Há 20 anos a peça Intimidade Indecente estreava-se no Brasil. O sucesso foi tal que ficou em cena durante cinco anos. Mas depois disso nunca mais voltou. Entre o hiato temporal dos palcos brasileiros - volta ao Rio de Janeiro em abril - esteve em Portugal em 2019 e regressa agora (estreia a 26 de janeiro) em Lisboa, e depois Coimbra e Faro, pela mão do ator brasileiro Marcos Caruso que traz com ele a atriz Eliane Giardini. Uma dupla bem conhecida dos portugueses em telenovelas de sucesso, como Avenida Brasil, talvez um dos últimos grandes sucessos da Globo em terras lusas. A peça é sobre de uma história de um casal que se separa aos 50 anos e da forma como continuam ligados ao longo dos anos..O que representa trazer esta peça de novo a Portugal?.Marcos Caruso (M.C.) - O facto de ela voltar a Portugal tem um significado muito forte. Ela volta porque não contemplou todas as pessoas que gostariam de a ter visto. Saímos de Portugal com salas abarrotadas aos sábados e domingos, e fizemos uma sessão extra numa segunda-feira, foi uma coisa louca não só em Lisboa mas no resto das cidades portuguesas por onde passámos. A ideia era regressar no ano seguinte, mas, entretanto, surgiu a pandemia. Na altura contracenei com a Vera Holtz, a Eliane Giardini tinha sido convidada antes da Vera mas não pôde vir porque estava a fazer uma novela. A Vera [Holtz] que é uma grande amiga e uma grande atriz aceitou fazer e veio comigo a Portugal. Por isso voltar tem uma tripla satisfação, primeiro voltamos para um lugar onde muitas pessoas querem ver o espetáculo; a segunda porque voltamos com uma atriz que era para ter sido e não foi; e por fim é poder trazer para o público um texto que fala de amor, de amor em qualquer relação. Claro, trata-se de um marido e mulher, mas poderiam ser dois amigos, dois irmãos... são pessoas que precisam uma da outra..O que tem um interesse acrescido em tempos de pandemia, não?.M.C. - Sim, numa época de pandemia, numa época em que as pessoas estão cada vez mais afastadas acho que tem uma força maior hoje do que tinha quando esteve em palco há dois anos..Para um público mais jovem, é como ver o que lhes vai acontecer, como vão envelhecer ? .Eliane Giardini (E.G.) - A peça tem uma estrutura muito interessante. Ela passa pela vida desses personagens muito rapidamente. Começamos com a idade que temos hoje e terminamos com 100 e tantos anos, e no tempo do espetáculo, de uma hora e 15, consegue passar-se a urgência e a rapidez da vida. A vida é uma piscada, e nunca como agora, com a pandemia, tivemos uma noção tão clara da finitude. Nunca se conviveu tanto com a presença da morte. É uma ilusão achar que se pode procrastinar à vontade e que amanhã eu digo que eu amo, ou amanhã eu digo que sinto falta de alguém. A peça é um convite imediato a não deixar para o dia seguinte aquilo que tem de dizer hoje. Muitas pessoas saíram da peça a dizer que ligaram à sua mãe ou seu pai a dizer que os amavam..M.C. - A respeito dos jovens, e o que senti nos espetáculos, é que eles se emocionam muito, porque começam a ver aquilo que lhes vai ainda acontecer. Já os mais velhos divertem-se muito, porque já viram muita coisa passar. E apesar da morte não ser falada na peça, a finitude está muito próxima deles. Não é tão difícil entender a morte quando se é jovem..Para si, Eliane, que faz a sua estreia internacional, quais as suas expectativas de pisar os palcos portugueses?.E.G. - Oiço falar tanto de como os portugueses recebem os espetáculos de teatro e da sua capacidade de ouvir um texto e ainda como nos recebem com tanto carinho que não vejo a hora de estrear a peça..Ambos já trabalharam várias vezes em conjunto. Como foi a vossa preparação? E como foi para si Marcos que já fez a peça com outra atriz....E.G. -...o Marcos é um ator muito generoso. Ele ensaiou comigo como se estivesse a estrear. Deitou fora o que fez antes e começou do zero..M.C. - Acho que este texto permite. É um texto, mas é também um grande pretexto. Quem me substituir no futuro não pode fazer o que eu faço. Porque o envelhecimento é algo muito pessoal. Se a Eliane copiar o envelhecimento da Vera Holtz nunca conseguirá atingir aquilo que o público espera no teatro - a identificação do palco com a plateia. A Vera envelhecia de uma maneira como os seus pais e avós envelheceram. A Eliane já tem outra história de vida, outra história genética. E a substituição dela atinge a minha também. Não posso ficar nem mais velho nem mais novo do que ela, temos a mesma idade na peça. Voltando um pouco atrás, temos uma relação de trabalho muito grande, fizemos duas novelas, que são cerca de sete, oito meses de convivência e em que fizemos de marido e mulher, entre elas a Avenida Brasil que teve sucesso em Portugal. E, pela nossa paixão pelo teatro, encontrarmo-nos no palco é um prémio para ambos..Como é feito esse envelhecimento em palco? Mudam os figurinos, a maquilhagem?.E.G. - Não temos nenhum artifício, não trocamos de figurino. Não saímos de cena em nenhum momento. É uma coisa de ir doseando a força e a energia, e a voz e tudo isso. Foi um trabalho muito delicado e refinado para chegarmos a isso..E acham que é assim que vão envelhecer. Viram como vão ser no futuro?.M.C. - Espero que não tanto (risos). O teatro é feito para a regra e não para as exceções. O que fazemos em cena é o envelhecimento da regra. Por exemplo, a Eliane tem a mãe com 92 anos que parece ter 72.....E.G. - ...ela não serviu de referência nenhuma para mim (risos). Na forma de levantar, de se apoiar, não serviu de parâmetro. E o teatro tem de atingir um espectro maior..Como é vista a cultura portuguesa no Brasil? Há hoje um maior conhecimento do que se faz em Portugal?.M.C. - No teatro a troca é muito pouca. Temos alguma troca na literatura, na música há uma troca maior, e na televisão com atores portugueses por lá. Mas gostaria de ver mais atores portugueses em palcos brasileiros. Interessava-me saber o que está a ser feito aqui em Portugal. Quem são os atores, diretores de peças aqui. O inverso é mais fácil porque os atores são conhecidos pelo seu trabalho nas telenovelas. Mas este Atlântico que nos separa está a ficar um rio Tejo, com a Internet temos uma capacidade de aceder à informação do que se faz por cá..Citaçãocitacao"No Brasil a cultura sempre foi o parente pobre de todos os ministérios e dentro do Ministério da Cultura é dos parentes mais pobres", Marcos Caruso..Como é ser ator e atriz no Brasil da atualidade?.E.G. - O Brasil vive um momento muito triste. Atores que não estão contratados pela Globo, têm uma realidade muito difícil e diferente dos que têm. Estamos a torcer que a data das eleições brasileiras chegue logo para ver se conseguimos mudar essa realidade..M.C. - No Brasil a cultura sempre foi o parente pobre de todos os ministérios e dentro do Ministério da Cultura é dos parentes mais pobres. Mas isto era quando havia ministério da Cultura, com este governo (de Jair Bolsonaro) não há, está reduzido a uma secretaria sem importância nenhuma. E sofremos muito com isso..A peça pode ser vista em Lisboa, no Teatro Tivoli BBVA de 26 janeiro a 20 fevereiro. Em Coimbra, no Convento de São Francisco no dia 22 de fevereiro. E em Faro no Teatro das Figuras de 24 a 26 de fevereiro. filipe.gil@dn.pt