John, Paul, George e Ringo fazem parte da família de Tiago e Joana Lopes desde que os dois irmãos se lembram de existir. "Os nossos pais tinham sempre a aparelhagem ligada a passar boa música, nomeadamente dos anos 50, 60 e 70", lembra Tiago, 28 anos. "Os Beatles estavam sempre em destaque." A irmã concorda: "Os CD passavam constantemente em loop, mas os álbuns que ouvíamos mais vezes eram o Please Please Me e o A Hard Days Night." Joana tem 25 anos e, tal como o irmão, também tem uma carreira em que a música está presente (é cantora e fotógrafa)..O ponto de partida para a banda dos fab four entrar em definitivo na sua vida foi a música que lhe embalou a infância, Let It Be, que a mãe usava para ajudar a filha a "descomplicar", mas o caminho foi feito pelos dois irmãos, em dupla..A banda dos cotas passou a ser a banda da vida de ambos, com direito a músicos preferidos. Para Tiago, é George Harrison, "porque está ali no cantinho dele, mas quando fazia uma música, era sempre algo maravilhoso". E aponta canções com facilidade: I NeedYou, Something ou HereComes the Sun são provas legítimas da sua preferência..Os dois irmãos conhecem toda a discografia dos Beatles, as histórias que levaram à composição de cada faixa, o percurso de cada músicopós-beatlemania. A morte do pai, um ex-polícia que morreu em serviço quando os dois irmãos ainda eram crianças, fê-los reencontrar na banda a ligação interrompida. Por isso, entre os álbuns favoritos elegem a coletânea Rock 'n' Roll Music, "a preferida do nosso pai". Joana "Lennon" recorda-se sobretudo de ter ouvido centenas de vezes HardDaysNight. "Os nossos pais tinham o DVD. Vi aquele filme tantas vezes a ponto de decorar as falas e todas as músicas", conta..Se em casa dos irmãos ser fã de Beatles era tão natural como o ADN em comum, na rua os amigos estranhavam. "Diziam que não fazia sentido ouvir essa música antiga." Tiago acredita que acabou por convencê-los de que "os Beatles foram os maiores de sempre"..Como músicos, a explicação para preferirem esta e não a sua contemporânea tem uma explicação menos emocional. "Antigamente era tudo muito mais orgânico, ou havia talento ou não havia. Hoje, com a tecnologia, tudo é possível. Nem é possível comparar estas bandas com as da atualidade", diz Tiago. Joana concorda. Já discutiram o tema entre eles inúmeras vezes e a conclusão é unânime. "Os Beatles foram pioneiros, abriram muitas portas para músicos e artistas futuros. É curioso ver a sua influência em bandas e músicos atuais", diz a cantora.."A história da nossa vida tem sempre os Beatles a tocar em fundo".No Algarve, onde vivem, ninguém conhece Joana pelo apelido Lopes. É experimentar perguntar por Joana Lennon, como lhe chamam em Vila Real de Santo António, e talvez indiquem o bar onde a cantora irá atuar. "Os amigos começaram a chamar-me assim por causa da minha paixão pelos Beatles e acabou por ficar." Mais tarde, quando criou a banda com o irmão, o grupo começou por chamar-se Joana Lennon Band, nome que acabou por ser alterado para o definitivo Joana Lennon Music..Tiago e Joana Lopes pertencem ambos ao grupo de fãs de Beatles em Portugal - existe desde 2013 - e sabem que não existem muitos fãs da idade deles, ou com a mesma paixão. "Acho que temos de tudo o que existe relacionado com a banda. Todos os álbuns, alguns vinis, DVD, roupa, posters, palhetas... o Tiago até tem uma correia da guitarra.".Já viajaram de Vila Real de Santo António para Madrid para assistirem a um concerto de Paul McCartney. "A história da nossa vida tem sempre os Beatles a tocar em fundo", admite, por isso não é difícil imaginar que também tenham, ambos, tatuagens relacionadas com a banda.."Tenho o braço esquerdo todo tatuado [com desenhos alusivos ao Beatles]. É a maneira de quando estou a tocar as pessoas verem a minha essência, quase como se fosse o meu cartão-de-visita", diz o irmão mais velho. Joana tatuou AbbeyRoad e o nome da banda nas costas, e na perna direita exibe a sua frase preferida da música The End. Mais pequena, quase como um sussurro, pediu ao tatuador para escrever a expressão que a mãe sempre lhe disse e que é também o nome de um dos temas mais conhecidos dos quatro de Liverpool: Let It Be. Os irmãos partilham ainda uma tatuagem: "In my life, I love you more", retirada de In My Life. Dos Beatles, claro.."A culpa é do meu pai", diz Gabriel Dias, de 13 anos. É fã de Smiths e de David Bowie.Há 24 anos, Patrick Morrissey criava, em Manchester, uma banda para a qual escolheu o nome mais vulgar: The Smiths. A banda de rock alternativo acabou poucos anos depois, em 1987, antes de Gabriel Dias, de 13 anos, ter nascido. Mas é a sua banda favorita, só perdendo lugar para a adoração por David Bowie.."A culpa é do meu pai", diz o adolescente, que nos últimos dois anos começou a olhar para a infância de uma forma muito diferente. "O meu pai estava sempre a ouvir música dos anos 80 e 90 em casa. Foi ele quem me apresentou a maioria das músicas que ouço, mas outras fui descobrindo sozinho.".Antes, confessa que só ouvia "músicas horríveis", mas deu por ele a chegar a casa, depois da escola e, ao contrário dos amigos, deixar a PlayStation e a televisão de lado para se deitar no sofá de auscultadores nos ouvidos e ficar a ouvir música durante horas.."Começo então a pedir ao meu pai para me dar música", diz Gabriel. Nuno Dias, o pai babado, fez-lhe a vontade. Agora, compram tudo em dupla, desde t-shirts a discos e CD". No Natal, Gabriel Dias ofereceu ao pai um dos seus álbuns preferidos da banda Meat Is Murder e, no aniversário do pai, decidiu repor uma injustiça: "Ofereci-lhe o ZiggyStardust, do David Bowie, mais um daqueles discos que emprestou e já não se lembrava a quem e nunca o tinham devolvido", conta o adolescente..Gabriel tem 13 anos e às vezes faltam-lhe as palavras para explicar por que razão gosta destas bandas e não de outras. "Sobre os The Smiths é o instrumental, mas também a letra e a voz. O Johnny Marr organizava um instrumental incrível e o Morrissey tinha a voz que o Morrissey tem.".David Bowie é como um irmão mais velho. "Existe na minha vida desde sempre. Significa aquele tipo de pessoas que produzem música e não têm medo nenhum de ser completamente fora da caixinha", diz Gabriel, que gosta disso, até porque se sente, ele mesmo, "completamente fora da caixa". "Não é só pela música que ouço, mas pelos filmes que vejo e até pelo meu estilo de vida: odeio dormir até tarde, por exemplo. Os meus amigos jogam futebol e eu jogo basquetebol. Não faço o que os outros costumam fazer...".Gabriel acredita que "não é difícil encontrar este tipo de música e gostar logo desde a primeira" e não percebe como é que os miúdos da sua idade preferem ouvir hiphop ou funk. "As pessoas hoje encontram música nas sugestões do YouTube e o que aparece é tudo mau. Depois andamos todos a ouvir o mesmo.".Também gosta dos Orchestral Manoeuvres in the Dark e até já ensina coisas sobre música ao pai. "Ele dizia que os OMD tinham sido os primeiros a fazer música eletrónica, mas eu descobri um músico que me pareceu ter sido o primeiro", recorda. Ouviu na rádio e chegou ao nome com a ajuda da app Shazam. Gabriel falava de Mort Garson e de um disco de 1976. A canção chama-se Plantasia. O adolescente ganhou a discussão, o pai ficou de queixo caído. Encontrar músicas de que ambos gostem é também uma forma de Gabriel Dias agradecer. "Se não fosse o meu pai, iria ficar a ouvir música horrível até ao final da minha vida", diz o adolescente, que faz parte do grupo de fãs em Portugal dos The Smiths e de David Bowie..A imitadora oficial de Michael Jackson.Não foi uma sugestão do YouTube, mas sim um videoclip antigo a passar na televisão que despertou a curiosidade de Mafalda Oliveira. A canção era Black or White e o artista tinha um nome do qual a jovem de 20 anos nunca tinha ouvido falar. Foi em 2009 e desde então que a estudante de Turismo, a viver em Tires, diz ter ficado "viciada" em tudo o que esteja relacionado com Michael Jackson.."Comecei a ver vídeos e a querer saber mais e mais acerca dele." Ficou tão fã que decidiu aprender dança para poder imitar todas as coreografias do Rei da Pop. Dez anos depois daquele videoclip, conhece a história dos cinco irmãos Jackson, todos os pormenores da carreira do mais famoso, chorou a morte do músico anos depois de esta ter acontecido e entristece-se com as polémicas - é de uma lealdade a Michael Jackson a toda a prova..Em 2014, juntou-se ao Grupo Oficial de Fãs de Michael Jackson em Portugal. "Faço ainda parte de alguns grupos não oficiais e conheço vários fãs de todo o mundo por causa disso", conta Mafalda. Tem amigos na Índia, em Marrocos e nos EUA. São todos fãs do artista..Em Portugal, os fãs de Michael Jackson juntam-se em datas especiais, como no Natal ou no aniversário do músico. "Ultimamente somos menos, mas quando nos encontramos é sempre especial porque partilhamos a mesma paixão, dançamos e cantamos." Em Portugal, serão pelo menos 500 os fãs oficiais do músico..Tal como Joana, que assina Lennon como apelido, há muitos anos que Mafalda assina "Jackson" em todas as redes sociais. Em criança, chegava a chorar de tristeza por ter nascido "demasiado tarde". "Custava-me muito saber que nunca vou poder vê-lo ao vivo ou a lançar coisas novas. Às vezes penso como seria se tivesse nascido nos anos 1980.".Em dez anos, reuniu tudo o que há para reunir sobre Michael Jackson. Tem t-shirts, chapéus e fatos parecidos com os do músico, livros, quadros, posters e fotografias, DVD de concertos e videoclips. Até uma relíquia. "Tenho um bilhete que me foi oferecido, porque ainda não era nascida nessa altura, do concerto do Michael Jackson em Portugal [em 1991] e um dos objetos que mais valorizo, que é uma baqueta do ex-baterista [Sugarfoot] do Michael, que foi usada num concerto dele da HistoryWorldTour", conta, com uma felicidade palpável na voz. "Ganhei-a num concurso online.".Não compra as roupas em sítios oficiais, "vou comprando itens semelhantes e até faço como o Michael Jackson fazia com a mãe, roubo roupa à minha mãe, como um blazer preto ou umas calças", descreve..Se o sonho de conhecer o músico não é possível, Mafalda Oliveira gostaria então de ser reconhecida como a imitadora oficial de Michael Jackson. À semelhança do sósia oficial do artista em Portugal, Delfim Miranda, que é também o fundador do clube de fãs do músico..Tal como o grupo de fãs de Michael Jackson, também a banda Queen tem uma legião de fãs em Portugal. A culpa é um bocadinho de Miguel Coelho, de 31 anos. Nasceu mais ou menos na mesma altura em que o grande ícone da banda, Freddie Mercury, morreu..O "sim" do assistente pessoal de Freddie."Desde que me lembro de ser gente sempre ouvi falar bem dos Queen", diz Miguel Coelho. Com o primo, Alexandre Bernardo, de 30, fundaram o grupo de fãs da banda em Portugal. Era adolescente quando assistiu, na RTP 1, ao mítico concertoQueen Live at Wembley Stadium. Ficou fã e contagiou o primo, os amigos e a namorada, Patrícia Almeida, que aos 23 anos sabe tanto da banda como qualquer contemporâneo de Freddie..Por causa do grupo que criou, Alexandre já conheceu pessoalmente Roger Taylor e Brian May, um dia que não consegue esquecer. "Foi sentir que os meus ídolos como pessoas eram tão grandes e únicos como são como músicos.".Também inesquecível foi o aniversário dos seus 20 anos. Arrancou sozinho de Lisboa para Madrid para assistir pela primeira vez a um concerto da banda, então acompanhada de Paul Rodgers, o músico britânico que chegou a cantar com May e Taylor. "Cheguei ainda de madrugada ao recinto, tudo para ficar lá na frente. Nas filas conheci pessoas com quem ainda hoje me relaciono e que me ajudaram mais tarde com esta ideia de criar o Queen Portugal", recorda..O primeiro salário que ganhou na vida usou-o para comprar os seus primeiros artigos dos Queen: "Gastei-o todo em artigos da banda." O primeiro álbum a levar para casa foi Queen II, em versão vinil. Não tem uma canção preferida, nem sequer um álbum: "Os Queen têm músicas para todos os estados de alma", ou um membro favorito, até porque acredita que "só se tornaram este verdadeiro monstro sagrado pela valia e pela junção dos quatro elementos, os astros alinharam-se"..Foi em 2011, ano em que os Queen completavam 40 anos de existência, que Miguel Coelho decidiu criar um movimento oficial de fãs. A história de como o grupo nasceu é uma das memórias mais incríveis do seu fundador. Com o primo Alexandre e um amigo de Matosinhos, que está também na génese do grupo, decidiram contactar Peter Freestone (assistente pessoal de Freddie Mercury)..Explicaram que queriam fundar, em Portugal, "uma organização que tivesse como objetivo prestar homenagem e, em simultâneo, congregar toda a comunidade de fãs dos Queen em Portugal, sendo também o veículo, sempre em português, de toda a atividade que a banda e os seus membros fossem desenvolvendo". Não só tiveram resposta como Phoebe lhes deu toda a força para avançarem. O Queen Portugal está em www.QueenPortugal.com e existe também em todas as redes sociais - são mais de 16 mil no Facebook..Têm uma parceria com o Hard Rock Cafe de Lisboa e do Porto e costumam organizar o Freddie for a Day (neste ano foi o Freddie for a Week) no dia 5 de setembro, que é o aniversário de Freddie Mercury. "É a data mais importante do calendário anual de qualquer fã dos Queen", admite Miguel. "E sempre que exista algo relacionado com a banda na ordem do dia tentamos estar presentes e integrar o máximo de fãs possíveis. Para a primavera de 2020 já temos na calha um encontro nacional", anuncia..Uma das atividades que organizaram foi na altura do último concerto dos Queen + Adam Lambert em Portugal: "Era uma Altice Arena a respirar Queen por todo o lado, o palco, as luzes, o som, tudo era Queen. Uma vez mais fiquei de véspera para ver tudo nas grades, foi mais uma noite sem dormir, mas valeu a pena", recorda. Dias antes do concerto, a cereja no topo do bolo, quando, com o primo e o amigo, apresentaram o grupo de fãs portugueses a Brian May e a Roger Taylor..Fã de trash metal e dos Queen.A febre de Queen tinha renascido nessa altura e foi um crescendo que culminou com o lançamento do filme Bohemian Rhapsody. Foram os três para a rua com um Freddie em cartão e conseguiram levar 200 fãs à antestreia em Lisboa e em Matosinhos..Como qualquer fã, Miguel Coelho também coleciona tudo o que está relacionado com os Queen, mas prefere artigos oficiais da banda. "Por entre álbuns, DVD, bandeiras, posters, livros e demais memorabília, conto ter mais de 150 artigos." O seu preferido é o single de I Want to Break Free - "pertencia à minha mãe", explica..Patrícia Almeida nasceu em 1996 e antes de conhecer Miguel Coelho, o namorado, já tentava imitar as vozes da Bohemian Rhapsody com a mãe.."A minha orientação musical sempre foi mais na direção de metal, punk e rock, sendo certo que no rock os Queen serão sempre um dos gigantes para mim", diz a jovem. Miguel e Patrícia estão juntos há cinco anos e a banda faz parte da vida do casal em todos os momentos. "Muitas vezes, o plano de saída é ir ver os One Vision, conviver com outros fãs de Queen, que entretanto se tornaram amigos próximos, ou ficarmos no sofá a ver um dos concertos da banda ou a ler os comentários aos videoclips", conta Patrícia. Entre as suas canções e os álbuns favoritos, são poucos aqueles que passam na rádio.."O meu álbum favorito é o Jazz e começa com a música Mustapha, que temos por hábito pedir nos concertos de One Vision - ficam todos de boca aberta por não ser uma canção muito conhecida", diz. .A sua música preferida é, no entanto, a Cold Crazy, do disco Sheer Heart Attack - "outro álbum fabuloso, pela sua energia e pela proximidade com o thrash metal (há quem diga que foi umas primeiras músicas de thrash metal)", explica Patrícia. Por isso, não ficou espantada quando no festival Legends Never Die, em novembro, com tributos a bandas como Pantera, Motorhead, Soundgarden ou Nirvana, e apesar de os One Vision - Tributo a Queen terem sido os últimos a entrar em palco, ninguém tivesse arredado pé da plateia. It's a kind of magic.