Numa altura em que nos últimos anos Veneza tem conseguido ofuscar Cannes, a edição 2019 do festival italiano arranca com o habitual elenco poderoso e o melhor do cinema que vamos ver na rentrée e em 2020..A seleção do diretor Alberto Barbera volta a ser de respeito e, por entre nomes como Todd Phillips, Roman Polanski, Olivier Assayas, Roy Andersson, Noah Baumbach ou James Gray, há um português verde nestas lides, Tiago Guedes, que consegue competir ao Leão de Ouro com o brilhante A Herdade, produção de Paulo Branco a partir de um argumento do cineasta e do escritor Rui Cardoso Martins..O filme é a história de uma família portuguesa numa herdade ao sul do Tejo ao longo de mais de 40 anos, do período antes do 25 de Abril até quase aos nossos dias, abarcando temas como o incesto, adultério e outras especificidades de um melodrama que com a serenidade dramática de Guedes ganha um peso de saga universal..A Herdade passa dia 5 no Palácio do Cinema e assume-se como o segundo grande acontecimento do ano do cinema português, logo a seguir ao Leopardo de Ouro de Locarno de Pedro Costa com Vitalina Varela. Além de Veneza, está já escalonado para a prestigiada secção Special Presentations, em Toronto, e, segundo o DN sabe, certos distribuidores norte-americanos estão interessados em adquirir o filme..Mais do que nunca, Portugal pode ter aqui um verdadeiro candidato ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, embora a Academia portuguesa ainda não tenha decidido se é este o filme a propor. Seria um pecado desperdiçar-se uma oportunidade de uma obra com um peso dramático raro e capaz de fazer uma síntese impiedosa de um país e da sua mentalidade. Aconteça o que acontecer em Veneza, A Herdade parece ser já um dos vencedores...."Fiquei muito feliz com a seleção. Por várias razões. É a primeira vez que um filme meu está numa montra como esta e porque me deparei com o meu nome junto de uma lista de tantos realizadores que admiro", conta Tiago Guedes que acredita no carácter universal da história: "Acho que o filme, apesar de ser altamente português e de falar de um certo tempo e momentos muito nossos, retrata situações e emoções bastante universais. Acredito que a história e as personagens, a questão das heranças afetivas, as mudanças sociais, as dificuldades de entendimento entre as pessoas, são todos temas universais.".Como é costume, Veneza consegue atrair a realeza de Hollywood. Neste ano a maior estrela será Brad Pitt, um dos favoritos ao prémio de melhor ator em Ad Astra, filme de ficção científica para adultos de James Gray. Um dos bilhetes mais quentes do festival, tal como Joker, de Todd Philipps, a ser trabalhado para a temporada dos prémios. A história do vilão de Batman sem Batman e um trabalho de realismo poético que naturalmente não costuma figurar nos cânones dos blockbusters da DC. É também a grande oportunidade para o mundo do cinema finalmente consagrar Phillips como um dos grandes da sua geração, apesar de ser também muito provável prémio de melhor ator para Joaquin Phoenix..O festival abre hoje com The Truth, de Hirokazu Koreeda, o japonês da Palma de Ouro de 2018. Agora, filma pela primeira vez em francês e em inglês num drama familiar que tem um elenco de ouro: Catherine Deneuve, Juliette Binoche e Ethan Hawke. É uma das incógnitas do festival, tal como o filme de espiões cubanos de Olivier Assayas, Wasp Network, com Penélope Cruz e Edgar Ramírez..Se quisermos favoritos ao Leão de Ouro nesta altura basta acreditar que Noah Baumbach volta ao nível de A Lula e a Baleia em Marriage Story, drama sobre um divórcio feio e duro das personagens de Scarlett Johansson e Adam Driver. A Netflix joga muitas fichas neste filme, sobretudo a pensar na próxima temporada de prémios, tendo ainda no festival The King, de David Michôd, em que consta que Timothée Chalamet é genial num Henrique V de Shakespeare..O elenco do festival terá ainda Kristen Stewart em Seberg, de Andrew Benedict, biopic da atriz Jean Seberg, Roman Polanski a filmar o caso Dreyfus em J'Accuse, com Louis Garrel e Jean Dujardin, e Roy Anderson com outra meditação cáustica sobre a vida e a morte em About Endlessness..A presença portuguesa nas curtas tem uma portuguesa na competição. É ela Leonor Teles, que já venceu o Urso de Ouro em Berlim com Balada de Um Batráquio. Agora, a sua nova curta chama-se CãesQue Ladram aos Pássaros e é uma encomenda da Câmara Municipal do Porto, um grito radioso de juventude contra a gentrificação deste nova Invicta.."O ponto de partida foi quando estava no Porto já a fazer pesquisa para o que poderia ser o filme e o meu amigo Carlos Silva disse que eu tinha de conhecer uns gémeos. Depois deste encontro tive a certeza absoluta de que teria de filmá-los e que o protagonista seria o Vicente. Não tinha como não ser ele. Fui conhecendo melhor a história da sua família e tornou-se imperativo: tínhamos de figurar aquela história (real) no ecrã", explica a cineasta que este ano estreou em sala o documentário Terra Franca.. Cães Que Ladram aos Pássaros é a história de dois gémeos que vivem no Porto com a mãe e são obrigados a mudar de casa devido à especulação imobiliária. Inspirado numa história verdadeira e sem recurso a atores profissionais, é um filme luminoso e contaminado pela música de Sensible Soccers. A realizadora confirma: "Senti-me bastante embalada. Sendo um projeto que se passaria no Porto, penso que seria importante falar com uma banda do Norte e que tivesse uma ligação à cidade. E, claro, a música deles era perfeita para imersão no filme. E os Sensible Soccers concordaram, tanto que temos uma música original no filme, a Hernâni.".O Festival de Veneza começa hoje e termina no próximo dia 7.