E se Glenn Close ganhar um Óscar? Convenhamos que poucos esperariam que o saldo da 76.ª edição dos Globos de Ouro envolvesse tal pergunta. De facto, ao ser distinguida com o prémio de melhor atriz na categoria de drama, pela sua performance no filme A Mulher, em que interpreta a mulher de um escritor a quem é atribuído o Nobel da Literatura, a atriz veterana (nasceu em Greenwich, Connecticut, a 19 de março de 1947) passou a ser encarada como nome "obrigatório" na corrida ao Óscar de Melhor Atriz..O que está em jogo, repare-se, não é aquele lugar-comum mediático segundo o qual os Globos "antecipam" os Óscares. Em boa verdade, a mais básica informação estatística desmente qualquer automatismo do género: atribuídos pelas nove dezenas de jornalistas da Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood, os Globos decorrem de escolhas e valores necessariamente distintos dos Óscares da Academia de Hollywood, envolvendo mais de oito mil votantes de todos os ramos da indústria cinematográfica..O que está em jogo é um fator emocional. Nele se reflete um insólito sentimento de "culpa" que, ciclicamente, contamina as várias entidades que se movem em Hollywood ou nas suas margens. Glenn Close é uma das figuras emblemáticas do cinema americano das últimas décadas, popularizada por filmes como Atração Fatal (1987) ou Ligações Perigosas (1988), que tem sido sistematicamente secundarizada nos seus rituais de consagração. A começar pelos Globos, convém referir: esta era a sua 14.ª nomeação. Já ganhara por duas vezes, como melhor atriz, mas em produções televisivas: num telefilme (The Lion in Winter, 2003) e numa série (Damages, 2007)..Na lista de "esquecidos" com Judy Garland ou Hitchcock.A sua presença na história dos Óscares é elucidativa: seis nomeações, três como atriz principal, três como secundária, e nenhuma vitória (a última nomeação foi obtida com Albert Nobbs, produção de 2011). E convenhamos que não está mal acompanhada: Paul Newman e Al Pacino necessitaram de oito nomeações para ganhar um Óscar - o primeiro com A Cor do Dinheiro (1986), o segundo com Perfume de Mulher (1992). Isto sem esquecer que a lista de "esquecidos" de Hollywood, nunca vencedores de um Óscar, inclui nomes como Judy Garland ou Alfred Hitchcock....O Globo para Glenn Close terá tido como principal "derrotada" aquela que muitos analistas americanos encaravam quase como vencedora antecipada: Lady Gaga, protagonista de Assim Nasce Uma Estrela, contracenando com Bradley Cooper (também realizador). Em qualquer caso, ela foi uma das premiadas da noite, na qualidade de coautora de Shallow, Globo de Melhor Canção..A esse propósito, o triunfo de Bohemian Rhapsody, vencedor em duas fundamentais categorias da área de drama - melhor filme e melhor ator (Rami Malek) - deixa uma dúvida interessante. A saber: poderemos estar a assistir a um relançamento artístico, industrial e comercial dos filmes em que a música desempenha um papel nuclear? As nomeações para os Óscares (22 de janeiro) serão, por certo, um momento oportuno para recolocar tal dúvida. Até porque, curiosamente, o próximo ano será marcado, por certo, pelas notícias da produção de uma nova versão de West Side Story, com realização de Steven Spielberg (ainda sem data de estreia anunciada)..Entretanto, resta saber também que atenção os Óscares vão dar a dois filmes com assinatura de outros veteranos de Hollywood:.- BlacKkKlansman, de Spike Lee, teve quatro nomeações para os Globos e saiu do Beverly Hilton Hotel sem qualquer prémio: eis um dado, no mínimo, insólito, sobretudo tendo em conta que, depois de tanta militância pela diversidade temática e profissional no interior da indústria, o filme de Lee envolve uma abordagem tão séria quanto complexa da história dos afro-americanos desde a década de 1970 até ao presente de Donald Trump..- The Mule, drama realizado e interpretado por Clint Eastwood, tem-se mantido ausente das listas de nomeações e prémios (inclusive de várias associações de críticos), ao que parece em grande parte devido à sua estreia tardia, em meados de dezembro. Resta saber se os Óscares lhe darão alguma atenção - o filme chega às salas portuguesas a 31 de janeiro, com o título Correio de Droga.