Extrema-direita é a nova ameaça à segurança do Ocidente
O número de vítimas mortais de atentados terroristas voltou a descer em 2019 - 13 826, menos 15% do que no ano anterior - mantendo a tendência de queda desde 2014. O mundo parecia estar a ficar mais seguro, mas há uma nova ameaça identificada no Ocidente: o terrorismo de extrema-direita.
Segundo o relatório Global Index for Terrorism (GTI), 82% das mortes por terrorismo no Ocidente aconteceram a sequência de atentados executados por grupos ou pessoas desta tendência ideológica. Esta avaliação do mundialmente reconhecido Instituto para a Economia e Paz - em que é analisado o impacto do terrorismo em 163 países que representam 99,7% da população mundial - regista que, a seguir ao declínio do ISIS, a extrema-direita está a emergir como a nova ameaça à segurança do Ocidente.
CitaçãocitacaoO terrorismo de extrema-direita e a violência politicamente relacionada são uma ameaça crescente no Ocidente.
"Embora o impacto geral do terrorismo tenha diminuído nos anos mais recentes, novas ameaças continuam a surgir. O epicentro do terrorismo jihadista mudou, da região do Médio Oriente, do Norte de África, do Afeganistão e do Paquistão para a África Subsariana e o Sul da Ásia, enquanto o terrorismo de extrema-direita e a violência politicamente relacionada são uma ameaça crescente no Ocidente", é escrito no documento.
Na última década, deveu-se essencialmente à extrema-direita o aumento do terrorismo com motivação política - de um único caso registado em 2010, passou para 49 em 2019. De acordo com este relatório, entre 2002 e 2014, os incidentes relacionados com a extrema-direita nunca representaram mais de 14% do total de ataques no Ocidente.
No entanto, esse número cresceu para 40% em 2015 e aumentou para 46% em 2019. Na América do Norte, na Europa Ocidental e na Oceânia, os ataques de extrema-direita aumentaram 250% desde 2014.
Da mesma forma, a proporção de mortes atribuídas a pessoas ou a grupos de extrema-direita aumentou de 26% em 2014 para 82% em 2019. No total, 89 das 108 mortes por terrorismo no Ocidente no ano passado foram realizados por extremistas de direita. De 2014, ano em que se registaram 11 mortes motivadas por elementos da extrema-direita, a 2019 (com 89) houve uma escalada de 709%.
Em março desse ano, na Nova Zelândia, um atirador solitário atacou duas mesquitas em Christchurch, matando 51 pessoas e ferindo mais 49. Cinco meses depois, em El Paso, Texas, outro atirador solitário extremista de direita atirou, matando 23 pessoas e ferindo 23.
CitaçãocitacaoPossivelmente, a próxima vaga de terrorismo internacional será marcada por grupos e indivíduos de extrema-direita.
Apesar de considerar "os números ainda irrisórios, em termos absolutos, ao comparar com os de anos anteriores e com as mortes relacionados no terrorismo religioso", o analista de segurança internacional Diogo Noivo não deixa de ver este "aumento de incidentes terroristas ligados à extrema-direita como mais um indicador a sugerir que, possivelmente, a próxima vaga de terrorismo internacional será marcada por grupos e indivíduos de extrema-direita".
Felipe Pathé Duarte, investigador de segurança nacional, salienta que "o terrorismo de extrema-direita tornou-se mais letal do que o da extrema-esquerda, resultado, essencialmente, de ações individuais".
Para este professor da Nova School of Law, "a erosão democrática de alguns Estados ocidentais, as lideranças populistas e uma maior perceção de insegurança poderão ter contribuído para esse aumento".
O Global Index for Terrorism caracteriza a extrema-direita como uma ideologia política que contém um ou mais dos seguintes elementos: nacionalismo, racismo, fascismo, antissemitismo, anti-imigração, chauvinismo e xenofobia.
"Na maioria, os casos de terrorismo separatista ou de motivação religiosa, durante as últimas duas décadas, ocorreram dentro do contexto de um conflito em curso, seja um conflito armado de baixa intensidade, uma guerra civil ou terrorismo em resposta a uma guerra civil que transbordou de um país para seus vizinhos.
DestaquedestaqueO terrorismo de extrema-direita no Ocidente aumentou em conjunto com a crescente agitação política, polarização e aumento da popularidade de novos movimentos políticos e políticas populistas.
Já o terrorismo de extrema-direita no Ocidente aumentou em conjunto com a crescente agitação política, polarização e aumento da popularidade de novos movimentos políticos e políticas populistas. A instabilidade política é sintomática de uma agitação mais ampla que potencialmente pode levar a formas mais sérias de conflitos", escrevem os peritos do Instituto para a Economia e Paz.
Assinalam que "o aumento dos ataques de extrema-direita levou a um intenso debate sobre o natureza e extensão desta ameaça, em particular se este terrorismo é agora uma ameaça maior no Ocidente do que o terrorismo jihadista radical".
O GIT regista que "o terrorismo de extrema-direita foi mais letal do que o terrorismo de extrema-esquerda nas últimas duas décadas, mas não tão letal quanto o terrorismo islâmico: os ataques de extrema-direita causaram uma média de 0,86 mortes por incidente, muito maior do que 0,11 mortes por incidente para ataques de extrema-esquerda, mas também substancialmente menor do que as 4,49 mortes por ataque de terrorismo islâmico radical no Ocidente".
Em Portugal, os serviços de informações e a Polícia Judiciária (PJ) têm acompanhado o fenómeno, alertando para atividade em crescendo destes grupos e desencadeando operações e detenções.
"Em Portugal, a extrema-direita tem vindo a reorganizar-se, reciclando discurso, formando novas organizações e recrutando elementos junto de determinadas franjas sociais a que normalmente não acediam num passado não muito distante", registou o Serviço de Informações de Segurança (SIS) na análise da ameaça no nosso país, integrada no Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2019.
Neste ano, o Ministério Público acusou 27 skinheads, com base numa investigação da PJ.
Segundo este estudo, desde 2014 que o número de mortes por causas terroristas caiu 59%, para 13 826, e mais de 96% dessas mortes ocorreram em 2019 em países assolados por conflitos.
O relatório indica que as maiores quedas no número de vítimas ocorreram no Afeganistão e na Nigéria, embora esses dois sejam os únicos países em que foram registadas mais de mil mortes por terrorismo.
Os dez Estados com maior impacto do terrorismo foram Afeganistão, Iraque, Nigéria, Síria, Somália, Iémen, Paquistão, Índia, República Democrática do Congo e Filipinas. O Sul da Ásia continuou a ser a região mais afetada pelo terrorismo em 2019, apesar das melhorias no Afeganistão, no Paquistão e na Índia.
O centro de gravidade do Estado Islâmico do Iraque e da Síria foi transferido para a África Subsariana, com o aumento de 67% no total de mortes na região pelo ISIS.
"A redução do número de vítimas mortais em atos de terrorismo pelo quinto ano consecutivo marca uma tendência clara. Deve-se a vários fatores, nomeadamente ao ocaso territorial do Estado Islâmico no Iraque e na Síria há precisamente cinco anos", afirma Diogo Noivo.
"Não obstante a tendência global, há um aumento apreciável de atividade de grupos afiliados ao Estado Islâmico na África Oriental, nomeadamente em Moçambique. Nesta região há um problema sério. São grupos com militância local - e não uma importação completa, como argumentam alguns governos da região. Têm sido capazes de explorar vazios de poder, debilidades institucionais e clivagens sociais em beneficio próprio. É expectável que o problema se agrave", acrescenta ainda este especialista em terrorismo, autor do livro História da ETA - Nação e Violência em Espanha e Portugal.
Moçambique está entre os dez países a nível mundial com mais mortes por terrorismo em 2019 (186), uma lista que tem no topo o Afeganistão.
Felipe Pathé Duarte nota que nas zonas da costa ocidental africana e Sahel (Burkina Faso, Mali, Níger e Camarões) e da África Subsariana (Moçambique, República Democracia do Congo e Etiópia), onde se verificou um aumento da influencia do jihadismo global, "há uma gramática comum neste crescendo: não nasce do nada. Parasita ressentimentos autóctones contra o poder central. Explora vazios de governance, catalisa-os numa identidade e depois dá-lhes estrutura na forma de sublevação islâmica". Este investigador considera que, atualmente, "África está a ser o oxigénio da jihad global".
Portugal é o único país da Europa Ocidental sem eventos de terrorismo. Na tabela do IPE relativa ao continente europeu, no topo está a Turquia (40 mortes de um total de 58), seguida do Reino Unido e da França.
Na lista dos 163 países, Portugal está no fundo da tabela, juntamente com a Croácia, a Islândia, a Roménia e a Eslovénia, todos com uma confortável classificação de "zero" impacto de atentados.
A explicação do presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo, António Nunes, é que "Portugal é um país que tem sabido lidar com o fenómeno do terrorismo através de políticas de prevenção, da boa cooperação entre intelligence e polícia e das boas condições de integração das minorias onde os movimentos terroristas têm noutros países um vasto campo de desenvolvimento de ideias e ideologias radicais".
Avisa, contudo, que "para se poder manter este quadro e o ranking, o Estado português tem de apostar mais no controlo do ciberespaço e dotar as polícias e os serviços de intelligence, além de aproveitar as capacidades das Forças Armadas, dos meios tecnológicos e de recursos humanos capazes de lidar com este fenómeno com repercussões mundiais".
Por seu turno, Diogo Noivo sublinha que "não há explicações simples e casuais para a singularidade do caso português.
Avança com alguns fatores que podem influenciar este estado de graça: "A inexistência de focos de radicalização implementados em Portugal é importante - contrariamente ao que por vezes se ouve e lê, o recrutamento online é pouco expressivo, acontecendo na maioria dos casos de forma presencial; a inexistência de um conflito entre identidade nacional e identidades religiosas é outra explicação possível - esta é uma das clivagens exploradas pelo jihadismo na Europa para radicalizar e recrutar; a boa integração da imensa maioria da comunidade muçulmana portuguesa constitui certamente uma das explicações mais relevantes; os poucos casos de atividade jihadista verificados nos últimos anos foram resolvidos de maneira muito competente pelas forças e serviços de segurança, não permitindo que se instalassem e alastrassem no território nacional; a estreita colaboração bilateral entre Portugal e Espanha, país com vasta experiência no combate a várias formas de terrorismo, contribui certamente para o contexto favorável."