido. Há humoristas que têm uma perspetiva completamente diferente e eu respeito, mas não sou adepto desse tipo de formas de trabalhar..Como foi fazer o filme Dois Duros de Roer? Foi fantástico. Foi fazer omeletes sem ovos. A indústria de cinema em Portugal é pobrezinha, não há orçamento. Tens um filme que foi criado por portugueses, pouca verba e ultrapassou o número de bilhetes vendidos do Mundo Jurássico, que é um blockbuster americano, que tem milhões de dólares para gastar. O orçamento do nosso filme dava para pagar um dia de catering do Mundo Jurássico. Isto faz com que me sinta orgulhoso. O segredo do filme está entre mim e o João Seabra [o outro protagonista do filme]. Tens um ritmo de comédia incrível, de minuto a minuto estás a levar com uma piada. Todos os atores deram aquilo que melhor têm para dar. Mesmo os melhores personagens da vida deles, que eles criaram, eu pedi-lhes. Eu fui o diretor de atores na parte da comédia e pedi-lhes isso. Eu também dei muito da minha parte. Na edição, sentei-me três dias ao lado do editor, a pedir-lhe para, nas partes da comédia, pôr mais um segundo de silêncio ou aquela parte mais rápida. O Seabra ajudou-me a escrever a comédia..Organizou também um festival de tatuagens. De onde é que vem esse amor às tatuagens? Eu gosto muito de tatuagens. O meu compadre é tatuador. Eu tenho uma empresa de produção de espetáculos, que é aquilo em que nós somos mesmo muito bons, ou seja, a produzir. Um dia ele chegou à minha beira e disse: queres fazer uma convenção de tatuagens? Queria fazer uma coisa pequenina, mas neste momento somos a melhor convenção de tatuagens da Península Ibérica. Nós ultrapassamos Madrid e Barcelona. E não vou descansar até sermos a melhor, ou das melhores, da Europa..Em relação a projetos futuros? O que podemos esperar? Tenho imensos projetos. Tenho 47 anos e tendência de morrer aos noventa. Agora estou numa nova carreira de representação. Tenho 23 anos de carreira de entretenimento e dois anos de carreira de representação. Sou um bebé a dar os primeiros passos. Preciso de ter a humildade de perceber que já tenho o nome conquistado na comédia e no stand-up, mas ainda estou a começar no mundo da representação. Tenho de ter a humildade de querer aprender com os meus colegas, de ter de aceitar um papel menor, de receber salários mais baixos. Para todos os efeitos, o Fernando Rocha ator chegou agora..Considera que ser ator é o seu novo sonho? Claro. Isto de aceitar condições menores é semear para depois colher. Estou a investir na minha carreira, a semear para colher. Estou também assim a demonstrar humildade e a humildade abre portas. A humildade é a chave..mariana.goncalves@dn.pt