É por baixo do arco das Escadinhas de São Cristóvão, no bairro da Mouraria, que se situa aquela que se diz ser a livraria mais pequena de Lisboa. "Dizem até que é a livraria mais pequena do universo. Do mundo... estou sempre aqui a ouvir esse tipo de comentários", nota o proprietário. A Livraria do Simão tem uns escassos 3,9 metros quadrados e, por causa disso, figura até em alguns roteiros turísticos e era local de passagem obrigatório para os turistas que visitavam Lisboa naquilo a que Paulo Simão chama de época do "grande pânico", pré-pandemia, quando a capital estava inundada de visitantes estrangeiros..Formado em enologia, o que lhe permitiu a certa altura ser professor de física e química, deu uma volta à vida e decidiu virar-se para os livros, em relação aos quais recusa dizer que tem uma paixão, "porque isso, de alguma forma, é dizer pouco". "Tenho uma ótima relação com o vinho, mas uma má relação com o trabalho do vinho", justifica essa reviravolta que o fez, em 2007, procurar um espaço para abrir uma livraria..Este cantinho minúsculo surgiu por acaso, quando ia a passar por ali e viu que havia um local para arrendar. O proprietário de então disse-lhe que o espaço tinha 10 metros quadrados, o que não ia de encontro à ideia de Paulo Simão para a sua livraria: era pequeno. Mas decidiu entrar e ver. "Abri a porta e literalmente bati com a cara na parede", lembra. "Mas isto não tem 10 metros quadrados...", comentou. Saiu e anunciou que iria pensar. "E é curioso porque a livraria nasce nesse momento", conta. "Não como aquilo que possa entender-se como um esforço meu, mas é ela própria, como uma ideia que parece que está fora de mim, que criou forma e impôs-se. A livraria assim parece que tem uma certa independência. Acho que ela é independente por isso. Fez-se a si mesma. E estou aqui para servi-la. É aquilo que eu sinto", diz Paulo Simão, que acabou por comprar aqueles 3,9 metros quadrados, que fazem lembrar um roupeiro. "Custou tanto como um carro de gama média... Novo", conta. "Também pode ser como um usado de gama alta", ri-se..Natural do Porto, Paulo veio para Lisboa e por cá ficou. "Os homens vivem por duas coisas: sobrevivência e relações humanas, amor. Vim para Lisboa pelas duas. Foi-se o amor, ficou o negócio", resume, enquanto faz uma ligeira limpeza na livraria, fechada há mais de um ano por causa da pandemia. Decidiu não abrir para se reorganizar. "Este meio precisa de organização. Se fores organizado, de certa forma, minimizas as dificuldades", defende acerca do negócio dos livros, que tantas queixas motivou quando o Governo decidiu encerrar as livrarias por não prestarem um serviço essencial. "Não considero um produto essencial. Produto essencial é comer e beber. Isso é que é essencial. E, se calhar, relações entre as pessoas. Parece ser a coisa mais essencial, mais essencial que os livros, não é?", pergunta, entalado naquele corredor entre a parede e as estantes onde se exibem cerca de três mil livros. "Há dias, às vezes dias consecutivos, de zero. Dias em que não vendo", admite. "Encaro isto como um exercício espiritual", acrescenta, prosseguindo com um retrato pouco simpático destes tempos, em que olha para as livrarias como espaços impessoais e superficiais, mas também para os leitores como pouco exigentes. "Leem como bebem refrigerantes", aponta..Mesmo assim, não antevê um fim para os livros, apesar de ele próprio se render às novas tecnologias ao serviço da literatura, como os audiolivros. O sonho seria ouvir uma versão integral de "La Recherche du Temps Perdu", de Marcel Proust, em 111 CD, mas custa 800 euros. O escritor francês, tal como Luís de Camões, Kafka, Raul Brandão ou Teixeira de Pascoaes, será um dos grandes que está sempre a descobrir e que hesita em nomear, porque "às vezes, os importantes não são os maiores, mas os que contribuem para a massa". "Isto é como um coro. Há tantas vozes, às vezes há uma que soa mais e é essa que vou ouvir, que oiço de forma mais atenta. A história da literatura é um coro de vozes", comenta..Olha para os livros como "uma espécie de catalisador da vida", algo que que lhe permite "expandir a consciência". E são tantas as vozes que já ouviu e leu, em várias línguas, que lhe dão autoridade para usar o seu gosto pessoal como critério para definir o que cabe ou não nos seus 3,9 metros quadrados. "Não excluo géneros literários. Procuro qualidade, sempre orientado pelo meu gosto"..Nestes tempos, quem quiser um exemplar, pode ligar para o número de telefone que está afixado na vitrina, onde alguns dos livros expostos já têm as cores esbatidas pelo tempo. Paulo Simão muda uns de sítio, substitui outros, para dar nova vida àquela pequena montra. E a seguir? "Volto ao serviço mínimo. Vou fechar e dar uma volta, arejar um bocadinho. [Quem precisar] que me telefone", responde. Mas assegura que está a pensar reabrir em breve, depois de reorganizar as estantes no interior e, talvez, o cantinho que em tempos idos teve uma casa de banho e que deverá ganhar umas prateleiras novas cheias de livros. "Acho que vou conseguir pelo menos mais um metro", ironiza..sofia.fonseca@vdigital.pt