O Presidente da República gostava de um 2019 calmo, mas Marcelo Rebelo de Sousa sabe que "vai ser difícil". Sabe porque todos os anos eleitorais o são e este acumula duas idas às urnas, europeias e legislativas. E ainda porque é a primeira vez que vai avaliar-se o que os portugueses pensam da geringonça e de como o efeito do voto útil pode ter desaparecido depois de se ter experimentado a aliança mais do que improvável PS-PCP-BE..Ingredientes que fazem toda a diferença até para os partidos, sobretudo os de centro-direita. O PS parte em vantagem, grande vantagem, a não ser que a crise económica se instale na Europa ou mais uma tragédia se abata sobre o país. É por isso que António Costa, o "pai" da geringonça não pede a maioria absoluta, ainda que a ambicione quase declaradamente. Mas não vai hostilizar os partidos que lhe deram a mão para impedir a direita de governar e dos quais ainda pode precisar como pão para a boca a partir de outubro caso o desejo não se concretize..O líder do PSD, esse, joga tudo nestas eleições. As europeias vão servir para calibrar as legislativas, mas são sobretudo estas que ditarão o sucesso ou insucesso de Rui Rio e até uma reconfiguração de todo o centro-direita. Os críticos internos vão exigir-lhe uma vitória que sabem ser muito difícil, na expectativa que perca por muitos para que a queda seja estrondosa. Rio precisa de mobilizar as bases e convencer o país de que tem mesmo uma política alternativa à do governo. Mas em quê? Talvez tenha de se focar nas áreas em que o governo apresentou falhas: na segurança dos portugueses (entre incêndios, quedas de estrada e de helicóptero do INEM) e na instabilidade dos serviços públicos. Duas áreas transversais que bem exploradas podem fazer toda a diferença no contraponto ao "país das ilusões" de Costa, como vai fartar-se de dizer..Rui Rio e também Assunção Cristas, líder do CDS, enfrentam igualmente um novo partido de centro-direita, liderado por Pedro Santana Lopes. Roubará e a quem o eleitorado a Aliança? O ex-enfant terrible do PSD irá testar quanto vale nas legislativas. E há quem diga que em caso de catástrofe para os sociais-democratas pode ser ele a ajudar a reconfigurar o centro-direita. A 6 de outubro do ano que vai começar logo se verá se é um restart para este espaço político..Assunção Cristas é que tudo fará tudo para que o CDS cresça nestas eleições, à semelhança do que aconteceu em Lisboa quando encabeçou a lista do partido às autárquicas na capital. A líder centrista varreu o país, voltará a varrer e arroga-se de ser a única alternativa a Costa e não hesitará em dar alguns safanões ao PSD durante a campanha eleitoral, que começa dentro de poucos dias, apesar de as europeias apenas ocorrerem em maio..A estratégia do PS.Enquanto a direita se debate com a incerteza, os socialistas têm uma estratégia muito mais definida..O PS distante dos partidos à esquerda mas também a afastar-se do PSD (na revisão da Lei de Bases da Saúde, por exemplo, onde a proposta do governo ficou à esquerda do que propunha a comissão liderada por Maria de Belém mas à direita das exigências do BE e do PCP)..O PS distante dos partidos à esquerda mas ao mesmo tempo também distante do governo e mais próximo do PSD (na proposta vinda do governo para revisão do Estatuto do Ministério Público, por exemplo)..O PS a tentar sacudir a pressão do Bloco de Esquerda para se dar músculo orçamental ao estatuto do cuidador informal - o que aliás também é uma pretensão do Presidente da República..O governo - e, logo, o PS - pressionado por todos os lados, à esquerda e à direita, para resolver com urgência problemas prementes de investimento público, como os que se têm agudizado nos transportes públicos (comboios e barcos da travessia do Tejo em Lisboa, sobretudo)..Estar no centro e sem maioria absoluta tem destas coisas. O crescimento eleitoral pode fazer-se à esquerda e à direita. Mas as geometrias necessárias para se obterem entendimentos maioritários tendem para o infinito..Entretanto, a rua agita-se - e agita-se de uma forma nova. Nem a greve dos enfermeiros nem a que foi a dos estivadores de Setúbal foi enquadrada pela "institucional" e previsível CGTP (isso só está acontecer com os protestos dos professores por causa da contagem do tempo de carreira). No caso dos enfermeiros em particular, BE e PCP foram particularmente vocais a distanciar-se dos métodos escolhidos para o protesto. Mas, seja como for, milhares de cirurgias ficaram por fazer (mais de cinco mil, nos últimos números do governo) o que só contribuiu para a consolidar a imagem de um SNS com graves problemas de falta de recursos humanos e materiais. Até o ex-ministro Adalberto Campos Fernandes, removido do governo na última remodelação governamental, já veio dizer que o problema do SNS não é a sua lei de bases mas sim falta de investimento público..Maioria absoluta. É o que António Costa pretende nas próximas legislativas - e já pouco o esconde. Só que, mesmo dentro do PS, há quem tema que ser demasiado explícito na afirmação desse objetivo pode potenciar efeitos de voto útil nos partidos à esquerda do PS. Ou seja: algum crescimento eleitoral tanto do BE como da CDU por receio dos "desvios de direita" que um governo do PS com maioria absoluta pode representar..Mas as legislativas só serão em 6 outubro de 2019. Antes haverá eleições europeias (26 de maio). E essas eleições - mesmo apesar da elevada abstenção que se perspetiva - serão o momento ideal para perceber os tais efeitos do voto útil à esquerda..As europeias são eleições onde quem vota não o faz com a questão da estabilidade governativa a pesar na balança da decisão. No final de maio, PS, Bloco e PCP tenderão a perceber se os ganhos eleitorais resultantes das políticas de aumentos dos direitos e dos rendimentos postas em prática nesta legislatura irão todos para o partido do governo ou serão distribuídos pelos três principais partidos da geringonça. E, feita a leitura, calibrarão o tiro para as legislativas..Semanas antes das legislativas, em 22 de setembro, decorrerão as regionais da Madeira. Serão eleições ditadas exclusivamente pelas especificidades locais. O PS aposta tudo em conquistar, pela primeira vez, a presidência do governo regional, avançando com a candidatura do independente que preside à Câmara do Funchal, Paulo Cafôfo. As questões locais ditarão o resultado - mas este não deixará de ser explorado na campanha das legislativas já nessa altura em curso..Entretanto, tanto BE como PCP - e até o PAN - vão colocando outdoors na rua expondo o que conseguiram de seu nas medidas postas em prática nesta legislatura, tentando que as conquistas da governação não revertam todas eleitoralmente para o PS (como parece ter acontecido nas autárquicas, que ditaram a maior vitória de sempre dos socialistas nestas eleições)..António Costa, pelo seu lado, parece ter definido no último debate quinzenal o tom do que será o seu discurso ao longo de 2019: grande agressividade com o PSD e o CDS e tom pedagógico com o BE e o PCP, explicando em português suave que a necessidade de ir procedendo a sucessivos abates da dívida pública não permite "dar um passo maior do que a perna" na despesa pública. Os dramas do Brexit no Reino Unido dão-lhe argumentos perante os parceiros de esquerda quando afirma que um caminho fora da União Europeia é um caminho de consequências imprevisíveis..E voltamos a Marcelo. Ano difícil? Uma coisa se sabe: o Presidente da República não tem experiência de gerir anos de legislativas. Foi a um Cavaco Silva em fim de mandato em Belém que coube, a contragosto, dar posse a António Costa como primeiro-ministro (26 de novembro de 2015). Marcelo só seria eleito depois, tomando posse em 9 de março de 2016..Se quiser manter os elevados índices de popularidade, Marcelo terá de ter o cuidado de não ver as suas posições interpretadas como sendo favoráveis ao PS ou ao PSD. Insistir demasiado, por exemplo, em apelos para que das legislativas saia uma solução governativa estável poderá ser visto como um apoio ao PS - o partido que as sondagens dizem mais perto da maioria absoluta.