Entre a "festa" e a "ansiedade". 650 mil crianças estão de volta à escola

A alegria do regresso e alguma ansiedade são os sentimentos que dominam pais, alunos e professores, unânimes na importância do ensino presencial para as crianças mais pequenas.
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Ainda mal tinha terminado o anúncio do primeiro-ministro, António Costa, sobre o regresso do ensino presencial, na passada quinta-feira, já diretores de estabelecimentos escolares e professores estavam a organizar o trabalho e a traçar planos para a reabertura. Entre creches, pré-escolar e 1.º ciclo, cerca de 650 mil crianças voltam esta segunda-feira à escola, num ambiente que se adivinha quase de festa, não fossem as máscaras para relembrar que a pandemia ainda não terminou.

Escolas públicas e privadas viram os professores a entrar pelos portões dos estabelecimentos, na passada sexta-feira, para decorar ou dar "outra cara" às salas de aula e arrancar sorrisos às crianças. Na sexta, no Colégio Efanor, no Agrupamento de Escolas Cego do Maio ou no Colégio Júlio Dinis, entre outros estabelecimentos, as educadoras estavam num ambiente de festa, felizes por terem os alunos de volta e a organizar o regresso ao pormenor. As palavras de ordem são "socializar, trocar afetos e brincar", não esquecendo a consolidação das aprendizagens.

Macrina Fernandes, educadora do pré-escolar, fez um levantamento das atividades que os seus alunos, de cinco anos, mais tinham saudades de fazer, e pretende atender a todos. "Nas aulas online fui perguntando a cada um do que mais tinham saudades. Pediram festa, música, atividades com plasticina e brincar ao ar livre, entre muitas outras coisas. Também tentei saber quais eram os amigos com quem mais queriam brincar porque, nessa idade, têm muitas expectativas e estão à espera de poder brincar com os amigos mais próximos e ficam tristes se não acontecer", conta ao DN.

Para além da lista de "sonhos" das crianças, a educadora vai priorizar as atividades ao ar livre e "estar no exterior com liberdade". "Vamos fazer jogos de equipas, atividades com toque porque estão com saudades dos afetos. É possível cumprir as normas de segurança e dar lugar ao toque como, por exemplo, escrever nas costas de um amigo" explica. Macrina Fernandes acredita que "a questão emocional, o saber estar e saber ser, é o mais importante nesta fase".

"O esperar pela sua vez para falar, por exemplo, torna-se mais difícil por causa da ansiedade. São competências importantes. Sabemos que cumprir as regras vai ser mais difícil e que a autonomia é um problema nestas idades", diz. A educadora exemplifica com situações vivenciadas em aulas à distância, que já estavam adquiridas antes do encerramento das escolas. "Trabalhamos muito a autonomia e já todos sabiam encontrar o seu próprio material. Contudo, nas aulas à distância pediam aos pais para irem buscar um lápis, por exemplo, e não conseguiam antever do que iam precisar para uma determinada tarefa, apesar de serem capazes de o fazer", recorda. A prioridade, a partir de hoje, passará pela "interação, o sentido e identidade de grupo", num ambiente o mais normal possível para que as crianças se sintam "tranquilas e felizes".

Para Macrina Fernandes, este período de ensino à distância foi mais duro, quando comparado com o do ano letivo passado. "No outro confinamento havia o fator novidade e os pais tiveram tempo de qualidade com os filhos. Desta vez não. Não houve tempo para nada disso. Muitas crianças já foram para os avós, os pais tiveram de trabalhar mais e as crianças estavam com menos tolerância", explica. Contudo, sentiu que, desta vez, "as crianças adaptaram-se muito bem ao online". "Já não havia tanta timidez, mas ao mesmo tempo tiveram mais dificuldade em estar e em concentrar-se. Queriam estar menos tempo em aula e foi mais difícil cativá-las. Sentiram ainda mais a falta da presença física da educadora", aponta.

Para conseguir ultrapassar algumas dessas dificuldades, a educadora teve de abrir mais a sua "intimidade". "Ao contrário do ano passado, tive de adotar estratégias como a dança, ou fantasiar-me. Confesso que não me sentia muito à vontade por saber que os pais estavam presentes, mas tive de ser mais natural para conseguir chegar às crianças", conclui.

João Trigo, diretor do Colégio Efanor, em Matosinhos, também acredita que as questões emocionais são as que devem ser priorizadas. "O aspeto emocional é algo que, neste momento, é tão importante quanto as aprendizagens. Estamos empenhados em rentabilizar as atividades de socialização para que as crianças se sintam bem e felizes. Os professores e educadores estão sensíveis em começar a trabalhar com as crianças nos afetos e na socialização", afirma. Segundo conta, "os professores estão ansiosos por retomar a atividade presencial" e estão a preparar os espaços "com muito entusiasmo". E, se for possível, este ano, os mais pequenos poderão voltar a contar com a quinzena de praia, à semelhança de anos anteriores.

As escolas públicas e privadas já enviaram a listagem de docentes e não docentes para a DGEstE (Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares), mas a operacionalização da testagem ainda não é clara. "Enviámos os dados e sabemos que vai ser a Cruz Vermelha que vai fazer os testes, mas ainda estamos à espera de pormenores", explica João Trigo. Certo é que a utilização de máscaras para o 1.º ciclo será uma realidade, ainda que de uso facultativo. Contudo, a nova medida levanta ainda algumas dúvidas. "Não podemos tornar obrigatório o que as autoridades não tornaram. Ainda há dúvidas em relação à oxigenação. Está demonstrado que o uso de máscara também apresenta ameaças e riscos nestas idades, mas a decisão cabe aos pais e eu respeito muito as duas opiniões. A daqueles que não querem o uso da máscara no 1.º ciclo e a dos que preferem a sua utilização", explica João Trigo.

Filinto Lima, Presidente Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos de Escolas Públicas, vê com bons olhos o reforço de orçamento para a compra de máscaras no 1.º ciclo e relembra que "muitos alunos já usavam antes da paragem do presencial". Já no que se refere à testagem, o responsável acredita que "irá demorar algum tempo", assim como a vacinação dos professores. Filinto Lima quer rapidez no processo. "Estamos meio satisfeitos e queremos ver o plano concretizado. O que nós estamos a pedir é que estas duas boas novidades sejam realizadas no mais curto espaço de tempo possível. Como se costuma dizer: é para ontem. Vai permitir mais confiança no regresso à escola e aumento da confiança no desconfinamento", conclui.

A dúvida no processo de testagem levou alguns privados a, por iniciativa própria, arrancar já com testes. É o caso do Colégio Júlio Dinis, no Porto. O pessoal docente e não docente começou a testagem na passada sexta-feira. "As aulas arrancam na segunda e a testagem tem início na terça, ainda em moldes por definir por parte da Cruz Vermelha. Não podemos começar na segunda sem ter testado o pessoal docente e não docente que regressa ao serviço, por isso, contratei uma clínica por minha iniciativa. Nesta fase inicial, onde o fator segurança é tão importante, é essencial transmitir essa mensagem à comunidade educativa", explica o diretor do estabelecimento, Marco Carvalho.

Arlindo Ferreira, diretor do Agrupamento de Escolas Cego do Maio, na Póvoa de Varzim, recebeu orientações para "atualizar o plano de contingência" e, no que se refere à testagem, está a aguardar instruções. Contudo, o processo não é desconhecido, pois o agrupamento tem escolas de acolhimento que desde fevereiro, estão com alunos em regime presencial e onde a testagem continuou a ser feita.

"Estamos a aguardar, mas tudo está pronto para receber os alunos em segurança. Reforcei o aconselhamento para o uso de máscara no 1.º ciclo. Já tínhamos procedido à compra, mas só as vamos receber na interrupção da Páscoa", conta. Quanto ao processo de vacinação, "ainda não há novidades".

O DN sabe que alguns agrupamentos já foram contactados por parte dos centros de saúde para disponibilizarem a lista de professores e pessoal não docente. Ao que o DN apurou, as próximas remessas de vacina recebidas pelos centros de saúde já contemplam doses para os profissionais da educação. A vacinação decorrerá aos fins de semana, nos centros de saúde da área dos agrupamentos escolares.

dnot@dn.pt

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