Nesta primavera desconfinada há um festival a fazer uma espécie de súmula. O Doclisboa, edição número 18, foi uma odisseia com muitos episódios. Hoje começa o seu encerramento, um ponto final desta vez com público após alguns momentos cem por cento online. O cinema do real continua a ter neste certame um santuário seguro e em constante renovação..No primeiro ano em que surgiu uma nova direção, encabeçada por Miguel Ribeiro e Joana Sousa, uma pandemia para criar um quebra-cabeças na programação de um festival estendido no tempo por momentos ao longo de muitos meses. Até 10 maio, o Doclisboa propõe uma série de sessões com inéditos e propostas que ficaram de fora de outros momentos. São sete sessões na Culturgest para matar saudades da ideia de um festival de cinema, mesmo se pensarmos que haverá toda a distância higiénica e a ausência das célebres festas após as sessões. Um festival ainda sem azáfama dos convidados e com um conceito mais caseiro.."Agora, com a distância, podemos dizer que estamos superseguros de que esta ideia da extensão no tempo foi a forma mais justa de como o festival se poderia apresentar, sobretudo com o tempo da cidade, com o tempo dos filmes. Criou-se uma atenção maior para cada filme, coisa que era impossível num festival que duraria apenas 11 dias", conta Miguel Ribeiro, um dos novos rostos deste festival que militantemente aposta num cinema agitador..A sessão de abertura é com cinema português, Visões do Império, de Joana Pontes, filme-investigação sobre os processos da memória colonialista português através do registo fotográfico. Uma realizadora à procura de uma tese sobre uma narrativa da construção de um império, isto para além dos discursos. A direção do festival diz que o filme de abertura do último módulo do festival tem um propósito não ocasional: "É óbvio que há vontade de abrir o festival com o estabelecer de um debate que nos parece urgente, sobretudo porque se trata de um filme que está ancorado numa vontade séria de olhar para o passado a partir de registos fotográficos familiares. Ou seja, o passado continua tão ativo no nosso presente - as fotografias familiares são os objetos no presente.".De destacar deste ciclo final uma sessão muito punk, no dia 7, com Enterrado na Loucura - Punk em Portugal 78-88 A Segunda Vaga, de Hugo Conin e Miguel Newton, seguido de Mata Ratos ao Vivo na Academia de Linda-a-Velha, de Patrick Mendes, experiência nostálgica nestes tempos em que é proibido estarmos num concerto de rock a dançar e a suar..Miguel Ribeiro admite que, para públicos mais profissionais, o formato híbrido (entre o online e o presencial) possa vir a ser uma realidade, mas diz alto e em bom som que o Doclisboa é um festival para se experienciar nas salas: "O festival não é só a disponibilização de filmes, é muito mais do que isso. Consideramos que há um lado muito importante de ver cinema em conjunto. As nossas propostas valem pelo confronto de ideias que se gera numa sala de cinema, antes e depois das sessões e também nas festas." Isto pode voltar na edição 2021, atualmente já a ser ultimada e com início presencial a 21 de outubro em vários ecrãs da cidade. Será uma edição de regresso aos afetos do cinema físico e onde se anunciam algumas novidades a nível de programação sem perder a identidade construída nos últimos tempos..Quem for à sessão de encerramento de dia 10, com Paris Calligrames, da veterana Ulrike Ottinger, poderá ficar a saber um pouco mais das novidades de outubro..dnot@dn.pt