Economista absolvido do crime de manipulação da dívida

Juíza de instrução arquivou processo contra Peter Boone, acusado pelo Ministério Público de, através de artigos de opinião, influenciar cotações para obter dividendos
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Apresentada em outubro de 2015 como uma "acusação inédita", o processo contra o economista Peter Boone, suspeito do crime de manipulação de mercado, caiu ontem, depois de uma juíza de intrução decidir não levar o doutarado de Harvard a julgamento. Boone era acusado pelo Ministério Público de ter utilizado, em 2010, uma coluna de opinião num blog associado ao "New York Times" para influenciar negativamente a cotação dos títulos da dívida portuguesa, ao mesmo tempo que uma empresa a que estava ligado ganhava dinheiro com operações no mercado.

Para a juíza do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, que decidiu não pronunciar Peter Boone, não ficou provado que tivesse existido uma intenção do autor em depreciar opinativamente a dívida portuguesa para obter dividendos, sendo que um "artigo de opinião é diferente de uma notícia", esta veicula factos, enquanto o primeiro deve ser lido com "sentido crítico", afirmou a magistrada.

A acusação do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa (DIAP) defendia uma tese contrária: é que ao mesmo tempo que opinava num meio com grande repercussão nos meios financeiros sobre a dívida portuguesa, Peter Boone era administrador de uma sociedade, a "Salute Capital Management", que por sua vez prestava serviços de aconselhamento financeiro à "Moore Capital Management".

E, de acordo com a acusação, no dia 15 de abril de 2010, Peter Boone e Simon Johnson (este não foi acusado) publicaram um artigo no blog "Economix", no qual reforçaram o entendimento de que Portugal seria o próximo país a pedir ajuda financeira. Até àquela data, referiu o procurador Valter Alves, a yield (margem de lucro para os investidores) da dívida portuguesa manteve-se um pouco abaixo dos 4%. Desde a tal data, a yield subiria mais dois pontos. Sendo que, no mesmo dia da publicação, a Salute aconselhou a compra da obrigação. "Tais operações tinham apenas um propósito de especulação, não havendo intenção da Salute e Moore de manter as obrigações em carteira". Com esta operação, houve um ganho de 819 mil euros.

Porém, para a juíza de instrução, no processo ficou "por saber se os artigos de opinião eram aptos a, por si, desvalorizarem a dívida portuguesa", até porque para a magistrada os leitores do blog conheciam o percurso e ligações profissionais dos seus autores. As testemunhas arroladas pelo Ministério Público também não ajudaram a tese da acusação: Teixeira dos Santos, ex-ministro das Finanças, afirmou que "só por si" um artigo de opinião não influenciaria as cotações, mas "poderia alimentar a desconfianças dos mercados", tendo em conta o então problema da Grécia. Paulo Ribeiro, diretor da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública, declarou não ser "possível afirmar que o artigo teve influência na dívida". O advogado do economista, Francisco Proença de Carvalho, contestou a acusação, dizendo, em resumo, que este processo "surgiu por motivos estritamente políticos", como forma de afastar publicamente Portugal da situação da Grécia.

Contas feitas, a juíza de instrução considerou que seria maior a probabilidade de Peter Boone ser absolvido em julgamento do que condenado. E perante as dúvidas que ficaram durante a instrução decidiu não pronunciar o arguido. Numa declaração emitida ontem, Peter Boone mostrou-se satisfeito com a decisão do tribunal, afirmando que conduz o seu trabalho "com integridade total" .

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