Falta pouco para saber se haverá mesmo uma vacina eficaz
Com a segunda vaga da pandemia a ganhar proporções que podem deixar a situação sanitária fora de controlo em vários países da Europa nas próximas semanas, as esperanças para a solução do problema recaem com peso crescente e maior urgência sobre uma futura vacina eficaz e segura. A corrida vai em passo veloz e poderá estar perto de alcançar uma meta, mas nada está ainda garantido.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), há neste momento quase duas centenas (198) de candidatas a vacinas em desenvolvimento no mundo, das quais 44 estão agora em avaliação clínica. Destas, um número mais pequeno (dez) entrou na derradeira etapa de desenvolvimento: a chamada fase 3.
Esta é a etapa mais crítica, que é suposto durar alguns meses e testar dezenas de milhares de pessoas, para que fique demonstrado sem margem para dúvidas que o produto é, não apenas eficaz na prevenção da doença, mas também completamente seguro.
Este passo é, aliás, uma espécie de momento da verdade. E a história mostra que é aqui, justamente, que uma grande percentagem de candidatas acaba por falhar.
Neste preciso momento ainda não é possível distinguir quais as candidatas a vacina que poderão chegar ao final da respetiva maratona com sucesso, para poderem então passar à fase seguinte: a da produção em massa para uso humano. Mas dentro de um mês, no final de novembro, é possível que já se fique a saber se teremos mesmo uma ou mais vacinas para prevenir a infeção pelo coronavírus.
Foi isso mesmo que o conselheiro da Casa Branca para a covid-19, Anthony Fauci, disse neste domingo, em entrevista à BBC News.
"Saberemos se uma vacina é segura e eficaz no final de novembro, princípio de dezembro", afirmou o especialista, sublinhando que, a confirmar-se a eficácia e segurança, "de uma vacina, ou de mais do que uma", a questão seguinte será a de saber "como se conseguirá fazê-la chegar o mais depressa possível às pessoas que precisam dela".
O conselheiro da Casa Branca estima que os profissionais em maior risco de contágio deverão ser prioritários, e que "passarão ainda alguns meses do próximo ano" até que uma futura vacina "possa ficar mais amplamente disponível" para a população.
A corrida ao desenvolvimento de uma vacina para prevenir a covid-19 é a vários títulos inédita - tal como a própria pandemia para a esmagadora maioria da humanidade atual.
Passados apenas oito meses desde que a OMS declarou a situação pandémica, o ponto em que se está na tentativa de desenvolvimento de uma vacina não tem precedentes, com uma dezena de candidatas já em fase 3 de ensaios clínicos - para se ter uma ideia, até hoje, a vacina criada mais rapidamente foi a da papeira, e levou quatro anos.
Se houver mesmo uma ou mais vacinas para a covid-19 já no próximo ano, isso constituirá um novo recorde absoluto.
Mas quais são, afinal, as candidatas mais bem posicionadas para chegar mais rapidamente a um resultado? Eis algumas delas, que nos últimos meses se destacaram por terem chegado à fase 3 dos ensaios clínicos.
Uma delas é a da Universidade de Oxford/AstraZeneca, que está a ser desenvolvida por aquela universidade britânica, em colaboração com a farmacêutica, e que iniciou a derradeira fase de testes em 31 de agosto.
O plano inclui a participação de 30 mil voluntários no Reino Unido, Brasil e Estados Unidos. Em setembro, os ensaios foram interrompidos devido a doença de uma voluntária que apresentou sintomas do foro neurológico, mas recomeçaram dois dias depois, quando a autoridade reguladora britânica afirmou que isso era seguro.
O ensaio esteve de novo suspenso na semana passada, após a morte de um voluntário brasileiro de 28 anos, que terá tomado um placebo e não o produto imunizante, mas já foi, entretanto, retomado. Os responsáveis estimam que poderão ter uma vacina disponível já em janeiro.
Outro dos que estão em testes alargados, nomeadamente no Brasil, é o protótipo de vacina do laboratório chinês Sinovac. Também esta futura vacina, segundo os seus responsáveis, e se tudo correr bem, poderá começar a ser produzida a partir de janeiro, no Brasil, sob o nome de CoronaVac.
Já a farmacêutica norte-americana Moderna anunciou na semana passada que o seu protótipo de vacina contra o SARS-CoV-2 vai agora iniciar a fase 3. Os ensaios clínicos serão realizados nos Estados Unidos e envolverão 30 mil participantes, incluindo nove mil de minorias étnicas (hispânicos e afro-americanos), bem como grupos comunitários, como idosos e doentes crónicos.
Mais há ainda mais candidatas nesta lista. Uma outra, também na última fase de ensaios clínicos, é a da Pfizer, em colaboração com a alemã BioNTech e a Fosun Pharmaceutical, que contam iniciar a produção de uma vacina no final do ano, início de 2021, se tudo correr como previsto.
A Johnson & Johnson's Janssen Pharmaceutical Companies, por seu turno, iniciou em 23 de setembro ensaios clínicos alargados, com a previsão de recrutamento de 60 mil voluntários no Brasil, Chile, Estados Unidos e México, entre outros países, mas também teve os testes interrompidos este mês por doença de um participante. Os testes, entretanto, já recomeçaram.
Há ainda outras que estão a ser desenvolvidas por grupos da China, e neste domingo Israel anunciou que um protótipo de vacina desenvolvido por investigadores do seu país iniciará a fase 3 de avaliação clínica a partir de 1 de novembro.
Candidatas não faltam, e é bem possível que alguma delas, ou várias, cheguem a bom porto. Se isso se concretizar, segue-se a fase igualmente complexa da sua produção em massa e distribuição. Mas fazê-lo em quantidades suficientes para uma população mundial de quase oito mil milhões de pessoas, não se conseguirá de um dia para o outro.
Por isso o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesu, decidiu neste domingo fazer um apelo à solidariedade global no lançamento e distribuição de uma eventual futura vacina contra a covid-19.
Na sua intervenção por vídeo numa cimeira da saúde a decorrer em Berlim, <>ong>Tedros Adhanom Ghebreyesu disse que o mundo só recuperará da pandemia se o fizer como um todo e garantindo que os países mais pobres têm acesso justo à vacina.
"É natural que os países queiram proteger primeiro os seus próprios cidadãos mas se, e quando, tivermos uma vacina eficaz, teremos de usá-la também com eficácia", sublinhou. "A melhor maneira de o fazermos é vacinar algumas pessoas em todos os países, em vez de todas as pessoas em alguns países", afirmou ainda o diretor-geral da OMS. E deixou o aviso: "Deixem-me ser claro: o nacionalismo nas vacinas vai prolongar a pandemia, não encurtá-lo."