EUA, Rússia e China. Do clima ao espaço, com Ucrânia e Taiwan em pano de fundo
Existe mais acordo entre a China e os EUA do que divergência." A frase é de um responsável chinês, mas o pormenor está no contexto: as alterações climáticas. Em plena cimeira de Glasgow, Pequim e Washington anunciavam um acordo surpresa para melhorar a cooperação na área do clima na próxima década. Uma boa notícia, tendo em conta que os dois países são os maiores poluidores do mundo. O problema é que a cooperação entre ambos parece ficar-se por esta área, numa tensão crescente que tem como pano de fundo a situação com Taiwan, as violações de direitos humanos, a guerra comercial e a covid-19.
Mas esse não é o único problema diplomático em cima da mesa do presidente norte-americano, Joe Biden. Quando chegou à Casa Branca, o democrata defendeu "relações estáveis e previsíveis" com Moscovo, mas o ano de 2022 chegará com a situação tudo menos estável e previsível. A presença de tropas russas junto à fronteira com a Ucrânia e a lista de exigências em relação às garantias de segurança da Europa que o presidente Vladimir Putin enviou a Washington - e que serão discutidas pelas vias diplomáticas a 10 de janeiro - estão no centro da mais recente tensão, que inclui também a sempre presente ameaça de uma guerra cibernética e a expansão para um novo palco de conflito: o espaço.
Trinta anos depois da queda da União Soviética, o mundo parece encaminhado para uma nova Guerra Fria. A Rússia continua a ser o adversário, mas não é o único: a China é considerada pela administração norte-americana como "o maior teste geopolítico" para os EUA no século XXI.
"A relação China, EUA e Rússia está marcada por várias questões. A primeira é o declive dos EUA como a maior potência mundial. Tanto em peso económico global, como em capacidade de influenciar o destino e as decisões políticas de outros países, e em legitimidade internacional, os EUA encontram-se numa fase forte de declive, o que não quer dizer que vá perder todo o poder que tinha. Vai continuar a ser uma das grandes potências mundiais, mas não vai ser a única", disse ao DN Mariano Aguirre, investigador em temas de paz e conflitos e membro associado da Chatham House de Londres.
"No caso da China é o oposto. A China é uma grande potência em crescimento. É uma potência tecnológica, militar e comercial em ascensão. Ainda não tem o poder que têm os EUA, mas tem a capacidade de competir com os EUA, de igualar os EUA em alguns campos e, segundo algumas previsões, pode conseguir ultrapassar a capacidade de influência global dos EUA dentro de 20 ou 30 anos", acrescentou o especialista, antigo diretor do Centro Norueguês para a Resolução de Conflitos.
"O caso russo é diferente. A Rússia não tem nem a capacidade económica, nem comercial, nem tecnológica e industrial que têm a China e os EUA. Contudo, é um país geográfica e demograficamente forte e um país que pode ter influência em determinadas zonas, quer seja porque antes a tinha a União Soviética ou porque conseguiu ocupar espaços que antes ocupavam os EUA", referiu, dando o exemplo da intervenção russa na Síria, que permitiu fazer virar a balança a favor do presidente Bashar al-Assad quando as coisas pareciam negras para este.
A administração norte-americana considera que a relação com a China é o maior teste geopolítico para os EUA no século XXI, sendo este um dos poucos temas que conseguem juntar democratas e republicanos. "É o único concorrente potencialmente capaz de combinar o seu poder económico, diplomático, militar e tecnológico para criar um desafio sustentado a um sistema internacional estável e aberto", segundo um documento do Departamento de Estado.
Mas o que é verdade em questões políticas, pode não ser verdade em questões económicas ou comerciais. "Há setores políticos que definem a China como o inimigo principal, presente e futuro dos EUA, basicamente pela concorrência comercial, tecnológica e financeira e eventualmente militar, nomeadamente na zona do Pacífico", explicou Mariano Aguirre ao DN. Contudo, isso entra em contradição com os interesses económicos. "Enquanto Biden se esmerou em definir a China como inimigo, setores muito fortes de Wall Street continuam a fazer imensos investimentos, negócios e alianças com o setor financeiro com a China", referiu. Ou seja, "há uma narrativa política de inimigo e um interesse económico que não coincidem necessariamente", disse Mariano Aguirre ao DN.
A relação entre a China e o Ocidente tem-se vindo a deteriorar ao longo dos anos, quer seja por causa das guerras comerciais, quer seja devido às questões de direitos humanos - desde a perseguição aos uígures à nova lei de segurança em Hong Kong - ou as promessas de reunificação com Taiwan, com Pequim a não excluir o uso da força para a garantir. Tudo com o pano de fundo, desde final de 2019, da pandemia de covid e das dúvidas sobre a sua origem. Um revés será o bloqueio diplomático, já anunciado por vários países, nos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim.
O ano de 2022 será fundamental para a liderança chinesa, com Xi Jinping na calha para garantir um terceiro mandato de cinco anos como secretário-geral do Partido Comunista e presidente. Entretanto, já foi elevado à categoria de líder histórico, onde só estão o pai da Revolução Chinesa e fundador Mao Tsé-tung e o arquiteto da transformação económica Deng Xiaoping.
A aparente distração dos EUA com a China parece ter incentivado a Rússia, com o foco da tensão a ser atualmente a Ucrânia. O Ocidente acusa Moscovo de ter reforçado a presença militar junto à fronteira com este país (cujo território da Crimeia anexou em 2014), com Washington a avisar desde meados de novembro que o presidente Vladimir Putin pode estar a preparar uma grande invasão. Os russos negam esta possibilidade, mas vão repetindo que estão preparados para empreender ações militares em resposta à "postura agressiva", traçando exigências à Aliança Atlântica para que feche as portas a uma eventual adesão de Kiev.
A retórica de ambos os lados tem vindo em crescendo, com EUA e União Europeia a ameaçarem com sanções económicas caso a Rússia passe à ação. Moscovo, por seu lado, acusa os norte-americanos de estarem a colocar mísseis Tomahawk na Polónia e na Roménia, que representam uma ameaça à sua segurança. Ainda assim, neste clima de Guerra Fria, Putin tem alegado querer resolver a situação por "meios políticos e diplomáticos".
Os EUA podem ser o único superpoder militar do mundo, mas os países que surgem em segundo e terceiro lugar na lista de potências nesta área, isto é, a Rússia e a China, têm feito uma aposta no setor - veja-se os mísseis hipersónicos de Moscovo que escapam aos radares e os que conseguem destruir satélites em órbita ou os mísseis também hipersónicos de Pequim capazes de dar a volta ao planeta antes de atingir o seu alvo. E quando o caminho parece ser a cooperação militar de ambos os países diante daquele que pode ser visto como o inimigo comum, isso pode "complicar os cálculos norte-americanos" e obrigar a "reavaliar os planos de contingência" em cima da mesa, segundo um relatório do think tank Rand Corporation.
"Embora os estrategas militares dos EUA esperem e assumam frequentemente que qualquer conflito com a China e a Rússia pode ocorrer um de cada vez, essa suposição é cada vez mais questionável e até mesmo perigosa", escreveram em outubro três especialistas na área da Defesa num artigo no site DefenseOne, depois dos primeiros exercícios navais entre chineses e russos no Pacífico. "Este é um mundo que se move mais em alianças pragmáticas e flexíveis do que em linhas ideológicas e políticas, como era a Guerra Fria", lembrou Aguirre ao DN.
Quando o então presidente norte-americano Donald Trump anunciou a criação de uma "Força Espacial" dentro das Forças Armadas norte-americanas declarando que o espaço era "o mais novo domínio de combate do mundo", a notícia foi recebida por muitos com chacota - deu até origem a uma série de comédia na Netflix. Mas quando os russos começam a rebentar com satélites em órbita isso faz soar os alarmes em todo o mundo, assim como a crescente aposta da China no seu programa espacial.
Na corrida ao espaço original, na década de 1960, os russos conseguiram vencer ao pôr o primeiro homem em órbita (Yuri Gagarin, 1961), com os norte-americanos a responder colocando o primeiro homem na Lua (Neil Armstrong, 1969). A China entrou já neste século na nova corrida ao espaço - onde os privados estão também cada vez mais presentes - colocando o primeiro homem no espaço em 2003, tendo previsto ter uma estação espacial permanente em funcionamento no final de 2022 (a Estação Espacial Internacional está a chegar ao fim de vida), além de missões tripuladas à Lua (os EUA também preparam o seu regresso com uma tripulação feminina).
No âmbito militar, os EUA parecem estar a perder terreno, com um dos generais da Força Espacial a dizer ao The Washington Post que a China poderá tornar-se a primeira potência no espaço dentro de uma década. Os chineses estão a colocar satélites em órbita ao dobro da capacidade dos norte-americanos. Se os russos estão a testar mísseis capazes de destruir satélites, os chineses já estão a usar lasers para interferir com os satélites norte-americanos e tem havido relatos de que já terão desenvolvido satélites capazes de agarrar com um braço robótico outros satélites.
Área
EUA: 9 833 520 km2
Rússia: 17 098 242 km2
China: 9 596 960 km2
Fronteiras terrestres
EUA: 12 002 km (com dois países)
Rússia: 22 407 km (com 14 países)
China: 22 457 km (com 14 países)
População:
EUA: 331 449 281 (censo 2020)
Rússia: 143 759 445 (estimativa)
China: 1 411 778 724 (censo 2020)
Média de idades
EUA: 38,5 anos
Rússia: 40,3 anos
China: 38,4 anos
PIB (PPC) previsões Banco Mundial 2020
EUA: 20 936 biliões
Rússia: 4133 biliões
China: 24 273 biliões
PIB per capita (PPC) previsões Banco Mundial 2020
EUA: 63 544 dólares
Rússia: 27 887 dólares
China: 17 312 dólares
Orçamento militar
EUA: 778 mil milhões de dólares (3,7% do PIB)
Rússia: 61,7 mil milhões (4,3% do PIB)
China: 252 mil milhões de dólares (1,7% do PIB)
Militares
EUA: 2 233 050 (1 388 100 no ativo)
Rússia: 3 568 000 (1 014 000 no ativo)
China: 4 015 000 (2 185 000 no ativo)
Orçamento espacial
EUA: 48 mil milhões de dólares
Rússia: 4 mil milhões de dólares
China: 8,9 mil milhões de dólares